Uma disputa judicial pelo direito do uso do nome “Quadrangular” por uma igreja dissidente terminou com uma manifestação da Justiça contra a tradicional denominação pentecostal, que pleiteava a exclusividade do uso da “marca”.
A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo reverteu uma sentença expedida pela primeira instância da Justiça que impedia uma igreja evangélica de usar a expressão “quadrangular” em seu nome.
A decisão é semelhante à tomada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2021, quando permitiu a uma igreja usar o termo “Deus é Amor” em seu nome, a despeito da contrariedade da tradicional denominação fundada pelo missionário David Miranda, já falecido.
A Igreja Quadrangular Família Global foi processada pela Igreja Evangelho Quadrangular para impedi-la de usar a “marca” quadrangular, alegando ter o registro dessa propriedade no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).
Entretanto, a desembargadora Jane Franco Martins, relatora do acórdão, entendeu que apesar de a Lei de Propriedade Intelectual (Lei 9.279/96) prever a proteção marcária, esse direito não é absoluto e deve ser analisado quando confrontado com outros direitos constitucionais:
“O próprio legislador infraconstitucional cuidou de prever hipóteses excepcionais, a exemplo da vedação ao registro de marca que atente contra a liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia e sentimentos dignos de respeito e veneração, nos termos do artigo 124, III, do referido diploma. Outra não poderia ser a conclusão, haja vista que a Constituição Federal resguarda expressamente dentre o rol direitos fundamentais, em seu artigo 5º, VI, a liberdade religiosa”, argumentou a desembargadora, de acordo com informações do Conjur.
A relatora contextualizou ainda que a expressão “quadrangular”, muito além de deter conotação religiosa, é responsável por designar uma vertente religiosa oriunda do cristianismo protestante pentecostal, tornando assim, impossível que uma única instituição detenha a exclusividade do termo.
“No caso concreto, restou demonstrado que a igreja ré (ora apelante) não se utiliza da marca identificativa da igreja autora, de modo a buscar confundir os fiéis de que se trataria uma única associação religiosa. Nesse sentido, a partir de comparação entre as marcas institucionais das igrejas litigantes, permite-se verificar, de forma icto oculi, a inexistência de violação marcaria entre os conjuntos de imagem”, acrescentou a desembargadora Jane Franco Martins.
Ilustrando sua argumentação, Martins comparou a situação com a da “Igreja Pentecostal Deus é Amor”, que se obtivesse a exclusividade do nome, poderia requerer a prerrogativa de ser a única com direito a se identificar como denominação pentecostal:
“Ademais, destaca-se que a despeito da proteção da marca conferida pelo Instituto Nacional de Propriedade à igreja autora, esta não desenvolve nenhuma atividade econômica no mercado, não havendo de se falar em concorrência propriamente dita, na medida em que a fé não pode ser tratada, permissa venia, como um produto e os fiéis, prima facie, não se equiparam a consumidores”, repreendeu a desembargadora.
Ao final, Martins enfatizou não ser possível que a Lei de Propriedade Intelectual, uma lei infraconstitucional, prevaleça sobre a liberdade religiosa, um direito fundamental assegurado no artigo 5º, VI, da Constituição Federal.