“A Bíblia Segundo Beliel” é o título do novo livro de Flávio Aguiar, que é professor e pesquisador do programa de pós-graduação em Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/ USP).
Com título polêmico, o livro é apresentado como uma obra que contará que a história “da criação ao fim do mundo, como tudo de fato aconteceu”. “A Bíblia Segundo Beliel” será lançado este mês, pela editora Boitempo.
O texto se apresenta como uma versão das escrituras sagradas do cristianismo, escrita por um anjo desgarrado, que teria sido banido do Reino dos Céus junto com Lúcifer. De acordo com a sinopse divulgada pela editora, o livro conta versões dos fatos bíblicos sob a ótica de personagens como os mercadores que tiveram as barracas derrubadas por Jesus no Templo, Caim, os escravos de Jó e até mesmo a pomba soltada por Noé na arca.
Professor e pesquisador de literatura da USP, o autor do livro explica a construção de sua obra como uma “possessão” de um anjo torto, que escreveu o livro através dele.
– Foi uma possessão. Passei muitos anos estudando as Bíblias como fontes literárias e das demais artes. Mais da metade das literaturas e das artes que estudamos e curtimos são incompreensíveis sem um conhecimento mínimo das diversas Bíblias. Até um autor declaradamente ateu, como Machado de Assis, é profundamente bíblico. Acho que de repente isso se materializou numa reescritura do que eu lera e me inspirara na minha vida de professor e crítico literário. Como se todo esse mundo acumulado pegasse um desvio da linha e saísse em busca de um caminho próprio. Por isso não consigo dizer, por exemplo, que o livro é meu. Ele é mesmo do Beliel, esse anjo torto que se materializou em mim. Eu fui apenas seu porta-voz – explica Aguiar.
Leia o texto de orelha do livro, escrito por José Roberto Torero:
Em verdade, em verdade vos digo: todo escritor quer ser Deus.
E não é exagero. Pode comparar, fiel leitor: primeiro eles criam um ambiente, depois sopram vida aos personagens e por fim causam conflito entre eles. Iguaizinhos ao Todo Poderoso. Sem falar que há alguns que até se dizem imortais.
Sim, todo escritor quer ser um pequeno deus. Mas esse tal de Flávio Aguiar foi mais longe. Além de criar paisagens, personagens e conflitos, ele decidiu reescrever o próprio livro do Senhor.
Porém, se a Bíblia original foi escrita sob inspiração divina, esta foi feita sob transpiração humana. Vê-se que o autor domina profundamente o assunto, que estudou até os pontos e vírgulas das santas escrituras. Só conhecendo bem um livro se pode recontá-lo, invertê-lo, mostrar o seu avesso. E uma das graças desta Rebíblia (e ela é cheia de graças) é justamente contar as coisas a partir de um ângulo diferente, novo, inesperado.
Finalmente o leitor poderá ver personagens secundários contando a sua versão dos fatos. Por exemplo, verá a história do ponto de vista de Caim, o filho (ou neto) desprezado, a versão da pomba de Noé (e assim talvez pela primeira vez possamos saber como era o cheiro no porão da arca), os bastidores do incêndio de Sodoma e Gomorra e como foi a fuga do Egito capitaneada por Moisés (curiosamente o patriarca gosta de citar Camões, e eles realmente têm algo em comum, pois ambos atravessaram mares).
Aliás, nesta Bíblia do B há uma turma inesperada atravessando o deserto, formada pelo jovem Marx, Rosa Luxemburgo, Maiakovski, Luiz Carlos Prestes e outros canhotos ilustres. Um bando que, em vez de hinos religiosos, avança sobre as dunas cantando: “Avanti popolo, alla riscossa, bandiera rossa, bandiera rossa!”.
Falando em classes oprimidas, temos aqui o testemunho de um dos escravos de Jó (que jogavam caxangá), as memórias de um dos pobres mercadores que tiveram suas barracas derrubadas por Jesus e, ainda, os inesperados depoimentos de um diabo e de um anjo secundários, talvez (que Deus me perdoe) os dois personagens mais interessantes de todo o livro.
E por fim (ele não poderia estar em outro lugar) há um surpreendente Apocalipse, do qual não falarei nada para não estragar a surpresa, mas que tem a ver com mulheres, muitas mulheres.
Por Dan Martins, para o Gospel+