Uma das discussões mais acaloradas na sociedade, no que diz respeito à relação entre fé e política, é sobre o significado de Estado laico. Foi com base nesse princípio, por exemplo, que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo acabou tomando uma decisão que envolve a leitura da Bíblia sagrada.
Isso, porque, desde 1993 consta no Regimento Interno da Câmara Municipal de Engenheiro Coelho a leitura da Bíblia na abertura das sessões, algo que já havia se tornado tradição entre os vereadores do município.
Contudo, para a Procuradoria-Geral de Justiça, a tradição municipal viola o princípio da laicidade estatal, segundo o órgão, “da qual deriva o dever subjetivo público de neutralidade governamental”.
Na prática, significa que ao manter a tradição de leitura bíblica no início das sessões na Câmara, o município dá preferência a um tipo de religião, o que contraria o conceito de Estado laico, o qual prevê a neutralidade governamental diante de escolhas religiosas.
Questão de isonomia
A desembargadora Marcia Dalla Déa Barone, relatora da ação no município, concordou com o pedido da Procuradoria-Geral de Justiça, argumentando que a leitura da Bíblia como parte do Regimento Interno da Câmara viola artigos fundamentais da Constituição Federal, ferindo a liberdade religiosa de quem professa outras religiões.
“A expressão ‘leitura da Bíblia Sagrada’ constante no aludido dispositivo contraria os princípios constitucionais da administração pública, notadamente os da isonomia e do interesse público dispostos no artigo 111 da Constituição Bandeirante, correspondente ao artigo 37, ‘caput’, da Constituição Federal”, disse ela, segundo a revista jurídica Conjur.
Na prática, não há qualquer problema em um vereador ler a Bíblia na Câmara Municipal, mesmo que na tribuna, pois isto se resume a uma iniciativa pessoal, algo perfeitamente amparado na liberdade religiosa prevista na Constituição. A inconstitucionalidade, neste caso, diz respeito à obrigatoriedade da leitura bíblica enquanto dispositivo regimental.
Assim, conclui a desembargadora: “A exigência de leitura da Bíblia dentro da Câmara Municipal equivale à imposição de determinada religião a todos, em desrespeito aos que não comungam da mesma crença, o que é incompatível com a neutralidade governamental imposta no artigo 19, inciso I da Constituição Federal”.