A missionária Braulia Ribeiro, pioneira no trabalho evangelístico de povos indígenas no Brasil e conhecida também por suas contribuições acadêmicas à teologia brasileira, escreveu um texto-resposta ao pastor Ed René Kivitz, após o mesmo fazer uma publicação na revista Veja, criticando a relação entre fé e Estado.
O texto publicado por Kivitz está ancorado em outra publicação feita por ele no Coletivo Bereia. Na essência do seu raciocínio está a ideia de separação absoluta entre fé e estado, de modo que o mesmo critica, por exemplo, a postura do presidente Jair Bolsonaro por ter convocado orações e um ato de jejum contra o coronavírus.
Para Braulia Ribeiro, a tentativa de Kivitz em dissociar a fé da razão, utilizando para isso uma forma de supervalorização do pensamento científico em detrimento do sobrenatural, revela algo em que ele “critica a mistura entre religião e Estado, debochando até da efetividade da oração em momentos assim”.
“A definição de religião usada por Ed René, emprestada de Durkheim deixa muito a desejar e não são poucos os cientistas políticos e sociais que discutem isto. A simplificação grosseira que reduz a religião ao papel de interpretar o que escapa à razão, presume a ilusão iluminista da razão absoluta”, escreve Braulia.
“Para ele a fé saudável tem que deixar na mão da ciência a responsabilidade de salvar a humanidade em tempos de pandemia e se recolher às subjetividades emocionais do espaço privado, abandonando a pretensão de ser intérprete pública do momento em que vivemos. Ed René sem se dar conta enterra a sua fé na vala comum onde estão 9 entre 10 teólogos pós-modernos. A vala do absolutismo secular”, critica a missionária.
Braulia Ribeiro explica que o pensamento de Ed René Kivitz sobre a relação entre Estado, fé e ciência não é moderna. “O filósofo inglês John Milbank[1] identifica em alguns teólogos medievais, e mais tarde em Hobbes e Spinoza este desvio de percepção”, diz ela em seu artigo publicado no Gospel Prime.
Finalmente, diferentemente do que os críticos da relação entre fé e Estado supõe, Braulia Ribeiro argumenta que o exercício de uma fé sadia e democrática (leia-se: cristã) favorece não o controle religioso sobre a população, mas justamente o contrário, uma vez que retira do poder público o status de soberania plena.
“O homem de fé cria um problema político para o tirano porque a fé põe a todos em pé de igualdade. A fé tira do Estado a exclusividade e, portanto, investiga o seu poder. A fé demanda que governantes e cidadãos se ajoelhem diante do mesmo Deus, e do mesmo código moral”, argumenta a missionária.
“O Bolsonaro que se ajoelha é igual a todos os brasileiros, pobres ou ricos, políticos ou não. Se existe Deus, ninguém pode se arrogar o direito de se apoderar sozinho do destino de uma sociedade. Se existe Deus tanto a política quanto a ciência estão de joelhos diante Dele”, conclui Braulia.