A decisão do Reino Unido de instaurar a separação entre Igreja e Estado, anunciada esta semana, pode significar que a Igreja Anglicana perderá seus privilégios num prazo de 50 anos.
O anúncio, feito pelo secretário de Estado de Imigração, Phil Woolas, no sítio “Religión Digital” do dia 18 de dezembro, apresenta a consistente razão de que o país tornou-se “multiconfessional”. Conquanto essa posição possa significar um avanço há muito aguardado, mesmo que os motivos estejam bem sustentados por razões de Estado, deve ter efeitos positivos no tempo atual, por causa da realidade há muito marcada pela pluralidade.
A decisão anunciada certamente provocará reações antagônicas, apesar de aguardada, podendo criar espaços de liberdade para a vida religiosa e a política, incluída a resultante das relações Estado-Igreja, avaliam especialistas. Entre as primeiras conseqüências, previsíveis, estarão a dessacralização dos assuntos de Estado e a desestatização dos assuntos eclesiais, a um só tempo.
Mesmo que esse tema e a decisão de agora já tenha provocado debates, ainda será alvo de muitas discussões na Igreja, no governo e na sociedade. É possível entender que o tema volte ao debate de tempos em tempos, bem como explique o prazo de meio século destinado à implantação, a ser usado para a preparação da Igreja, da monarquia parlamentarista e da sociedade, ponderou o reverendo Eduardo Grillo, da Paróquia São Lucas, em Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro. O maior impacto certamente não será a compreensão dos princípios, mas as implicações práticas para a comunidade de fé e dentro das instituições governamentais e eclesiais.
Já pensando nos impactos da desvinculação da Igreja Anglicana do Estado, o arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, adiantou que tal fato “não seria o fim do mundo”, mas, pelo contrário, poderia ser benéfica. O líder da comunhão anglicana mundial afirmou, em entrevista à revista “New Statesman” que, com a separação, algumas confissões poderiam inclusive beneficiar-se, ao se desvincularem do governo. Mesmo assim, ele que não acredita que seja o momento de fazê-lo, porque a posição da fé na vida pública não está muito segura.
Um efeito poderá ser uma percepção mais verdadeira da realidade, para a Igreja, destacou Grillo, apesar do impacto financeiro que ela poderá ter em algumas situações específicas. Ao mesmo tempo, ele entende que uma decisão dessa natureza poderá levar tempo para ser efetivada, porque a tradição britânica é de estudar demoradamente uma situação, procurando ver todos os lados, antes de efetivá-la.
As declarações de Williams surgem semanas depois de dizes que entende porque alguns defendem a desvinculação da Igreja do Estado, fato que pode acabar com a atual posição da rainha como chefe da Igreja da Inglaterra e também com o direito dos bispos ocuparem cadeiras na Câmara dos Lordes.
Ele lembrou que recebeu formação numa Igreja separada do Estado, como é a de Gales, assinalando possíveis vantagens burocráticas para a Igreja, como o sínodo não precisar apresentar uma decisão eclesial ao Parlamento regional, após ter aprovado ou rejeitado algum assunto.
Williams mostrou-se preocupado, contudo, com os motivos de muitos dos que defendem essa separação, assinalando que há quem queira expulsar a religião da vida pública, algo com o que não concorda. Já o pároco brasileiro admitiu não saber o significado mais amplo da decisão, mas disse que tal situação pode colocar a Igreja mais próxima da realidade, com os pés mais firmes no chão em que deve anunciar o evangelho, e perder um pouco desse ar de corte e de palácio, que surge em alguns espaços eclesiais.
Fonte: ALC