A ideia de que o ‘Homo sapiens’ descende de outros primatas e esses de outros animais e esses por sua vez de formas de vida mais incipientes, até ao início da vida algures há muitos mil milhões de anos, ninguém sabe como nem porquê é recusada por muito boa gente. Ora leia
Há quem não celebre ‘A Origem das Espécies’
“Os protestantes não perdem uma ocasião de ter uma zanga com o mundo.” Tiago Oliveira Cavaco, 31 anos, formado em Ciências da Comunicação na Universidade Nova, músico com discos editados (”Vou tendo bandas”), bloguer (de A Voz do Deserto, com subtítulo “religião e panque roque”), pai de três crianças (Maria, quatro anos, Marta, dois e Joaquim, um), cristão baptista e pregador “ainda não consagrado”, diz- -se, no entanto, um criacionista brando. “Acredito naquilo em que o cristianismo ortodoxo acredita: que o mundo foi criado por Deus. Os católicos também acreditam nisso mas convivem bem com o evolucionismo, são mais preguiçosos. Nós agarramo-nos mais à Bíblia.”
De facto, num país em que, dizem as sondagens e inquéritos, a maioria das pessoas é cristã católica, o que significa que acredita num ser superior e criador, responsável por tudo o que existe e atento a tudo o que se passa, e na vida depois da morte num lugar agradável chamado paraíso ou desagradável chamado inferno ou num sítio a meio caminho chamado purgatório dependendo de um sistema de pontos relacionado com boas e más acções, o ponto de partida do criacionismo não deve surgir como algo de muito extraordinário. Afinal, ser criacionista é basicamente crer que há um deus responsável por tudo o que existe e que a Bíblia é, além da palavra revelada desse deus, também um livro de história com o guião exacto do surgimento da Terra e da vida sobre ela. Até aqui, nada de substancialmente novo, certo? A diferença fundamental reside no facto de os criacionistas considerarem que o criacionismo é uma doutrina científica.
Ao contrário do que se passa com a maioria dos católicos, porém, os criacionistas, geralmente evangélicos, negam a possibilidade da evolução das espécies tal como é ensinada na escola, nomeadamente a parte em que a humanidade descende de outros primatas e é fruto de mais de um milhão de anos de diferenciações genéticas. Os criacionistas crêem que somos todos descendentes de um casal primordial – Adão e Eva, os próprios, ele feito de barro, ela de uma costela dele – cuja criação divina ocorreu há cerca de seis mil anos, e que como esse casal, criado já adulto como se narra no livro do Génesis, foram criadas todas as outras espécies, incluindo as extintas (como os dinossáurios, cuja extinção é geralmente localizada há 65 milhões de anos).
“As pessoas vêem-nos como excêntricos”, reconhece Tiago Cavaco. “Mas se esta discussão não tivesse qualquer tipo de sustentabilidade científica ela não se aguentaria. E a verdade é que ganhou espaço. Os alegados factos científicos que fundamentam a teoria da evolução são rebatidos pelos bons criacionistas.” Um bom criacionista será, por exemplo, o engenheiro electrónico portuense Agostinho Santos. Sessenta e cinco anos, trinta e três livros publicados (”e mais dez no computador”), o último dos quais em Julho passado, sobre dinossáurios, mergulha na literatura científica e depois “compatibiliza-a com a Bíblia”. Por exemplo, sobre os dinossáurios: “Acredito que houve dinossáurios, até porque há evidência disso, pegadas, ovos, fósseis. Há quem não acredite, mas eu acredito, apesar de a Bíblia não falar deles. E não vejo nenhuma contradição entre a Bíblia e a ciência, aliás nunca se encontrou um erro na Bíblia. Quanto ao desaparecimento deles, o que Bíblia diz é que a certa altura houve um dilúvio universal – e há vestígios disso – e sepultou muitos animais. Este dilúvio teria sido uns 4500/5000 anos antes de Cristo. E acho que depois do dilúvio houve uma alteração da temperatura da Terra.”
Para o facto de apesar de segundo o relato bíblico Noé ter construído um barco onde colocou um casal de cada animal existente na Terra, para salvar os frutos da Criação, e de portanto assim ter tido forçosamente de salvar um casal de cada tipo de dinossáurio, o que impediria a sua extinção, Agostinho Santos tem uma explicação. “Na arca de Noé as espécies ficaram como que estranguladas. Só havia um casal de cada. Imaginemos que um dos dinossáurios ao sair da arca partiu uma perna. Acabava logo ali aquela espécie.” Além disso, acrescenta, “ninguém na verdade sabe o que aconteceu aos dinossáurios. Há hipóteses”…
A ideia de que as respostas fundamentais daquilo a que se chama ciência às perguntas fundamentais (que somos, por que somos, de onde vimos, de onde veio tudo, porquê) não são mais que hipóteses metafísicas, uma questão de fé como aquela que “segura” o criacionismo é afinal o fulcro da explicação do criacionismo aos não convertidos. “Creio que tanto o evolucionismo como o criacionismo são modelos: com base nas mesmas descobertas e artefactos materiais é possível construir modelos distintos. Mas não considero que se possa chegar ao livro do Génesis e fazer uma interpretação literal – não se pode dizer que é um relato científico.” Samuel Pinheiro, arquitecto e secretário-geral da Aliança Evangélica Portuguesa, é um defensor da possibilidade de, como sucede em alguns estados dos EUA, o criacionismo ser ensinado nas escolas públicas paralelamente ao evolucionismo: “O evolucionismo é totalitário, quer-se impor como a única forma de compreender o mundo.” Até porque, garante, “as pessoas resistem de um modo geral à ideia de que tudo surgiu por acaso, crêem que existe uma inteligência em tudo o que existe”. Quando dava aulas no liceu, e quando falava disso com os seus alunos, eles concordavam. “Diziam, professor, tem razão, nós também não acreditamos que tudo tenha surgido por acidente.” E conclui: “Ou tudo surgiu a partir de nada ou tudo surgiu a partir de Deus – qual destas hipóteses é a mais credível?”
Jónatas Machado, 45 anos, constitucionalista, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e apontado por todos os evangélicos contactados como “o grande criacionista português”, não tem dúvidas. “Quem é irracional é quem postula uma criação irracional e por acaso. Aliás, há fortes evidências científicas no sentido de uma criação ordenada. Por exemplo, a existência de leis naturais corrobora a existência de uma criação ordenada – a lei da gravidade, da biogénese, do movimentos dos planetas, são compatíveis com a ideia de uma criação inteligente. Uma outra evidência importante de criação inteligente é a quantidade inabarcável de informação que existe no genoma. Ora quando encontramos num qualquer sistema de informação codificada isso significa, alto lá, há aqui origem inteligente. E no DNA encontramos informação codificada em qualidade e densidade e quantidade que e excede a capacidade tecnológica humana, toda a capacidade da comunidade científica.”
Especialista há poucos anos – “Fui em 2004 com um colega constitucionalista assistir a uma conferência do físico alemão criacionista Werner Ditt, e esse meu colega estava a ditar uma revista e queria um texto sobre criacionismo. Pediu-me 30 páginas e eu escrevi 70. A ideia era fazer um apanhado do que dizem as várias especialidades de cientistas criacionistas nas várias áreas” -, tornou-se, “quer queira quer não”, a maior referência portuguesa em criacionismo: “Toda a gente me pergunta coisas e me convida para conferências.” Com os seus principais textos criacionistas disponíveis na Net, no portal da Associação Evangélica Portuguesa, Machado afirma nunca se furtar ao diálogo e confronto. Sendo profundamente religioso, proclama-se também um adepto da liberdade e expressão e um inimigo de leis que condenem a blasfémia. “Gosto de debater com quem pensa diferente de mim. Ajuda-me a pensar.” Ainda assim, há algo que não questiona: a existência e o porquê de Deus. “Quem não acredita em Deus tem de acreditar que tudo vem do nada. O ateu Richard Dawkins diz que o universo nasceu por acaso do nada, mas isso não é ciência, é metafísica. E mostra que o que está aqui em causa não é uma oposição entre ciência e fé, mas entre duas visões do mundo metafísicas, em função das quais toda a realidade é lida.” Assim tão simples. E seja qual for a objecção encontrada, da idade das estrelas (orçada em muitos milhões de anos, quando para o criacionismo só podem ter seis mil) aos fósseis, passando pela inevitabilidade do incesto em série que estaria na base da humanidade criada a partir de um único casal, Jónatas Machado tem uma resposta. “Os criacionistas e os evolucionistas têm a mesma evidência: as mesmas rochas, os mesmos ossos, os mesmos artefactos. O que é diferente é a forma de os ver. Por exemplo, onde os evolucionistas vêem, nos genes, evidência de um ancestral comum, os criacionistas olham para os mesmos genes e vêem a evidência de um criador comum.” Para resumir: “Newton dizia que ciência é uma engenharia do avesso, tentar perceber a criação de Deus da frente para trás. Pensar os pensamentos de Deus depois de Deus.”
Fonte: Diário de Notícias / Gospel+
Via: O Verbo