A “pastora mirim” Vitória de Deus é conhecida do público que vai à Avenida Paulista, em São Paulo, aos domingos, quando o endereço mais famoso da capital paulista vira um espaço de lazer, mas também tem fama nas redes sociais entre funkeiros e homossexuais.
A popularidade de Vitória de Deus a fez ter contato com artistas desse nicho como Anitta e Nego do Borel, além de ser seguida por uma multidão de homossexuais chamados de “poc”, um grupo de gays afeminados da periferia.
Em tempos de redes sociais, a pastora mirim virou alvo de uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo justamente por conta de seus 323 mil seguidores no Instagram e outros 26 mil no YouTube.
Nos cultos ao ar livre que Vitória de Deus realiza na Avenida Paulista, muitas pessoas recebem oração por cura e assistem a jovem celebridade cantar. “Mas tudo é para a honra e a glória do Senhor Jesus”, enfatiza a menina, que tem apenas 10 anos de idade.
A menina que prega e canta nasceu em Petrolina (PE) e é filha do funileiro e cantor Cícero Graciliano de Deus, 51 anos, pai de outras quatro crianças. Vitória de Deus fala pouco da mãe, que se separou do pai e continuou morando em Pernambuco. Mas a pastora mirim diz que um dia gostaria de ter a mãe por perto.
“Ela teve um problema sério nos pulmões assim que nasceu. Mas sobreviveu e desde os três aninhos ela canta e ora para as pessoas. Dom não depende de idade”, contou o pai.
Amor e verdade
Como alguém que se propõe a divulgar o Evangelho, a pastora mirim não foge da raia: “Eu amo as pocs, mas, na verdade, é um pecado. Cada um escolhe o que quer ser. Eu tenho muitos amigos LGBTs e não quero machucar nenhum deles”, disse Vitória.
Com sua postura firme de crítica à homossexualidade, a menina fez fama nas redes sociais com alguns dos jargões comuns no meio evangélico. “Deus não criou Adão e Ivo”, disse ela em um de seus vídeos, que viraram meme na comunidade LGBT. Em outro, manifestou apoio ao pastor Marco Feliciano (Pode-SP), um dos políticos mais detestados pela militância homossexual.
Um dia, fazendo uma transmissão ao vivo no Instagram, uma internauta pediu que Vitória de Deus mandasse um beijo para as pocs, e a resposta da pastora mirim foi surpreendente: mandou beijo e disse que oraria por todos eles, o que transformou o status da menina diante da comunidade LGBT.
“Ela virou ícone a partir disso. Não sabia o que era uma poc, mas foi superfofa. E mesmo quando soube o que nós éramos, ela continuou nos amando”, diz o bailarino Daniel Anjos, 24, em entrevista à Folha.
Unção com óleo
Enquanto canta e prega, com uma mão Vitória de Deus segura o microfone e na outra, unge com óleo aqueles que param para vê-la compartilhar sua fé. “Eu não estou aqui para cobrar dinheiro. Seja abençoado com o meu louvor”, diz a jovem pregadora, que costuma interagir ao longo de três horas.
O ator com passagens pela TV Globo Leonardo Miggiorin, 36 anos, foi um dos que pararam para assistir as pregações da jovem. “Acho uma força da natureza, uma graça, uma menina linda que fala com propriedade sobre uma coisa que ela acredita”, afirmou, revelando ser um seguidor da pastora mirim nas redes sociais.
Trans
A menina “quebrou a internet” quando aceitou um convite do funkeiro transexual Lady Chokey, 23 anos. O artista do chamado “funk proibidão” cantou a música gospel Sobrenatural, da dupla Elinton e Leocir.
Ao jornal, o funkeiro Lady Chokey disse que ele e a pastora mirim “causaram” com a parceria no clipe: “Sou uma trans nada convencional e tenho muitos lugares de fala. Peso 150 kg e cantar um louvor tão arrepiante como esse com a Vitória abalou os dois mundos: o sagrado e o profano”, disse.
Porém, o vídeo com quase 300 mil visualizações não agradou a todo mundo. Uma seguidora da pastora mirim comentou afirmando que a menina “estava zombando de Deus ao cantar com uma aberração”.
Vitória confirmou que já notou o aumento das críticas no meio evangélico após o dueto com Lady. “Sim, eu sofri preconceito, mas segui em frente”, resumiu.
Em meio a tudo, Lady Chokey considera que as críticas de evangélicos a Vitória não são o único resultado do vídeo: “Depois do clipe a rejeição dela no meio LGBT caiu muito”.
A “fama” levou Vitória e seu pai a definirem um “cachê” de R$ 500 para atender os convites das igrejas. Esses valores, assim como as doações nos cultos da Avenida Paulista – que rendem em média R$ 150 – têm mantido a família de seis pessoas, que vive em uma quitinete em Suzano, cidade da Região Metropolitana de São Paulo.
Outro efeito prático da “fama” é a dedicação aos cuidados de beleza. O cabeleireiro Mike David, 25 anos, que trabalha no famoso salão Jacques Janine, na Vila Olímpia, é quem tem se dedicado a cuidar do cabelo de Vitória, que deseja abandonar o visual “alisado” por um “black power”. “O melhor é que é uma poc cuidando de uma menina que tanto inspira”, comentou o cabeleireiro.
Rotina
Com todos esses fatores caminhando paralelamente, a rotina da família não é simples. Cícero faz o café da manhã para os filhos diariamente, conta histórias antes da hora de dormir e se desdobra para levá-los à escola. “Não quero minha filha bitolada na fé. Ela só canta aos finais de semana e precisa estudar”, contou.
A família tem um carro, um modelo Renault Scénic 2004, que foi comprado com os ganhos do primeiro CD de Vitória de Deus. É nele que o pai leva os filhos à escola pública em Suzano, num ambiente repleto de medidas de segurança para minimizar o vandalismo na região.
Entre os colegas, Vitória é reconhecida por alguns como “aquela menina dos vídeos”, mas a pastora mirim não deixa isso afetar sua rotina de aprendizado: “Estudo muito porque eu quero ser juíza, além de cantora. Achei lindo uma juíza jurando sua decisão colocando a mão sobre a Bíblia”, explicou.
Enquanto não vira juíza, Vitória tem a ajuda de Luiz Carlos Pereira, 51 anos, proprietário da gravadora LCP, que passou a gerenciar sua carreira: “Como o mercado gospel ainda é amador existe muita gente que acaba aproveitando a inocência dos artistas para só lucrar”, disse.
No entanto, Vitória garante que os primeiros passos de profissionalização não irão retirá-la das ruas, onde canta e prega, pois é lá que “uma missionária deve estar”.