Em meio às especulações sobre quem poderá ser o evangélico indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) para uma das vagas de ministro do STF que se abrirão nos próximos anos, o nome de uma jurista que é pastora da Assembleia de Deus foi ventilado por um dos atuais integrantes da Corte.
Luís Roberto Barroso, considerado o mais progressista dos ministros que formam o Supremo Tribunal Federal (e também visto como um dos mais intransigentes no combate à corrupção), foi questionado se caso pudesse sugerir um evangélico, qual seria o nome que indicaria, e respondeu Ana Paula de Barcellos.
Ana Paula, 44 anos, é professora de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e já foi aluna de Barroso em 1994, quando ela cursava Direito na mesma UERJ. O relacionamento de ambos continuou quando ela se tornou estagiária e posteriormente sócia do escritório onde o próprio Barroso atuava antes de se tornar ministro do STF.
“A religiosidade da Ana jamais interferiu na nossa relação”, afirma Barroso. “Em algumas poucas causas, ela me pediu para não atuar, em razão de suas convicções. A defesa das uniões homoafetivas foi uma delas. Uma envolvendo o interesse de uma companhia de cigarros foi outra”, elogiou o ministro, revelando compromisso da jurista com sua fé.
A “indicada” de Barroso não é apenas evangélica, mas sim, pastora da Assembleia de Deus. Ela compartilhou em suas redes sociais, recentemente, de acordo com informações da FolhaPress, um cartaz de um Encontro de Casais da Igreja Resgate, em Massachusetts (EUA), no qual ela e o marido foram preletores.
A jornalista Anna Virginia Balloussier, que entrevistou Ana Paula, a descreveu como o oposto do que Barroso é: “Em quase uma hora de conversa com a professora de direito constitucional […], uma coisa fica clara: se o ministro está entre os mais progressistas na régua ideológica do Supremo, pode-se dizer o contrário daquela que considera Luís Roberto (só o chama assim, pelos primeiros nomes) como seu mentor”.
“Ana Paula tem uma trajetória respeitada entre constitucionalistas. Em abril, foi uma das palestrantes de um simpósio em Harvard que contou com estrelas do Judiciário brasileiro, como o próprio Barroso, além de seus colegas no STF Luiz Fux e Dias Toffoli. Escreveu livros elogiados na área”, acrescentou Balloussier.
Quando Barroso atuou como advogado na causa da descriminalização do aborto de anencéfalos, Ana Paula aceitou atuar na causa por entender que não iria contra seus princípios: é contrária ao aborto em todos os casos, exceto quando envolve risco à vida da mãe.
Diante do conflito interno, decidiu que atuaria no caso pois enxergou coerência: “Havia uma discussão importante: se é aborto ou antecipação terapêutica do parto de um feto considerado inviável. Na minha convicção, a segunda opção era OK. Era diferente de injetar ácido na mulher, o que seria aborto”.
”Toda cosmovisão vai perpassar a vida da pessoa como um todo. No dia a dia, não lido com categorias religiosas. Quando há um elemento subjetivo maior, claro que [a fé] influencia”, declarou a jurista, quando questionada se sua crença exerce algum tipo de orientação em sua atuação profissional. Mas, Ana Paula vai além e diz que o contrário também acontece: entende ser possível que o ateísmo de um ministro pode sugestionar sua visão sobre determinados assuntos.
Se Ana Paula será escolhida por Bolsonaro para ser indicada ao STF, só Deus e o próprio presidente sabem. Mas, enquanto isso, ela faz questão de deixar claro que sua “reserva ética”, formada a partir de sua religiosidade, é um alicerce em sua compreensão de vida, mundo e leis.
Na entrevista, a jurista e pastora afirmou que ora todos os dias, como se espera de uma “cristã praticante”. A rotina, segundo ela, só se inicia após uma “conversa com Deus”.
Sobre a intenção de Bolsonaro em indicar um ministro evangélico, Ana Paula de Barcellos entendeu como um sinal de que o presidente quer trazer mais equilíbrio à postura da Corte em relação aos muitos temas que lá são tratados.
Ela mesma enxerga o STF desequilibrado nas questões morais: “Não sei se progressista; Não usaria o termo”, afirmou, cautelosa, antes de exemplificar com a recente decisão de criminalizar a homofobia. Para ela, houve “certo consenso que não visualizo na sociedade”, diz.
“O papel do Supremo não é necessariamente refletir [o clamor social]”, pontua, destacando que o Direito Penal se divide sobre o tema. “Estava longe de ser consensual como o Supremo fez parecer”, reiterou, criticando a postura dos 11 ministros.
Para Ana Paula, pastora e jurista, Estado laico não pode ser confundido com Estado antirreligioso, como no caso da França, que proíbe alunas muçulmanas de usarem o véu islâmico em escolas.
Um exemplo de laicidade possível mesmo em Estados que mantém ligações oficiais com a Igreja é o caso da Inglaterra, que adota a denominação Anglicana como religião formal. Ainda assim, a laicidade é respeitada porque há liberdade para outros credos, como o islâmico, que cresce rapidamente na terra da rainha.
A laicidade adotada no Brasil, segundo Ana Paula, é equilibrada: um Estado que garante a autonomia religiosa sem necessariamente abandonar símbolos da doutrina majoritária de sua população, a cristã. Um desses símbolos é o preâmbulo da Constituição de 1988, que a oficializa “sob proteção de Deus”.