A atual campanha eleitoral vem motivando manifestações políticas de artistas gospel, grande parte em apoio a Jair Bolsonaro (PSL). Porém, há também postura de oposição ao líder das pesquisas, como no caso do cantor e pastor Kleber Lucas, que participou de um evento inter-religioso no Rio de Janeiro para repudiar o candidato conservador.
Em uma publicação no Instagram, Kleber Lucas mostrou momentos do evento nas ruas da capital fluminense, com fotos ao lado do pastor Henrique Vieira (PSOL), um dos apoiadores de Jean Wyllys e Marcelo Freixo, e também do babalaô Ivanir dos Santos, um dos principais representantes das religiões afro-brasileiras.
A legenda da foto traz dois textos, um do próprio Kleber Lucas, dizendo que “Jesus de Nazaré perdeu para o totalitarismo romano e nefasto” e que chegará “o dia em que aqueles que têm fome e sede de justiça serão fartos”.
No segundo texto, de Henrique Vieira, há um ataque frontal a Bolsonaro, com alusão à acusação feita pelo candidato Fernando Haddad (PT) sobre o apoio de Edir Macedo ao capitão do Exército.
“Ontem foi dia de celebrar o amor de Deus, que não está sob nosso domínio. Foi dia de ocupar as ruas não com um projeto de poder religioso, mas de amor, serviço e compromisso com a democracia”, diz o texto de Vieira.
“Foi dia de dizer que Evangelho não tem nada a ver com discursos de violência e ódio. Foi dia de dizer que somos discípulos de alguém que foi torturado, então não podemos ficar em silêncio diante de quem exalta torturadores. Canções, orações, abraços, lágrimas e risos, nos apostamos que o amor vencerá o ódio”, conclui o texto compartilhado por Kleber Lucas.
Ao longo do último ano, Kleber Lucas mergulhou em seu ativismo político, alinhando-se a grupos inter-religiosos para expressar seu pensamento a respeito de temas complexos, incluindo acusações de racismo à igreja evangélica brasileira.
Haddad
Marina Silva (Rede), candidata derrotada no primeiro turno, declarou seu voto em Fernando Haddad (PT), após um primeiro pronunciamento em que se dizia neutra na disputa do segundo turno, mas que incentivava seus eleitores a não votarem em Jair Bolsonaro.
De acordo com informações da revista Veja, o apoio de Marina Silva foi divulgado em uma carta em que ela aponta Bolsonaro como “um risco” à nação.
“Diante do pior risco iminente, de ações que, como diz Hannah Arendt, ‘destroem sempre que surgem’, ‘banalizando o mal’, propugnadas pela campanha do candidato Bolsonaro, darei um voto crítico e farei oposição democrática a uma pessoa que, ‘pelo menos’ e ainda bem, não prega a extinção dos direitos dos índios, a discriminação das minorias, a repressão aos movimentos, o aviltamento ainda maior das mulheres, negros e pobres, o fim da base legal e das estruturas da proteção ambiental, que é o professor Fernando Haddad”, diz Marina em trecho de sua carta.
Outro que se manifestou em apoio ao candidato petista foi o deputado federal eleito com maior número de votos na Bahia, o pastor Sargento Isidório (Avante). No primeiro turno, o então candidato havia se recusado a manifestar apoio a Haddad por conta da “questão do kit gay”.
No entanto, agora o parlamentar que assumirá o cargo em 2019, saiu em defesa do petista e disparou críticas à bancada evangélica: “Quem lê a Bíblia sabe que Jesus disse ‘amai-vos uns aos outros’. Não tem lugar nenhum Jesus dizendo para matar. Tem um bocado de evangélico defendendo isso”, afirmou, sem apontar nomes.
Isidório, que é militar e pastor da Assembleia de Deus, disse que mudou de opinião porque Bolsonaro optou por não ir aos debates na TV: “Sou militar, eu tinha tudo pra apoiar o Bolsonaro, mas quando vi ele não ir a debate e fazer discurso que ofende jornalista e mulheres, tudo isso fez eu decidir meu voto”.
Segundo informações do portal Congresso em Foco, o mesmo pastor que se opunha ao projeto “Escola sem homofobia” – que foi desenvolvido durante a gestão de Fernando Haddad no Ministério da Educação, ganhou o apelido de “kit gay” e terminou barrado após pressão popular – agora classifica todo o contexto como “fake news“.
“Votarei no Haddad, ele não é o homossexual que eu pensava. É casado há 30 anos com a mesma mulher, tem filhos. Tudo que eu pensava foi desconstruído. Procurei ver os vídeos, a gente sabe que é tudo fake news”, justificou o Sargento Isidório.
Confira abaixo a íntegra da carta em que Marina Silva declara seu “voto crítico” em Fernando Haddad:
Neste segundo turno a Rede Sustentabilidade já recomendou a seus filiados e simpatizantes que não votem em Bolsonaro, pelo perigo que sua campanha anuncia contra a democracia, o meio-ambiente, os direitos civis e o respeito à diversidade existente em nossa sociedade.
Do outro lado, a frente política autointitulada democrática e progressista não se mostra capaz de inspirar uma aliança ou mesmo uma composição. Mantém o jogo do faz-de-conta do desespero eleitoral, segue firme no universo do marketing, sem que o candidato inspire-se na gravidade do momento para virar a própria mesa, fazer uma autocrítica corajosa e tentar ser o eixo de uma alternativa democrática verdadeira.
Alianças vêm de propósitos comuns, de valores políticos e éticos, de programas e projetos compartilhados, que só são possíveis em um ambiente de confiança em que, diante de inaceitáveis e inegáveis erros, a crítica é livre e a autocrítica é sincera.
Cada um de nós tem, em sua consciência, os valores que definem seu voto. Sei que, com apenas 1% de votação no primeiro turno, a importância de minha manifestação, numa lógica eleitoral restrita, é puramente simbólica. Mas é meu dever ético e político fazê-la.
Importa destacar que, como já afirmei ao final do primeiro turno, serei oposição, independentemente de quem seja o próximo presidente do Brasil, e continuarei minha luta histórica por um país politicamente democrático, economicamente próspero, socialmente justo, culturalmente diverso, ambientalmente sustentável, livre da corrupção, e empenhado em se preparar para um futuro no qual os grandes equívocos do modelo de desenvolvimento sejam superados por uma nova concepção de qualidade de vida, de justiça, de objetivos pessoais e coletivos. O meu apoio à Operação Lava-jato, desde o início, faz parte dessa concepção, na qual o Estado não é um bunker de poder de grupos, mas um instrumento de procura do bem público.
Vejo no projeto político defendido pelo candidato Bolsonaro, risco imediato para três princípios fundamentais da minha prática política: primeiro, promete desmontar a estrutura de proteção ambiental conquistada ao longo de décadas, por gerações de ambientalistas, fazendo uso de argumentos grotescos, tecnicamente insustentáveis e desinformados.
Chega ao absurdo de anunciar a incorporação do Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura. Com isso, atenta contra o interesse da sociedade e o futuro do país. Ademais, desconsidera os direitos das comunidades indígenas e quilombolas, anunciando que não será demarcado mais um centímetro de suas terras, repetindo discursos que já estão desmoralizados e cabalmente rebatidos desde o início da segunda metade do século passado.
Segundo, é um projeto que minimiza a importância de direitos e da diversidade existente na sociedade, promovendo a incitação sistemática ao ódio, à violência, à discriminação. Por fim, em terceiro lugar, é um projeto que mostra pouco apreço às regras democráticas, acumula manifestações irresponsáveis e levianas a respeito das instituições públicas e põe em cheque as conquistas históricas desde a Constituinte de 1988.
Por sua vez, a campanha de Haddad, embora afirmando no discurso a democracia e os direitos sociais, evocando inclusive algumas boas ações e políticas públicas que, de fato, realizaram na área social em seus governos, escondem e não assumem os graves prejuízos causados pela sua prática política predatória, sustentada pela falta de ética e pela corrupção que a Operação Lava-Jato revelou, além de uma visão da economia que está na origem dessa grave crise econômica e social que o país enfrenta.
Os dirigentes petistas construíram um projeto de poder pelo poder, pouco afeito à alternância democrática e sempre autocomplacente: as realizações são infladas, não há erros, não há o que mudar.
Ao qualificar ambos os candidatos desta forma, não tenho a intenção de ofender seus eleitores, milhões de pessoas que acreditam sinceramente em um deles ou que recusam o outro, com muitas e justificadas razões. E creio que os xingamentos e acusações trocados nas redes sociais e nas ruas só trazem prejuízos à democracia, mas é visível que, na maioria das vezes, essas atitudes são estimuladas pelos discursos dos candidatos e de seus apoiadores. A política democrática deve estar fortemente aliançada no respeito à Constituição e às instituições, exercida em um ambiente de cultura de paz e não-violência.
Outro motivo importante para a definição e declaração de meu voto é a minha consciência cristã, valor central em minha vida. Muitos parecem esquecer, mas Jesus foi severo em palavras e duro em atitudes com os que têm dificuldade de entender o mandamento máximo do amor.
É um engano pensar que a invocação ao nome de Deus pela campanha de Bolsonaro tem o objetivo de fazer o sistema político retornar aos fundamentos éticos orientados pela fé cristã que são tão presentes em toda a cultura ocidental. A pregação de ódio contra as minorias frágeis, a opção por um sistema econômico que nega direitos e um sistema social que premia a injustiça, faz da campanha de Bolsonaro um passo adiante na degradação da natureza, da coesão social e da civilização. Não é um retorno genuíno ao mandamento do amor, é uma indefensável regressão e, portanto, uma forma de utilizar o nome de Deus em vão.
É melhor prevenir. Crimes de lesa humanidade não tem como se possa reparar. E nem adianta contar com o alívio do esquecimento trazido pelo tempo se algo irreparável acontecer. Crimes de lesa humanidade o tempo não apaga, permanecem como lição amarga, embora nem todos a aprendam.
Todas essas reflexões me inquietam, mas mostram o caminho da firmeza, do equilíbrio na análise e a necessidade de pagar o preço da coerência, seja ele qual for.
E assim chegamos, neste segundo turno, ao ponto extremo de uma narrativa antiga na política brasileira, a do “rouba, mas faz” e depois, do “rouba, mas faz reformas”, mas ajuda os pobres, mas é de direita, mas é de esquerda etc. De reducionismo em reducionismo, inauguramos agora o triste tempo do “pelo menos”.
Diante do pior risco iminente, de ações que, como diz Hannah Arendt, “destroem sempre que surgem”, “banalizando o mal”, propugnadas pela campanha do candidato Bolsonaro, darei um voto crítico e farei oposição democrática a uma pessoa que, “pelo menos” e ainda bem, não prega a extinção dos direitos dos índios, a discriminação das minorias, a repressão aos movimentos, o aviltamento ainda maior das mulheres, negros e pobres, o fim da base legal e das estruturas da proteção ambiental, que é o professor Fernando Haddad.