A Igreja Episcopal tem, entre seus sacerdotes, alguns defensores do discurso progressista que questiona a natureza de Deus e o motivo pelo qual nos referimos a Ele com substantivos masculinos, como Pai, Rei e Senhor, dentre outros. O debate, oriundo do movimento feminista contemporâneo, quer mudar o Livro de Oração Comum da denominação, para referir-se a Deus como um gênero neutro.
O Livro de Oração Comum é um texto usado em toda congregação episcopal e valorizado como um elemento central da identidade da denominação. Agora, os líderes da igreja estão discutindo se o texto deve ser revisado para que o conceito de Deus seja livre de gênero.
“Enquanto ‘homens’ e ‘Deus’ estiverem na mesma categoria, nosso trabalho em direção à equidade não será apenas incompleto. Eu sinceramente acho que isso não importa em alguns aspectos”, disse a reverenda Wil Gafney, professora da Bíblia Hebraica na Brite Divinity School no Texas.
Gafney é integrante do comitê que debateu o assunto e recomendou uma mudança na linguagem de gênero no livro de orações da Igreja Episcopal, e revelou ao jornal The Washington Post que, quando prega, às vezes muda as palavras do Livro de Oração Comum, mesmo que os sacerdotes episcopais não sejam formalmente autorizados a fazê-lo.
As trocas, segundo a reverenda, acontecem em termos como “Rei”, que ela substitui por “Governante”, ou “Criador”, por exemplo. Em alguns momentos, sua ousadia vai além, e troca “Ele” por “Ela”. Em outros, mantém a tradição, como no caso do “Pai Nosso”, a oração ensinada por Jesus. “Não vou mexer com isso”, disse Gafney.
Sem admitir que o debate é motivado por uma demanda social atual, que coloca o homem no centro de tudo, a reverenda diz que a sugestão por mudança visa dar maior liberdade aos reverendos, que como ela, mudam o texto do Livro de Oração Comum e não querer fazê-lo burlando regras.
Para isso, Gafney e seus pares dizem que a Igreja Episcopal – descendente da Igreja Anglicana, mas separada da matriz britãnica – precisa adaptar sua teologia a um conceito de Deus maior que o gênero.
O Comitê divulgou uma resolução pedindo uma grande revisão do Livro de Oração Comum, que foi revisado pela última vez em 1979. Em resposta, a Igreja diz que uma revisão completa levaria anos, o que significa que nenhuma mudança significativa seria feita até 2030.
Mudar para linguagem neutra em termos de gênero é a razão mais comumente mencionada para fazer a mudança, mas muitas partes interessadas na igreja querem outras revisões. Há defensores para adicionar linguagem sobre o dever de um cristão de conservar a Terra; para adicionar uma cerimônia litúrgica para celebrar a adoção de um novo nome por um transgênero; por acrescentar cerimônias de casamento entre pessoas do mesmo sexo à liturgia, já que a igreja realiza esses casamentos há anos; e para atualizar o calendário de santos para incluir figuras importantes nomeadas como santos após 1979.
Uma resolução alternativa diz que a igreja não deveria atualizar o Livro de Oração Comum agora, e deveria passar os próximos três anos estudando intensamente o livro existente, que tem suas raízes no primeiro livro de oração anglicano, publicado sob o mesmo título em 1549.
É o que o bispo de Chicago Jeffrey Lee defende. O Livro de Oração Comum, segundo ele, “realmente constitui a igreja Episcopal de maneiras significativas”. “Nossa teologia é o que oramos”, acrescenta Lee, membro do comitê que considerará as duas resoluções e apresentará uma delas – ou uma proposta revisada alternativa – aos órgãos legislativos maiores da convenção.
Outras denominações protestantes, incluindo a Igreja Metodista Unida e a Igreja Evangélica Luterana na América, debateram de forma semelhante o uso da linguagem de género para Deus, assim como o movimento judaico reformista, que atualizou sua linguagem de Deus para termos neutros em termos de gênero ao substituir seu livro de orações de 1975 por uma nova edição em 2007.