Os edifícios das duas igrejas onde estiveram retidas 40 “crianças feiticeiras” na capital angolana foram hoje demolidas por ordem da administração municipal do Sambizanga, bairro onde estavam localizadas.
José Tavares Ferreira, administrador municipal do Sambizanga, um dos mais populosos e problemáticos de Luanda, disse à Lusa que existem “indicações de que há outras igrejas” com práticas idênticas que estão a ser identificadas.
As 40 crianças acusadas de serem feiticeiras foram resgatadas pela Polícia Nacional na quinta-feira, com idades entre um mês e os 15 anos, encontravam-se retidas no interior de duas casas, que serviam de igrejas, no bairro Uige, comuna do Ngola Kiluange, município do Sambizanga, em Luanda.
José Tavares Ferreira referiu ainda à Lusa que, depois da demolição dos edifícios pertencentes à “Igreja de Revelação do Espírito Santo de Angola” e “Igreja Boa Fé”, que são oriundas da província do Zaire, região onde os casos de crianças maltratadas sob acusação de serem feiticeiras são mais graves em Angola, todas as outras que praticarem as mesmas actividades “serão também demolidas”.
Os líderes religiosos das igrejas ilegais que tinham em sua «posse» as crianças, foram detidos na operação de resgate dos menores.
Das 40 crianças resgatadas, 29 foram levadas para o Lar Kuzola, que acolhe crianças em dificuldades em Luanda, e quatro foram encaminhadas para hospitais devido ao seu estado grave de saúde, resultante dos maus-tratos a que foram submetidas para serem “libertadas” dos “maus espíritos”.
As restantes foram colocadas noutros lares de acolhimento de menores em dificuldades.
O problema das crianças acusadas de feitiçaria ou serem feiticeiros assume em Angola proporções que as autoridades e o Instituto Nacional da Criança (INAC) admitem como grave.
As autoridades angolanas estão a recolher dados das crianças submetidas a práticas bárbaras para serem “libertadas” dos “maus espíritos” de forma a encaminhar os processos ao julgado de menores.
A directora provincial do Ministério da Assistência e Reinserção Social (Minars), Augusta Dias, disse hoje à Lusa que neste momento decorre um trabalho de “triagem familiar”, com vista a confirmar a origem das crianças.
“Queremos saber se essas crianças têm familiares na província de Luanda ou se são provenientes de outras regiões”, disse à Lusa Augusta Dias.
Segundo a directora, participam também neste trabalho a Polícia Nacional, a Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC) e o Julgado de Menores.
“Por se tratar de um crime, vamos fazer o trabalho quer no âmbito social quer no jurídico, porque se tratam de crianças menores de idade”, frisou.
Augusta Dias adiantou que hoje alguns familiares destas crianças se deslocaram ao Minars, no intuito de obterem informações e tentarem recuperar os seus filhos.
“Os familiares estão a aparecer e nós vamos trabalhar de forma detalhada para confirmar se realmente são ou não familiares”, disse Augusta Dias, acrescentando que estão a ser tiradas fotografias às famílias para essa confirmação.
No grupo de crianças encontrava-se um bebé, que neste momento está a ser acompanhado por pediatras para análise do seu estado de saúde.
O fenómeno, segundo vários estudos publicados na área da sociologia, tem origem em questões ancestrais, sendo a sua prática oriunda da tradição Bantu, que integra a quase totalidade do território angolano, onde um dos aspectos mais importantes é a crença de que as crianças encarnam os maus espíritos e são responsáveis pela “má sorte” das famílias.
As áreas geográficas onde as acusações de feitiçaria a crianças são mais significativas situam-se a norte do país, junto às fronteiras com a República Democrática do Congo e Congo-Brazzaville (países onde o problema é igualmente grave) nomeadamente o Uige, Zaire, as Lundas, Norte e Sul, e Cabinda.
Fonte: Diário Digital / Lusa