“Eu estava praticamente me prostituindo, cheguei a levar drogas na mochila. Hoje, sou um novo homem. O candomblé é tudo na minha vida”. Nas memórias do jovem Carlos (nome fictício), de 20 anos, a adolescência é sinônimo de farras, promiscuidade e proximidade com o crime. Foi na religião que o rapaz conta ter encontrado equilíbrio. A escolha teve preço alto: a convivência com a família. Ao se iniciar, Carlos deixou o Complexo da Penha.
– Na Vila Cruzeiro, é uma gargalhada de pombagira e um tiro na cabeça. Roupas de santo, guias, tudo tem que ser muito escondido. Não posso morar lá – declara o jovem.
Os símbolos sagrados das religiões também são alvos da violência. Em junho, a depredação do centro umbandista Cruz de Oxalá, no Catete, causou comoção popular.
Quatro meses depois, a violência voltaria a se repetir. Dessa vez, a vítima foi Nádia Maria Correa Cursino, de 53 anos, a Mãe Nádia de Oyá.
Após 30 anos de vida religiosa, ela sentiu que estava na hora de abrir sua casa-de-santo. Alugou imóvel em Interlândia, Belford Roxo. O sonho durou apenas dois meses. Ao retornar de uma viagem, em outubro, foi até o terreiro. O cadeado havia sido trocado. Nádia só conseguiu entrar com a polícia. O cenário era desolador.
– Não sei dizer o que senti. Quebraram todos os meus santos, só ficaram meu Xangô, para que eu lutasse por Justiça, e a Iansã. Eram santos que estavam comigo a vida inteira. Tinha jóias de ouro em alguns assentamentos (esculturas e objetos sagrados reunidos em louvor aos orixás durante toda a vida religiosa). Nada foi devolvido. Eu chorei muito, muito – diz Nádia, que registrou o caso na 54 DP (Belford Roxo) e tem a primeira audiência marcada para março no Juizado Especial Criminal. Os agressores eram da família do proprietário.
– Não teria coragem de jogar uma Bíblia no lixo porque é sagrada para alguém. Onde nós vamos parar com essas agressões? – encerra.
Terreiros terão centro digital
De vítima da intolerância a palestrante no colégio. Ontem, o estudante Felipe Gonçalves Pereira, de 13 anos, foi recebido pelo secretário de Ciência e Tecnologia, Alexandre Cardoso. A melhor notícia dada pelo secretário ao menino será a realização de um seminário na Faetec para alunos e professores abordando assuntos como fé, cultura e tolerância religiosa.
– Será muito importante para que as pessoas aprendam e entendam a minha religião. Estou muito feliz e agora quero voltar à escola – diz Felipe, que cumpre os três meses de preceito do candomblé e foi discriminado ao mostrar um fio de conta escondido sob seu uniforme escolar.
Alexandre Cardoso também anunciou que serão instalados centros digitais em dez casas de santo. O objetivo é que os terreiros se tornem polos de produção de pesquisa sobre as religiões de matriz africana no Rio. O projeto foi discutido com o pedagogo Ivanir dos Santos, membro da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa. Para o secretário, a história de Felipe se tornou um símbolo da luta contra a discriminação.
– Todos devemos desculpas a Felipe. Mas ele será um exemplo da posição do governo contra a discriminação – encerra o secretário.
Pai-de-santo é expulso
Eram 19h30m do dia 7 de maio de 2002. Dona Anita, de 75 anos, lembra que passava a novela na televisão. Dois homens armados – um deles com uma metralhadora – invadem o terreiro dirigido por seu filho, em Campo Grande. Encostam arma no rosto do pai-de-santo. A família pede pelo amor de Deus pela vida do religioso. Toca o telefone celular do agressor. O grupo interrompe a ação, vai embora e dá ultimato: a família deve se mudar em 24 horas.
Novo rumo
A família vive até hoje em uma cidade do interior do país. Nunca mais voltou ao terreiro desde aquela noite. E nem ao Rio.
– É um dia muito triste, a gente quer esquecer. O carro estava do lado de fora para levar o corpo do meu filho – conta Dona Anita. O motivo das ameaças e da invasão ao terreiro nunca foi esclarecido. Mas a briga do pai-de-santo com líderes de outras religiões na área – a resistência ao candomblé começava a se tornar forte em áreas da Zona Oeste – é vista como provável causa da intimidação.
– Foi um desespero, nem podemos pegar nossas coisas. Foram amigos que voltaram para recolher tudo – lamenta Dona Anita.
Fonte: Jornal Extra / Gospel+