O Supremo Tribunal Federal aprovou por 8 votos a favor e 2 contra, o aborto em casos de fetos anencéfalos, ou seja, bebês gerados sem cérebro. Os ministros que votaram a favor foram o relator do processo, Marco Aurélio Mello, Ayres Britto, Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Celso de Mello.
O termo “aborto” quase não foi usado durante o julgamento. A expressão foi substituída por “antecipação terapêutica do parto” gerando diversas críticas pelos adeptos da causa “pró-vida”, que é contra o aborto. Os ministros que votaram contra foram Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso. Já o ministro Dias Toffoli se disse impedido de votar por ter sido anteriormente, como advogado-geral da União, um dos participantes do processo e já ter dito em público que é a favor da legalização do aborto de fetos sem cérebro.
O ministro Ricardo Lewandowski, que votou contra a proposta, afirmou: “Não é dado aos integrantes do Poder Judiciário promover inovações no ordenamento normativo como se fossem parlamentares eleitos”. O ministro também lembrou que os fetos anencéfalos sentem dor e reagem a estímulos externos, e afirmou que a lei sobre aborto é clara e sem margem para interpretações, por tanto a interrupção da gravidez neste caso seria crime. Ao fim de seu discurso, Lewandowski ainda disse que a legalização do aborto de fetos sem cérebro faria o Brasil voltar a idade média, quando “crianças fracas” aos olhos da sociedades eram sacrificadas.
A ministra Cármen Lúcia, que votou a favor da causa, afirmou que “exatamente fundado na dignidade da vida neste caso acho que esta interrupção não é criminalizável”. Já Luiz Fux entende que “impedir a interrupção da gravidez sob ameaça penal equivale à tortura. A ameaça penal não tem a menor eficácia. Há dados aterrorizantes sobre a morte de mulheres que fazem o aborto de modo incipiente e depois têm de fazer a via crucis em hospitais públicos”.
Sobre a criminalização do aborto de anencéfalos, a ministra Rosa Weber afirmou que a “interpretação extensiva é que viola direito fundamental da gestante, já que não há direito fundamental à vida em jogo”, enquanto que o relator da ação, ministro Aurélio Melo, disse que “não cabe impor às mulheres o sentimento de mera incubadora, ou melhor, caixões ambulantes”.
Sobre a ação e o julgamento de aborto por anencefalia
A decisão dos ministros uniformiza as decisões que os demais juízes deverão tomar em casos semelhantes. Como não há legislação específica para casos de fetos anencéfalos, os ministros julgaram a ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, movida em 2004 e mantida em discussão até hoje. O Código Penal classifica todo tipo de aborto como crime, porém, prevê a retirada do feto em casos de estupro ou risco de morte da mãe, em casos de gestações delicadas.
A ação da CNTS foi motivada por anos de decisões diferentes dos juízes a respeito dos casos de anencefalia. Em alguns casos, os juízes concediam o direito de interromper a gravidez e em outros, negavam. Haviam também casos em que a ação perdia o objeto da razão devido a lentidão do judiciário, e quando a causa chegava às mãos do juiz, o parto já havia ocorrido.
A decisão tomada hoje pelo STF uniformiza o entendimento do judiciário sobre a questão, porém não resolve o problema, pois a cada novo caso de uma gestação com feto anencéfalo, os interessados deverão mover uma ação para ter o direito à interrupção da gestação.
Legislação sobre aborto
Para que o aborto nesses casos seja descriminalizado, e ocorra sem a necessidade de uma ação judicial, é preciso que o Congresso Nacional aprove uma lei, regulamentando a prática. Existem dois projetos sobre o tema aguardando para serem votados. Segundo o deputado federal Anthony Garotinho, “os projetos estão parados não é porque são polêmicos, é porque a tramitação na Casa é cheia de obstáculos”.
Ele se posiciona contra a possibilidade do aborto nesses casos, mas afirma que não se pronuncia em nome de toda a bancada evangélica: “Não posso falar pela bancada, mas os anencéfalos, na minha opinião, se for permitido interromper a gravidez, vai abrir um leque de outras opções. Amanhã vai ser possível identificar uma criança com Síndrome de Down e outras deficiências. E essas crianças? Serão abortadas também?”, questiona o deputado.
Durante o julgamento, o advogado da CNTS afirmou que “a interrupção nesses casos não é aborto. Então, não se enquadra na definição de aborto do Código Penal. O feto anencefálico não terá vida extrauterina. No feto anencefálico, o cérebro sequer começa a funcionar. Então não há vida em sentido técnico e jurídico. De aborto não se trata”, disse Luis Roberto Barroso, de acordo com informações do G1.
Cristãos protestam e fazem campanha contra a legalização
O teólogo José Barbosa Junior se posiciona favorável ao direito de interromper a gravidez nos casos de má formação do cérebro. Num artigo escrito em 2004, Junior afirma que o fanatismo religioso acaba sendo o motivador de injustiças: “Até quando seremos reféns dos homens-deuses que se julgam no direito de mandarem nas vidas alheias? Até quando o fanatismo religioso continuará a comandar atrocidades em nome daquele que certamente condenaria tudo isso? Até quando nos veremos presos à vontade imperiosa de organizações que deveriam se importar com outras coisas?”.
Entre as lideranças cristãs, o pastor Silas Malafaia e o pastor e deputado Marco Feliciano lideraram uma campanha pela reprovação do aborto, pedindo que fiéis e internautas enviassem e-mails aos ministros, pedindo que eles votassem contra a aprovação.
Silas Malafaia afirmou que “esta é a moderna depuração dos nossos tempos. Aborto de anencéfalos, daqui a pouco aborto para quem tem Síndrome de Down, depois qualquer bebê na barriga da mãe que tenha qualquer deficiência. A vida é um dom de Deus, está na sua autoridade dá-la e tomá-la”, numa referência ao nazismo.
O pastor Marco Feliciano relatou no Twitter, um drama pessoal que viveu, com um filho que nasceu com problemas, não especificados pelo pastor, e criticou a postura de não proteger a vida humana: “Nosso país tem leis que protegem tartaruga, araras, animais em geral, mas bebês com problemas de formação devem ser eliminados! Vergonha… Sepultei um filho, nasceu com problemas, ter estado com ele alguns minutos foi melhor do que nunca ter estado com ele. Eu e minha esposa sobrevivemos”.
A psicóloga Marisa Lobo também se manifestou no Twitter, afirmando que a questão do aborto não deve ser transformada em debate religioso: “Não vamos cair na jogada dos que querem transformar a questão do aborto de anencéfalos numa batalha religiosa!”.
Fonte: Gospel+