Um trabalho de pesquisa arqueológica descobriu evidências que comprovam os relatos bíblicos sobre os povos cananeus através do sequenciamento do DNA dos restos mortais de cinco indivíduos sepultados na cidade portuária de Sidon, hoje território libanês.
A descoberta permitiu aos pesquisadores desvendar a ascendência dos povos libaneses modernos, já que os restos mortais demonstraram ter 90% de compatibilidade genética, segundo um artigo publicado pela American Journal of Human Genetics.
Informações publicadas pelo site da National Geographic apontam que os pesquisadores estimaram a morte dos cinco indivíduos há 3.700 anos. A equipe de estudos teve financiamento do The Wellcome Trust, e assim, conseguiram sequenciar o genoma cananeu das ossadas e compará-lo com o DNA de 99 residentes libaneses modernos.
De acordo com os resultados, a ascendência cananeia é uma mistura de populações indígenas que estabeleceram o Levante (a região que abrange muito da Síria moderna, Líbano, Jordânia, Israel e Palestina) há cerca de 10 mil anos e migrantes que chegaram do leste entre 6.600 e 3,550 anos atrás.
Um elemento adicional euro-asiático foi adicionado à mistura genética em algum momento entre 1800 e 200 a. C., um período tumultuado que viu o colapso da Idade do Bronze e o advento da Idade do Ferro, a época em que a maioria dos estudiosos acredita que foram feitos os registros do Antigo Testamento da Bíblia Sagrada.
Vilões bíblicos
Os relatos bíblicos geralmente descrevem os cananeus como os inimigos dos inimigos dos primeiros israelitas, que eventualmente conquistaram o território cananeu e exterminaram ou subjugaram seu povo.
Os arqueólogos, no entanto, identificam os cananeus como uma coleção de tribos de etnias variadas que aparecem no Levante ao redor do início do segundo milênio a. C. Ao longo dos séculos, eles foram, em várias ocasiões, cidades-estados independentes ou nações sob controle egípcio. Sua presença é registrada em cartas dos governantes da Era do Bronze no Egito, Anatólia, Babilônia e em outros lugares da região.
Apesar da enorme revolta cultural e política no Mediterrâneo oriental no final da Idade do Bronze no século 12 a. C., a presença cananeia persistiu na região, principalmente em cidades portuárias poderosas ao longo da costa, onde eram conhecidos pelos gregos como fenícios .
Ainda não foram encontradas evidências arqueológica da destruição generalizada dos assentamentos cananeus descritos na Bíblia ainda, o que leva muitos estudiosos a considerarem a hipótese de que os israelitas, que teriam surgido próximo ao início da Idade do Ferro, tenham origem nos povos cananeus.
A descoberta
O novo estudo é notável por seu sequenciamento do genoma cananeu. A obtenção de DNA antigo (ADNc) de restos humanos encontrados na região é difícil, já que o calor e a umidade são os “maiores inimigos” da preservação dos materiais, de acordo com Marc Haber, do Instituto Sanger/Wellcome Trust e coautor do artigo.
Muitas das antigas amostras testadas vieram de vasos cheios de areia perto da costa do mar em Sidon, que no ano 332 foi conquistada por Alexandre, o Grande, poucos anos antes de sua morte.
A pesquisa demonstra que os cientistas podem agora fazer estudos interessantes sobre a ADN do Líbano e áreas circundantes, disse o coautor Chris Tyler-Smith: “Esta é apenas a ponta do iceberg. Esperamos mais amostras de diferentes lugares e diferentes períodos de tempo”.
Os pesquisadores ficaram surpresos com o nível de continuidade genética entre os cananeus antigos e os libaneses modernos depois de cerca de 4.000 anos de guerra, migração e conquista na área, embora preguem cautela: “As pessoas podem ser culturalmente semelhantes e geneticamente diferentes, ou geneticamente similares e culturalmente diferentes”, observou Tyler-Smith.
O arqueólogo Assaf Yasur-Landau , co-diretor do Projeto Arqueológico de Tel Kabri e autor de um livro sobre os cananeus a ser lançado, concorda. “Os cananeus ainda são um grande mistério para nós, então todo estudo dos cananeus – seja em genética, cultura, economia, religião ou política – é algo que nos trará fatos tremendamente importantes sobre a composição do mundo bíblico do primeiro milênio”.