Hillary Clinton perdeu as eleições presidenciais dos Estados Unidos para Donald Trump e, abalada, não fez um discurso reconhecendo a derrota no momento em que o resultado foi anunciado. Na manhã seguinte, já refeita do baque, usou um versículo bíblico para recompor as forças.
A ex primeira-dama, ex-senadora e ex-secretária de Estado citou a passagem de Gálatas 6:9 em um discurso emocionado, feito para seus apoiadores: “Não nos cansemos de fazer o bem, pois no tempo próprio colheremos, se não desanimarmos”, e acrescentou: “Tenhamos fé uns nos outros, não nos cansemos, não nos desanimemos, porque há mais trabalho a fazer”.
Ciente de que o país precisa superar a divisão política para conseguir vencer as adversidades, como o baixo crescimento econômico, Hillary pediu que seus eleitores não torçam contra o presidente eleito: “Ontem à noite felicitei Donald Trump e me ofereci para trabalhar com ele em nome do nosso país. Espero que ele seja um presidente para todo o nosso país”, revelou.
Hillary frisou que a derrota é “dolorosa”, mas que estava feliz por ter tido a oportunidade de concorrer à presidência dos Estados Unidos: “Lamento que não tenhamos vencido essa eleição pelos valores que todos compartilhamos […] Vocês representam o melhor da América e ser sua candidata foi uma das maiores honras da minha vida. Eu sei como vocês se sentem decepcionados, porque eu sinto isso também… Isso é doloroso e será por um longo tempo. Mas eu quero que vocês se lembrem disso: nossa campanha nunca foi focada em uma pessoa… mas sim na construção de um país que nós amamos”, afirmou.
“Vimos que nosso país está mais profundamente dividido do que jamais pensávamos… Devemos aceitar esse resultado… Donald Trump vai ser nosso presidente… devemos dar a ele uma mente aberta e uma chance de liderar”, disse a candidata derrotada, amparada por seu marido, Bill Clinton, ex-presidente, sua filha Chelsea e seu candidato a vice, Tim Kaine, e sua esposa, Anne Holton.
O apoio recebido de Barack Obama e sua esposa, Michelle, foi lembrado por Hillary, que agradeceu a família presidencial e foi aplaudida: “Para com Barack e Michelle Obama – nosso país tem uma enorme dívida de gratidão. Nós lhe agradecemos por sua liderança determinada e graciosa que significou tanto”.
Derrota
Michael Wear, ex-conselheiro espiritual do presidente Barack Obama, comentou a vitória de Trump dizendo que o erro de Hillary foi de tomar uma postura de praticamente ignorar a visão e preferências do eleitorado evangélico durante a campanha.
“O forte apoio dos cristãos a Trump é o resultado de muitos fatores, mas certamente entre eles, está o desprezo quase completo da campanha [de Hillary Clinton] em demonstrar empatia ou se engajar seriamente com as comunidades de fé – particularmente os católicos brancos e os evangélicos”, comentou Wear.
Definitivamente, Hillary provocou os cristãos durante sua pré-candidatura e a campanha, ao defender enfaticamente os movimentos minoritários que pleiteiam limitar as liberdades religiosas no país.
Em maio deste ano, Hillary Clinton participou de uma conferência sobre feminismo, realizada em Nova York, e disse que os governos devem usar tudo que tem à disposição para combater a religião: “Os códigos culturais profundamente enraizados, as crenças religiosas e as fobias estruturais precisam mudar. Os governos devem empregar seus recursos coercitivos para redefinir os dogmas religiosos tradicionais”, declarou.
O tom ditatorial usado pela então pré-candidata recebeu destaque internacional, com repercussões em países latinos, Europa e aqui no Brasil. De acordo com o jornal espanhol La Gaceta, Hillary defendeu o aborto como “um direito da mulher”, e disse que as opiniões contrárias a isso formadas a partir de crenças religiosas são um gesto de discriminação às mulheres e homossexuais.
“Os direitos devem existir na prática, não só no papel. As leis têm de ser sustentadas com recursos reais”, disse Hillary, justificando o uso da força (recursos coercitivos) para que essas ideias sejam postas em práticas.
Em seu discurso, usou um eufemismo para referir-se ao aborto, classificando a prática como uma defesa da “saúde sexual e reprodutiva”, e disse que os contrários à interrupção de gestações “se erigem como líderes”, e portanto, precisam ser confrontados.
Origens
Antes de sua carreira política – foi primeira-dama e a partir daí, elegeu-se senadora e depois de derrotada por Obama em 2008, foi nomeada secretária de Estado pelo presidente – Hillary apresentava um discurso diferente.
Criada em uma família evangélica, Hillary frequentava a Primeira Igreja Metodista Unida de Park Ridge, no estado de Illinois. Dessa época, carregou por décadas a amizade e os conselhos de seu então pastor de jovens Don Jones, morto em 2009.
A ex primeira-dama ficou conhecida por carregar sempre um exemplar da Bíblia Sagrada em sua bolsa. Em 2007, disse à CNN que sua prática de fé é um exercício diário pois o despertar espiritual “não vem naturalmente”, mas surge em seu coração toda vez que se depara com adversidades: “A existência de sofrimento nos chama para a ação”, disse à época.
Voltando um pouco mais no tempo, em 1993 ela proferiu um de seus mais famosos discursos, na Universidade do Texas, quando dizia que é preciso dar um novo significado à política: “Temos de reunir o que nós acreditamos ser mais correto moral, ética e espiritualmente, e fazer o melhor que podemos com a orientação de Deus”. Definitivamente, esse raciocínio não estava presente na Hillary que tentou chegar à Casa Branca como chefe da nação.