O escritor William P. Young, autor de “A Cabana”, está lançando um novo livro, com a mesma linha de proposta, intitulado “A Travessia”.
Young, que é filho de missionários e afirma se preocupar em agradar apenas sua esposa e filhos com seus livros, disse em entrevista à revista Época que as reflexões de seus livros expressam olhares sobre diversos assuntos, que a “religião organizada” não consegue oferecer.
– Os avanços da sociedade não atendem todas as nossas necessidades. A tecnologia só aumenta nossa angústia espiritual – frisa o escritor.
Na entrevista, William P. Young deixa claro que, em seu ponto de vista, “ninguém mais aguenta aquela imagem ocidental de um Deus infinitamente distante, intocável, desconhecido e impassível, que assiste a nossas vidas com um olhar reprovador”, e por isso, através de metáforas, tenta compartilhar reflexões a respeito dos reais objetivos de Deus para com a humanidade.
No novo livro, “A Travessia”, Young conta a história de um executivo milionário que encontra Jesus e o Espírito Santo após entrar em coma devido a um derrame: “É uma continuação de certa forma, porque é um livro sobre Deus, sobre a transformação do coração humano pela fé e sobre relacionamentos, mas com uma história totalmente diferente”.
Confira abaixo, a íntegra da entrevista de William P. Young à revista Época:
Seu livro é uma obra de ficção, mas concorrerá com títulos que relatam experiências sobrenaturais. O que acha dessa disputa?
Acho que todos nós já tivemos alguma experiência sobrenatural. Muitas vezes o sobrenatural está oculto no dia a dia. Um pôr do sol, um arco-íris ou o choro de um recém-nascido podem ser experiências sobrenaturais. Já tive vários sonhos em que sei que conversei com Deus. Tenho certeza disso. Deus também fala comigo por meio da minha família, dos meus amigos ou até mesmo de inimigos. Não há motivo para separar as experiências sobrenaturais dos pequenos encontros com Deus que ocorrem em nossa vida cotidiana. Deus está presente em todos os momentos. Acreditar no sobrenatural é fácil demais. O mais difícil é encontrar a espiritualidade na vida real. É preciso trabalhar duro para isso.
A travessia pode ser lido como continuação de A Cabana?
Não exatamente. É uma continuação de certa forma, porque é um livro sobre Deus, sobre a transformação do coração humano pela fé e sobre relacionamentos, mas com uma história totalmente diferente. É escrito naquele mesmo gênero que ninguém conseguiu explicar, incluindo eu.
Como o senhor descreveria esse estilo?
Espiritualidade realista, talvez (risos)? Tudo o que escrevo é centrado na mesma pergunta: o que aconteceria se, em meio a nossa vida cotidiana, deparássemos com as ações de um Deus que trabalha a nosso favor, que nos ama e quer que sejamos pessoas melhores? Quando decidi lançar A Cabana, 26 editoras recusaram o livro. O motivo que elas davam era sempre este: o livro não era parecido com nada que havia sido lançado até então, e era um risco apostar em algo tão incomum.
Por que a espiritualidade vende tanto?
Os avanços da sociedade não atendem todas as nossas necessidades. A tecnologia só aumenta nossa angústia espiritual. Mesmo quando estamos conectados 24 horas por dia, temos muito tempo para pensar na vida e notamos que há espaços vazios em aspectos importantes dela. Queremos que a vida seja mais que isso. Não sou inteligente o suficiente para dizer que entendo as angústias da sociedade como um todo, mas o sucesso da espiritualidade mostra que há muitas pessoas fazendo as mesmas perguntas. O que meus livros fazem é colocar Deus no dia a dia, com uma linguagem amigável. Isso é algo que a religião organizada dificilmente faz. Com a linguagem de meus livros, os leitores podem falar de espiritualidade com seus amigos, com sua família.
É uma missão bastante ambiciosa…
Não diria que é uma missão. Nada disso foi proposital (risos). A primeira versão de A cabana foi escrita como um presente de Natal para meus filhos. Tenho seis filhos: o mais velho tem 32; o mais novo, 19. Juntando família e amigos, pensava em atingir 15 pessoas no máximo. Meus pais foram missionários, fui criado numa tribo indígena. Tive uma vida espiritual muito intensa. Sempre pensei muito sobre Deus e queria reunir num lugar todos os meus pensamentos sobre o assunto. Foi por isso que escrevi A Cabana. A semana que o personagem principal passa na cabana corresponde a 11 anos da minha vida em busca de respostas. É minha história espiritual em forma de ficção. A travessia é o primeiro livro que escrevo com o propósito de ser lido. Gosto de contar as histórias que meu coração manda contar, e elas encontram lugar no coração do leitor sem pedir permissão. Quanto mais leitores quiserem compartilhar essa história comigo, mais satisfeito ficarei. Não vejo isso como uma meta. Se só minha mulher e meus filhos gostarem do livro, tudo bem. Eles gostaram, aliás.
A história de A travessia é tão pessoal quanto a de A Cabana?
Tenho um pouco em comum com o personagem principal. Ele é um homem ambicioso, egoísta, com um coração fechado… Todos nós somos assim quando pisamos demais no acelerador e entramos numa rotina sem reflexão. Quis criar um personagem detestável, porque sei que eu mesmo não era um personagem muito agradável quando tinha meus 30 anos. Minha transformação é parecida com a dele. A travessia é um livro mais humano do que autobiográfico. A história é sobre como atravessamos momentos de cegueira. Atravessamos a vida sem pensar, mas momentos traumáticos como doenças e grandes perdas nos fazem parar e pensar em como nossas escolhas afetam quem está a nosso redor. A vida é um convite diário para mudarmos para melhor, mesmo nos menores gestos. Ao contrário do meu personagem, já cheguei aos 57 anos. É tempo o bastante para perceber que cada detalhe da vida é sagrado. É possível ouvir o Espírito Santo no rock. Ou na bossa nova!
Se o senhor lesse o livro aos 30 anos, quando era parecido com o personagem principal, como reagiria?
Nunca pensei nisso. Das duas, uma: ou acharia ridículo, pois tinha uma formação religiosa muito rigorosa e não daria bola para esse tipo de espiritualidade, ou daria uma chance ao livro e economizaria uns bons 30 anos de reflexão (risos). Acho que não me sentiria à vontade lendo um livro que mostrasse Deus como uma mulher negra. Fui criado para acreditar num Deus rigoroso, severo, e isso fez com que eu fosse uma pessoa severa por muito tempo. Não percebia que nossa visão de Deus é formada por meio de relacionamentos, e que eles podem nos curar. Essa é a mensagem central de A cabana, e ninguém dizia isso naquela época. Foi duro aprender sozinho.
Por que A Cabana enfrentou resistência de religiosos?
Tem a ver com a maneira livre como A Cabana representa Deus. Se eu lesse um livro como esse na minha juventude, também ficaria chocado. O uso de imagens e metáforas para falar de religião não deveria chocar. A Bíblia é cheia de metáforas. No Novo Testamento, Deus aparece como uma mulher que perdeu uma moeda. Há representações de Deus como uma águia, como uma rocha. As imagens não definem Deus. Elas servem apenas para nos ajudar a entender sua natureza. Sabemos que Deus não é um homem ou uma mulher, mas podemos abrir um pouco a cabeça. Ninguém mais aguenta aquela imagem ocidental de um Deus infinitamente distante, intocável, desconhecido e impassível, que assiste a nossas vidas com um olhar reprovador. Não é nisso que acredito.
O que o senhor diria a quem não leu seus livros, mas os critica?
Não sei se eles ouviriam o que tenho a dizer. Eu os convidaria a arriscar a ler uma página ou outra, quando estiverem prontos. A leitura pode ser crítica, não importa. O importante é que a leitura desperte um sentimento em alguém. As pessoas que criticam A cabana sem nem sequer ter lido só ouviram falar do livro, mas já o detestam. Imagino que não lerão A Travessia e o detestarão também. Se realmente lessem, meus livros bagunçariam seus paradigmas religiosos e talvez causassem indignação. Gosto desse tipo de debate. A polêmica é um convite ao crescimento espiritual. Minhas crenças de hoje são muito diferentes das que eu tinha há dez anos. E há dez anos achava que estava certo sobre tudo.
Seu estilo lembra o de Paulo Coelho. O senhor conhece a obra dele?
Conheço, é claro. É uma grande honra ser comparado a ele. Mas ele lida com a espiritualidade de forma muito mais geral, cheia de misticismo. Tenho uma formação cristã muito tradicional, e isso transparece nos meus livros. Escrevo sobre Jesus, sobre o Espírito Santo. Gosto muito da obra de Paulo Coelho. Os brasileiros adoram livros como os meus graças a ele. São leitores que abraçaram a espiritualidade com muita força. A cabana foi lançado em 41 idiomas e vendeu bem em quase todos os países onde saiu, mas os leitores brasileiros sem dúvida são os mais apaixonados. E é recíproco. Fui ao Brasil duas vezes. É um país especial para mim. Sabia que já assisti a um show de Cauby Peixoto?
Como foi essa experiência?
Estive no Brasil em 2009 com alguns amigos e, antes de meus compromissos, tive um dia livre em São Paulo. Disse a meus amigos que queria ouvir música brasileira, e me ofereceram duas opções: um show instrumental de bossa nova por US$ 4 ou o “Frank Sinatra brasileiro” por US$ 20. Escolhi o Sinatra por US$ 20, claro (risos). Não tinha ideia de quem era o sujeito. De repente, aparece aquele senhor de peruca, que precisa de ajuda para subir ao palco. E, daquela boca, saíram alguns dos sons mais belos que já ouvi. Foi uma noite incrível. Depois fiquei sabendo que alguns amigos brasileiros tentam assistir àquele show há anos e nunca tinham conseguido. Deus tem um excelente senso de humor!
Por Tiago Chagas, para o Gospel+