Um dos assuntos em torno do cristianismo que não possui qualquer significância, mas ainda assim gera controvérsia é a aparência de Jesus. Às vésperas da celebração da Páscoa, uma pesquisadora divulgou uma imagem do que poderia ser um “retrato falado” do nazareno, a partir de informações coletadas durante anos de trabalho.
A Bíblia Sagrada não traz, no Novo Testamento, nenhuma descrição sobre a aparência física de Jesus, uma vez que provavelmente ele tenha sido um homem dentro dos padrões étnicos da região onde nasceu. Ao longo dos séculos, com o cristianismo se estabelecendo na Europa, muitas representações foram pintadas a partir da estética local: pele branca, cabelos lisos e longos, e quase sempre com barba.
No entanto, uma análise feita por especialistas levando em conta os costumes do povo hebreu de sua época, aponta que provavelmente Jesus mantinha os cabelos aparados.
“Nos evangelhos ele não é descrito fisicamente. Nem se era alto ou baixo, bem-apessoado ou forte. A única coisa que se diz é sua idade aproximada, cerca de 30 anos”, explica a historiadora neozelandesa Joan E. Taylor, que se dedicou ao assunto, segundo informações da BBC Brasil.
Recentemente, Joan lançou o livro What Did Jesus Look Like? (“Qual seria a aparência de Jesus?“, em tradução livre). Com uma carreira acadêmica bastante ampla, a professora do Departamento de Teologia e Estudos Religiosos do King’s College, de Londres, usou os registros históricos da época para tentar criar um “retrato falado”.
Com ajuda de um designer gráfico, Joan chegou ao resultado da foto abaixo, mas fez uma ponderação sobre a motivação para que as representações pintadas ao longo dos séculos serem tão distantes do estereótipo do povo que habita o Oriente Médio: talvez os artistas tenham sempre tentado retratá-lo como o Filho de Deus, e não como um humano.
“Esse é um assunto que sempre me fascinou. Eu queria ver Jesus claramente”, comentou Joan, acrescentando que tudo indica um homem de estatura baixa, com pouca barba e cabelo curto.
Projeções
Em 2001, a emissora britânica BBC produziu uma reportagem especial com reconstruções faciais feitas por um especialista a partir de crânios de antigos habitantes da região onde Jesus viveu. Usando modelagem 3D, Richard Neave e sua equipe propuseram a aparência do rosto de um judeu típico do primeiro século, como forma de chegar a um resultado provável.
As pesquisas com esqueletos apontaram que os judeus de dois mil anos atrás tinham, em média, 1,60 m de altura e pouco mais de 50 quilos, o que corresponde a um padrão “baixo” e “magro” para os tempos atuais.
Joan E. Taylor chegou a conclusões semelhantes em sua pesquisa: “Os judeus da época eram biologicamente semelhantes aos judeus iraquianos de hoje em dia. Assim, acredito que ele tinha cabelos de castanho-escuros a pretos, olhos castanhos, pele morena. Um homem típico do Oriente Médio”, explicou.
A afirmação sobre a cor da pele leva em consideração o bioma da região, segundo o designer Cícero Moraes: “Certamente ele era moreno, considerando a cor de pessoas daquela região e, principalmente, analisando a fisionomia de homens do deserto, gente que vive sob o sol intenso”.
Especialista em reconstituição facial forense, Moraes já fez reconstituição facial de onze santos católicos, e também trabalhou na recriação de uma provável imagem de Jesus Cristo a partir de dados históricos e arqueológicos.
As conclusões tiradas pela pesquisadora não são absurdas, segundo o teólogo Pedro Lima Vasconcellos, professor da Universidade Federal de Alagoas: “O melhor caminho para imaginar a face de Jesus seria olhar para algum beduíno daquelas terras desérticas, andarilho nômade daquelas terras castigadas pelo sol inclemente”, corroborou.
Ainda do ponto de vista teológico, um motivo que depõe contra a imaginação de um Jesus com cabelos longos está na afirmação do apóstolo Paulo na Epístola aos Coríntios (11:14), quando diz que a sociedade da época considera que “é uma desonra para o homem ter cabelo comprido”.
“Para o mundo romano, a aparência aceitável para um homem eram barbas feitas e cabelos curtos. Um filósofo da antiguidade provavelmente tinha cabelo curto e, talvez, deixasse a barba por fazer”, comentou Taylor, reforçando suas conclusões com informações históricas sobre a época.
As primeiras imagens representativas da aparência de Jesus de que se tem notícia datam do século 3, e apontam para uma conclusão parecida com a de Joan Taylor: “Era muito mais a representação de um jovem filósofo, um professor, do que um deus barbudo”, assegura o historiador André Leonardo Chevitarese, professor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).