Ativistas raciais que atuam no meio evangélico vêm contando com espaço na grande mídia, assim como em veículos alternativos, para disseminar conceitos da chamada “teologia negra”, uma corrente de interpretação que amolda a mensagem bíblica aos princípios ideológicos do grupo.
A maior parte dos defensores dessa leitura da Bíblia integram grupos políticos de esquerda e não escondem que a mensagem que pregam vem carregada de valores ideológicos que, muitas vezes, são priorizados em detrimento da compreensão ortodoxa da teologia consagrada ao longo de séculos no meio cristão.
Uma das ativistas raciais que pregam a “teologia negra” é a pastora Eliad Santos, que atua na Igreja Metodista na Luz em São Paulo (SP) e coordena o Projeto Casa na Luz, dedicado a mulheres e crianças em situação de refúgio e migração. Ela concedeu entrevista recentemente que tem “uma certa resistência em usar só a Bíblia” em seus sermões.
“Precisamos resgatar outras histórias”, justifica Eliad, de acordo com informações do portal Brasil de Fato. Desde a juventude, diz ela, sua vida se resume à militância: “Não era pobre de tudo, tive uma infância classe média até minha mãe se separar do meu pai. Aí decidi que só tinha um caminho, lutar, militar no PT, acompanhar o movimento feminista, depois os das mulheres negras e sobreviver”.
Em sua percepção, a “teologia negra” é uma expressão de reação a um cenário que, segundo ela, seria formado de preconceito contra negros dentro do segmento evangélico brasileiro: “Teologia negra é a forma que a comunidade negra encontrou para sobreviver na igreja cristã; para mim hoje é isso. Foi preciso enegrecer Deus, acreditar que o libertador parece conosco para que continuemos cristãos, com esperança de dias melhores, de uma outra vida sem dor, sem indiferença, de um Deus que nos ama e cuida de nós”.
“O problema é que a branquitude não quer enxergar as diferenças, pois terá que rever seus privilégios, as diferenças e sair da zona de conforto sem confronto é difícil. Quando olharmos com outros olhos para outros corpos não brancos, tudo ficará mais fácil, quer dizer, fará outro sentido”, acrescentou a pastora metodista, ecoando o conceito de “luta de classes” presente no marxismo.
“O sobrenatural nos impede muitas vezes de agir, esperamos o milagre que não virá, a não ser que a gente se mate de trabalhar e enfrentar. É preciso dar cor, força para as figuras bíblicas e poucas pessoas conseguem dar este passo, acabam ficando no mesmo… A periferia sabe que Deus do milagre, daquele que provê, é o Deus dos brancos. Por isso, quando se converte, quer esquecer o passado pobre, desgraçado e quer ser branco, ter carro, casa na praia, etc. Periferia não precisa de Bíblia, precisa de educação, de Eduardo Galeano, filosofia africana, contos indígenas”, sublinhou a sacerdotisa metodista.
Alvos são os seminários
Outro ativista racial que vem conquistando espaço no espectro da esquerda é Jackson Augusto, que possui 12 mil seguidores no Instagram e integra o Movimento Negro Evangélico (MNE).
Ele já se envolveu com polêmica com o movimento The Send, acusando a liderança do grupo pentecostal de mobilizar jovens contra a esquerda e “catequizar a América Latina”.
Em entrevista ao portal Correio 24 Horas, Augusto repetiu o discurso da pastora Eliad Santos, afirmando que há racismo entre evangélicos contra negros que professam a mesma fé: “O problema do racismo religioso está dentro de uma teologia branca e das lideranças. A maioria dos negros não são líderes. Os negros não escrevem a teologia que é vista no país. E se a gente tem uma teologia que é calada em relação ao racismo religioso, e se a gente tem uma igreja omissa em relação ao racismo que critica o que fazem no terreiro, muito tem a ver com a teologia branca dessas lideranças”.
A percepção de Jackson Augusto é que há forte resistência ao tipo de debate que ele tenta promover: “Algumas igrejas, principalmente as pentecostais, são muito fechadas pra esse tipo de conversa. Por isso, tentamos chegar de maneira relacional, através das pessoas, da comunidade até conseguirmos ir nas igrejas falar sobre igualdade racial, sobre justiça ou então ter conversas com o pastor ou a liderança daquela igreja”.
A mesma estratégia usada por outros militantes de esquerda em ambientes seculares, como universidades, mídia e setores do funcionalismo público foi escolhida pelos defensores da “teologia negra” para promover essa interpretação bíblica a serviço da ideologia, sempre sob o manto do combate ao racismo em um país miscigenado e num segmento formado essencialmente por pessoas de classes econômicas mais baixas, como o evangélico.
“Existe um desafio que é enorme. Não é só chegar nessas pessoas para concretizar o nosso objetivo. A gente entende que é necessário existir um acesso aos seminários teológicos. Afinal, é dentro do seminário que os pastores são formados, é lá que se forma essa teologia. Então, o nosso desafio é inserir a teologia negra dentro desse processo de formação”, admitiu Jackson Augusto.