Um grupo de mulheres denominado “Frente Evangélica pela Legalização do Aborto” chamou atenção ontem, após a publicação de uma reportagem em um grande veículo de comunicação, destacando os argumentos apresentados por algumas jovens que se apresentam como evangélicas defensoras do aborto.
“Legalizar o aborto é compreender que a vida precisa ser preservada”, declarou Camila Mantovani, de apenas 24 anos, apresentada como uma das fundadoras do movimento que, possivelmente, possui a influência de mulheres mais velhas atuando nos bastidores como mentoras do grupo.
A afirmação surpreendentemente contraditória de Mantovani não é por acaso, pois segundo os argumentos feministas reproduzidos pelo grupo, o único ser vivo digno de ser preservado durante a gestação é a mulher, e não também o bebê, que ironicamente é o indivíduo mais frágil e carente de proteção.
“A legislação que temos hoje sobre o tema potencializa a morte. Ela não impede que aconteçam abortos e ainda mata mulheres. Queremos uma fé que dialogue”, acrescentou a jovem, segundo o G1. “Compreendemos a importância de nos organizarmos e mostrarmos que o campo religioso e, especificamente o evangélico, é muito diverso no país”.
O deus-Estado
Seguindo o roteiro de argumentos bastante conhecido por se tratar de uma pauta feminista antiga, Mantovani segue explicando que a intenção da Frente Evangélica pela Legalização do Aborto é lutar pela conquista de direitos, incluindo o de matar bebês no ventre materno com base na fé em Jesus.
“Fazemos isso com base na nossa fé em Jesus Cristo”, disse ela, referindo-se à luta por esse direito. “Compreendemos que ninguém avança em garantia de direitos nesse país se a disputa de consciência não for travada no campo religioso”.
Isto é, Mantovani explica que é preciso trazer o debate acerca da legalização do aborto para dentro das igrejas (“campo religioso”), o único local onde a vida é tratada como valiosa desde a concepção, indicando que, segundo a Bíblia, o ser humano é pessoa desde o ventre materno.
Entretanto, para fazer valer os “direitos” de – algumas – mulheres, incluindo o de abortar, fomentando assim este pensamento, a estratégia do grupo é fazer parecer que não há um debate de caráter bioético, filosófico, teológico (doutrinário), de responsabilidade pessoal diante do próprio ato sexual e também espiritual em questão, mas sim e, meramente, de políticas públicas, Estado laico e saúde reprodutiva.
“Se o senado fosse composto majoritariamente por mulheres, o aborto já tinha sido legalizado. A mulher quer e deve decidir sobre o seu corpo, mas o machismo enraizado cria limitações”, declarou outra integrante do grupo, Thamires Moreira, de apenas 21 anos.
Thamires analisa a questão do aborto sob à perspectiva de políticas públicas, enfatizando a diferença de classes sociais como um dos grandes problemas. “O aborto só está matando a mulher pobre, já que mulheres de todas as classes fazem, porém a diferença social faz com que a rica tenha acesso a uma boa clínica clandestina e a pobre não”, disse ela.
Finalmente, Thamires defende o que pode ser considerado a supremacia do Estado sobre a doutrina e ética cristãs, ao invocar o “livre arbítrio” e o afastamento da igreja da vida política para justificar o direito de poder abortar, como se tal liberdade concedida por Deus não implicasse em consequências físicas, morais (psicológicas) e espirituais, decorrentes dos erros humanos, e como se a instituição religiosa não fosse, também, uma parte legítima da sociedade capaz de lhe influenciar politicamente.
“Muitas pessoas podem achar que é uma contradição eu ser cristã e a favor da legalização do aborto, mas eu vejo por outro lado. Se na Bíblia está escrito que só Deus pode tirar e dar a vida às pessoas, lá também diz que temos livre arbítrio. Além disso, o Estado é laico, então a religião não deve interferir em decisões que são para todos”, disse ela.