Em virtude da publicação da revista Forbes, que elencou os cinco pastores mais ricos do Brasil numa matéria publicada recentemente, a Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure), publicou nota pública a respeito do caso.
O documento afirma que a preocupação da Anajure era relativa a uma “postura pejorativa” e também a uma eventual “violação dos sigilos bancário e fiscal dos referidos pastores”.
Porém, mediante a publicação de uma atualização feita pela revista na matéria original, explicando que os dados haviam sido obtidos a partir de informações colhidas na imprensa nacional e internacional, e não com a colheita de dados diretamente no Ministério Público ou Receita Federal, a Anajure entendeu que nenhuma irregularidade havia sido cometida.
A nota pública ressalta que as alterações feitas na publicação no site da revista Forbes não foram conduzidas de maneira correta: “A suma de tudo isso é que a Revista Forbes alterou sorrateiramente o texto inicial em vez de, de modo público e notório, assumir seu erro e a inconsistência de sua reportagem no tocante às fontes citadas. No mínimo, um dever ético foi descumprido”.
A Anajure pontuou que a liberdade de imprensa deve ser “irrestrita […] mas sempre de acordo com a responsabilidade a ela inerente”.
A nota encerra lembrando que não abordou o assunto sob a perspectiva teológica, mas sim, de maneira a observar os direitos civis a partir da perspectiva cristã: “Para nós, isso não é uma questão de teologia, mas de juridicidade ou antijuridicidade de uma conduta, no caso, a da Revista. Quanto ao mais, a própria igreja evangélica, neste momento de crise em que vive, já tem os líderes com pertinência e autoridade suficientes para fazer as devidas correções teológicas. Não é esse o papel da ANAJURE. Mas, seja qual for a teologia adotada, não se pode mitigar ou ferir as liberdades civis fundamentais dos evangélicos e dos seus líderes”.
Confira abaixo, a íntegra da Nota Pública divulgada pela Anajure, e assinada por Uziel Santana:
Conforme amplamente divulgado pela imprensa, demonstramos, em nota pública anterior (18/01), nossa cautela e preocupação com a reportagem da Revista Forbes, intitulada “The Richest Pastors In Brazil” (17/01), na qual se apontava os pastores mais ricos do país. Nossa preocupação inicial tinha em vista o fato da possível violação dos sigilos fiscal e bancário dos envolvidos. Certamente, se assim o fosse, um ato atentatório às liberdades civis fundamentais.
Do mesmo modo, demonstramos nossa preocupação com uma possível tendência e postura discriminatória e pejorativa aos líderes evangélicos em geral por parte da referida revista. Ressaltamos, também, que, em nenhum momento, estávamos focando na questão teológica ou eclesiástica que envolve a reportagem e os fatos analisados nela. Até mesmo porque, no mérito, pessoalmente, não compactuo com a chamada Teologia da Prosperidade, ainda que esta não seja uma questão fechada ou mesmo prioritária da ANAJURE. Apenas – como uma instituição que luta pela defesa das liberdades civis fundamentais de todos os cidadãos, mesmo os colocados em suspeita –, posicionamo-nos contra uma possível capitis deminutio de direitos humanos fundamentais. Neste sentido, afirmamos, peremptoriamente, que a violação dos sigilos bancário e fiscal dos referidos pastores, seria, num Estado Democrático de Direito, tão grave quanto as acusações que lhes foram imputadas.
Pois bem. Valemo-nos agora da presente nota para informar que, depois da repercussão negativa da possível violação de sigilos fiscal e bancário, como alertamos, a Revista Forbes alterou o conteúdo da aludida reportagem na qual, em princípio, afirmava-se que eles haviam obtido informações primárias do Ministério Público e da Polícia Federal.
Na versão em inglês do dia 17, como nota de rodapé, a reportagem, depois de apresentar os dados do ranking dos pastores mais ricos do Brasil, justificando suas fontes, assim dizia:
“Estimates for net worths were based on numbers reported by Brazil’s Public Ministry of the Union and Federal Police, as well as estimates of the value of each pastor’s private holdings, as reported by Brazilian media, including magazines Veja, Exame, IstoÉ, IstoÉ Dinheiro and newspapers Folha de S. Paulo, O Globo and O Estado de S. Paulo.” (acesse aqui o printscreen)
Em tradução livre:
“As estimativas para os patrimônios líquidos foram baseadas em números declarados pelo Ministério Público da União do Brasil e pela Polícia Federal, bem como em estimativas do valor das rendas privadas de cada pastor, tal como relatadas pela mídia brasileira, incluindo as revistas Veja, Exame, IstoÉ, IstoÉ Dinheiro e os jornais Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo.”
Exatamente assim também estava na versão oficial em português:
“Novo ranking FORBES traz as fortunas dos cinco pastores mais ricos do Brasil. A lista foi estimada segundo dados do Ministério Público e da Polícia Federal, assim como em reportagens publicadas na imprensa nacional.” (acesse aqui o printscreen)
Da forma como estava originariamente nas versões em inglês e portugues da matéria, quedou claro que a Revista Forbes estava usando dados do Ministério Público e Polícia Federal, como se esses lhe tivessem passado diretamente, o que, em tese, ensejaria e tipificaria condutas de natureza criminosa, como expressamos na nossa primeira nota.
Mas, no dia 23, fomos informados por um dos diretores da ANAJURE, o Dr. Antonio Carlos Júnior (o qual havia sido designado por nós para acompanhar o caso, sendo autor, inclusive, neste sentido, do artigo “O sigilo fiscal como direito fundamental“), que a referida reportagem da Revista Forbes havia sido ALTERADA, sem que se o fizesse pública e notoriamente, RETIFICANDO que, realmente, eles não tiveram acesso direto a relatórios do Ministério Público e da Polícia Federal, mas TÃO-SOMENTE ao que foi publicado na imprensa nacional brasileira. Ou seja: não houve consulta e recebimento de documentos da fonte primária – os próprios órgãos públicos citados – mas sim consulta a documentos de fontes secundárias, no caso, todas elas, órgãos da imprensa nacional, e, mesmo assim, apenas no caso dos pastores que já foram investigados pelo Ministério Público ou Polícia Federal (metade dos citados).
Vejam o texto já ALTERADO na nova versão em inglês:
“Estimates for net worths were based on numbers by Brazil’s Public Ministry of the Union and Federal Police (for those who have been investigated by such organs), as reported by the Brazilian media, as well as estimates of the value of each pastor’s private holdings that appeared in major publications, including magazines Veja, Exame, IstoÉ, IstoÉ Dinheiro and newspapers Folha de S. Paulo, O Globo and O Estado de S. Paulo.” (acesse aqui o printscreen)
Em tradução livre: “As estimativas para os patrimônios líquidos foram baseadas em números do Ministério Público da União do Brasil e da Polícia Federal (para aqueles que tenham sido investigados por tais órgãos), como relatado pela mídia brasileira, bem como em estimativas do valor das rendas privadas de cada pastor que apareceram em grandes publicações, incluindo as revisas Veja, Exame, IstoÉ, IstoÉ Dinheiro e os jornais Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo”.
Na versão em português, o texto permanece como publicado originalmente, apontando que “A lista foi estimada segundo dados do Ministério Público e da Polícia Federal…” o que comprova, ainda mais, alguma — mesmo que pontual — incoerência e inconsistência na reportagem da Forbes.
Usando o princípio jurídico do contraditório e da ampla defesa, entramos em contato, via Assessoria de Imprensa, com o articulista da Forbes, Anderson Antunes, autor da reportagem, que gentil e prontamente nos atendeu e confirmou a alteração: “a alteração no rodapé do texto foi feita especificamente para que isto ficasse esclarecido“. Para justificar sua metodologia e esclarecer que não usou dados protegidos por sigilo bancário e fiscal obtidos diretamente dos órgãos públicos citados, asseverou-nos que: “evidentemente, estes dados foram publicados pela imprensa brasileira e até mesmo estrangeira, e foi dessa forma que tivemos acesso a eles. O modelo básico de estimativas de patrimônio pessoal utilizado pela Forbes inclui a pesquisa de informação oficial previamente publicada, além de estimativa de valores de holdings empresariais e, por fim, a checagem de tais informações.” [grifos nossos]. Sobre o cálculo e a metodologia empregada pela revista para chegar aos valores da reportagem, não temos como aferir a exatidão ou não das informações, porque não tivemos acesso a tais dados. O que se sabe é que historicamente a Revista Forbes sempre teve know-how e credibilidade para isso. Mas quanto às fontes, fica evidenciado o erro inicial da reportagem e a necessidade de correção pública, o que não foi feito. Certamente, o Ministério Público, a Polícia Federal e, especialmente, os pastores interessados, assim como os leitores da revista, mereciam, ao menos, um pedido formal de desculpas. Para mim, parece-me que restou provado que talvez a Revista tenha feito tal afirmação sobre as fontes com o fito de buscar credibilidade para sua reportagem.
A suma de tudo isso é que a Revista Forbes alterou sorrateiramente o texto inicial em vez de, de modo público e notório, assumir seu erro e a inconsistência de sua reportagem no tocante às fontes citadas. No mínimo, um dever ético foi descumprido.
A ANAJURE lamenta o episódio e reafirma que continuará lutando pela defesa das liberdades civis fundamentais no Brasil, em especial, dos cristãos. Lembramos, ainda, que somos partidários, promotores e defensores da ampla e irrestrita liberdade de imprensa, mas sempre de acordo com a responsabilidade a ela inerente.
Por fim, ainda quanto ao conteúdo da reportagem da revista e à postura teológica dos pastores citados, reafirmamos, peremptoriamente, o que já assentimos:
“Para nós, isso não é uma questão de teologia, mas de juridicidade ou antijuridicidade de uma conduta, no caso, a da Revista. Quanto ao mais, a própria igreja evangélica, neste momento de crise em que vive, já tem os líderes com pertinência e autoridade suficientes para fazer as devidas correções teológicas. Não é esse o papel da ANAJURE. Mas, seja qual for a teologia adotada, não se pode mitigar ou ferir as liberdades civis fundamentais dos evangélicos e dos seus líderes“.
É para isso que aqui estamos.
Por Tiago Chagas, para o Gospel+