Um grupo de evangélicos ativistas raciais publicou um manifesto de defesa de causas sociais a partir da perspectiva da teologia negra e de bandeiras de combate ao racismo. No entanto, o documento parte de um pressuposto de divisão, assinado por “negras e negros evangélicos brasileiros”.
Assinam o documento os ativistas Jackson Augusto, Luciana Petersen, Wesley Teixeira e Ronilso Pacheco, este último teólogo, pastor e escritor. O manifesto aborda o contexto dos assassinatos de George Floyd e do menino João Pedro, duas pessoas que perderam a vida em ações policiais, nos EUA e Brasil, respectivamente.
“Nós, negras e negros evangélicos brasileiros, nos manifestamos para clamar a urgência de a igreja se posicionar a denunciar o racismo como pecado, e pecado estrutural”, diz a introdução do manifesto, publicado no jornal Folha de S. Paulo.
Em perspectiva oposta à do pastor e produtor musical Wesley Ros, os ativistas dizem que “as oportunidades são negadas, as portas de empregos cada vez mais são fechadas, o acesso à educação e ao sonho da universidade ainda não é para todos”.
O manifesto também aponta um problema social que atinge as diferentes etnias no Brasil, mas menciona apenas os negros que sofrem com a pobreza e, em muitos casos, miséria: “Na maioria das vezes, nos falta o básico, nos faltam casa, alimento e água”.
“Quantos irmãos e irmãs estão morrendo nas filas dos hospitais e tantos outros nem conseguiram ter atendimento quando foram buscar a cura? É hora de reconhecer que muitas destas tragédias não são respondidas e explicadas pela ‘desigualdade’ pura e simplesmente. Elas revelam o racismo da sociedade e o legado do descaso com vidas negras desde a era colonial do Brasil”, acrescentam os ativistas.
Confira a íntegra do manifesto:
“Ai dos que promulgam leis iníquas, os que elaboram escritos de opressão, para suprimir os direitos dos fracos, e privar de justiça os pobres do meu povo.” Isaías 10:1-2.
Nós, negras e negros evangélicos brasileiros, nos manifestamos para clamar a urgência de a igreja se posicionar a denunciar o racismo como pecado, e pecado estrutural.
Quantas irmãs de nossas igrejas já perderam os filhos assassinados? Quantos jovens de nossas igrejas já foram mortos? Quantas irmãs oram por seus filhos presos? Queremos vida, mas as oportunidades são negadas, as portas de empregos cada vez mais são fechadas, o acesso à educação e ao sonho da universidade ainda não é para todos. Na maioria das vezes, nos falta o básico, nos faltam casa, alimento e água.
Quantos irmãos e irmãs estão morrendo nas filas dos hospitais e tantos outros nem conseguiram ter atendimento quando foram buscar a cura? É hora de reconhecer que muitas destas tragédias não são respondidas e explicadas pela “desigualdade” pura e simplesmente. Elas revelam o racismo da sociedade e o legado do descaso com vidas negras desde a era colonial do Brasil.
João Pedro e George Floyd eram negros e evangélicos. Aqui e nos Estados Unidos, estes irmãos foram vítimas de um sistema racista legislado por um Estado impregnado pelo racismo estrutural que sufoca, fuzila, desumaniza e silencia negros e negras. O caso de Miguel Otávio, menino negro de cinco anos —de família evangélica— que caiu do nono andar de um prédio em Recife, também denuncia as condições de trabalho do povo negro nesse sistema que violenta diretamente as famílias negras brasileiras. Em especial as mulheres negras, que desde a escravidão são submetidas a posições de servidão, negação de direitos e da própria humanidade.
Diante de estruturas de morte como estas, é necessária uma igreja que se levante e denuncie. Precisamos de uma igreja antirracista, que persegue, constrói e promove a justiça para todas e todos, e que olha em especial para os órfãos e viúvas de nossa época.
Infelizmente, parte dos líderes evangélicos de grandes igrejas —que possuem todo tipo de mídia nas mãos— estão comprometidos com o interesse dos poderosos e só pensam em armas e em tramar nossas mortes. Eles colocam o dinheiro e o poder acima da vida. Uma outra parte das lideranças decidiu ficar em silêncio, e isso também é escolher o lado do opressor.
Precisamos de uma igreja antirracista, que persegue, que constrói e que promove a justiça. Sabemos que todos os que odeiam e se levantam contra as obras de justiça que trazem vida ao povo negro amam a morte, amam o sistema racista e tudo que nele existe. No entanto, acreditamos no que o nosso irmão Martin Luther King Jr. afirma: “A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”.
Na crença e no clamor, convocamos irmãs e irmãos em oração para agir. O racismo é um projeto do inimigo, um projeto de morte, assim como a política de Herodes, que exterminava crianças, que colonizava territórios e que usava da religião para controlar os povos. Por isso, cabe a nós lutar pela libertação do nosso povo enquanto não houver igualdade, levantar nossa voz profética e denunciar o racismo. Pois sem justiça e sem vida plena e abundante para a favela, não é possível falar de paz.
Jackson Augusto é um jovem batista que integra a Coordenação Nacional do Movimento Negro Evangélico do Brasil. É membro do Colegiado Nacional do Miqueias Brasil, articulador social no Usina de Valores, produtor de conteúdo no projeto Afrocrente e ativista da teologia negra no Brasil.
Luciana Petersen é uma jovem batista estudante de jornalismo, feminista negra, editora e podcaster no Projeto Redomas.
Wesley Teixeira é um jovem negro membro da Igreja Evangélica Projeto Além do Nosso Olhar, militante da Frente de Evangélicos Pelo Estado Democrático de Direitos e do Coletivo Esperançar. Filiado ao MNU (Movimento Negro Unificado), que compõe a Coalizão Negra por Direitos.
Ronilso Pacheco é teólogo pela PUC-Rio, negro e nascido em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. É ativista, escritor e mestrando em teologia no Union Theological Seminary (Columbia University), em Nova York.