Há 505 anos se iniciava a Reforma Protestante através do então monge Martinho Lutero, que elencou 95 teses e as pregou na porta da Igreja em Wittenberg, na Alemanha. Esse movimento se transformaria no mais profundo e abrangente ponto de divergência com a Igreja Católica.
Inicialmente, Lutero não tinha como saber o tamanho e extensão de sua iniciativa, mas o movimento da Reforma Protestante cresceu com ele próprio se tornando um zeloso pregador, difundindo sua compreensão do texto bíblico e denunciando os desvios que estavam sendo perpetrados pela Igreja Católica à época.
O teólogo e pregador irlandês Will Graham produziu um artigo para celebrar a Reforma Protestante elencando características distintas entre Martinho Lutero e João Calvino, outro importante reformador que, ainda hoje, é referência entre protestantes de todo o mundo por sintetizar a mensagem bíblica em cinco pontos doutrinais.
Sobre Lutero, Will Graham ressaltou a importância da iniciativa que pôs a Reforma Protestante em marcha, servindo para, dentre outros méritos, trazer à tona o trabalho de teólogos reformistas como Matthias Flacius, Urbanus Rhegius, Johannes Brenz e Martin Chemnitz e Philip Melanchthon.
“Lutero também inadvertidamente abriu o caminho para um campo mais reformado com o protestantismo com gigantes como Martin Bucer, Ulrico Zuínglio, Heinrich Bullinger e Theodore Beza”, relembrou Will Graham.
“No entanto, elevando-se muito acima de todos os pensadores acima mencionados, está outro teólogo reformado cuja fama é igual – e, em alguns aspectos, supera – a de Martinho Lutero. Nascido na França em 1509, ele passou a maior parte de sua vida ministerial em Genebra (Suíça) desenvolvendo o que o reformador escocês John Knox mais tarde designaria como ‘A escola de Cristo mais perfeita que já existiu na terra desde os dias dos apóstolos. Em outros lugares, confesso que Cristo foi verdadeiramente pregado; mas as maneiras e a religião devem ser tão seriamente reformadas, ainda não vi em muitos lugares além disso’. Coisas bem impressionantes dos lábios de um escocês não exatamente conhecido por sua lisonja! A quem estamos aludindo? Para João Calvino, é claro!”, acrescentou o teólogo irlandês em seu artigo, publicado no portal Evangelical Focus.
Confira os dez pontos listados por Will Graham expondo as diferença entre dois dos principais líderes do movimento da Reforma Protestante:
01 – Primeiro Lutero e depois Calvino
A primeira coisa que devemos levar em conta é que Calvino era bem mais jovem que Lutero, 26 anos para ser mais preciso. Quando Lutero colocou seus pregos na porta da igreja, o pequeno João tinha oito anos de idade. Lutero pertenceu à primeira geração da Reforma Protestante, enquanto Calvino foi um Reformador de segunda geração. Graças ao suor, sangue e lágrimas de Lutero, Calvino herdou um rico legado teológico que foi capaz de cultivar.
02 – Um Profeta e um Sistemático
Embora seja verdade que ambos os homens são conhecidos por serem grandes mestres da fé cristã, seus diferentes contextos os condicionaram de maneiras distintas. Lutero foi o grande profeta de um novo movimento diante de seus seguidores, abrindo novos caminhos para seus sucessores protestantes. Era natural que ele fosse caracterizado por tal fogo e tenacidade irresistível.
Calvino, entretanto, veio mais tarde e, portanto, teve o necessário espaço para respirar para refletir metodicamente sobre as percepções concedidas à igreja cristã por Lutero. Qualquer leitor superficial pode dizer que Calvino é muito mais sistemático em pensamento do que o Dr. Martinho. Como especialista em Reforma, o Dr. R. Scott Clark me disse recentemente: ‘Calvino e os ortodoxos reformados fizeram um trabalho maravilhoso ajudando a colocar os grandes insights da Reforma de Lutero em um contexto mais abrangente e pactual’.
03 – Extrovertido e introvertido
Quanto à personalidade, Lutero era extremamente extrovertido. Ele sempre tinha convidados em casa e adorava estar com as pessoas. Ele conversou, brincou e riu com seus amigos. Calvino, por outro lado, nunca se sentiu realmente confortável no ministério público. Não foi tanto seu amor por seu rebanho que o impeliu em seu trabalho pastoral em Genebra, mas sim um senso de dever convincente que se originou da terrível profecia e maldição de William Farel: ‘Que Deus amaldiçoe seus estudos se agora, em seu tempo de necessidade, você se recusa a emprestar sua ajuda à sua igreja’. Sem a palavra de advertência de Farel, Calvino provavelmente nunca teria pensado em assumir o trabalho pastoral.
04 – O Pastor Lutero e o Professor Calvino
Outra diferença, ligada às suas personalidades, era a forma como conquistavam o favor das pessoas. O povo do moinho se sentiu oprimido pelo caráter extraordinário de Lutero. Ele teve uma presença marcante e foi certamente o que hoje chamaríamos de uma figura ‘carismática’ ou ‘dinâmica’. Multidões se juntaram a ele devido ao seu estilo.
Mas os admiradores de Calvino eram muito mais inclinados a elogiar seu intelecto do que seu jeito pessoal. Ele conquistou seguidores porque sua mente estava concentrada exclusivamente na glória de Deus. À medida que lemos os sermões dos dois homens, as reflexões de Calvino são direcionadas muito mais ao intelecto e à razão sã do que as de Lutero. Mesmo no púlpito, Lutero sempre foi um homem de ‘coração’, mais preocupado com as empregadas e as crianças do que com os médicos de sua congregação.
05 – Estatura
Nos retratos que nos são passados, há uma clara divergência quando falamos da aparência física de Lutero e Calvino. Lutero, pelo menos nas pinturas de seus anos mais maduros, é corpulento e rechonchudo, com um peito largo. Ele parece ter sido um ‘grande homem’ tanto dentro quanto fora do púlpito, muito parecido com George Whitefield. Sempre há uma centelha de vitalidade nele.
Por outro lado, a vida de Calvino foi atormentada por problemas estomacais contínuos, bem como uma série de outras doenças físicas. Ele nos parece um homem bastante frágil, extremamente magro e quase como um cadáver (para usar a descrição do Dr. Martyn Lloyd-Jones). Na verdade, ele só comia uma refeição por dia. A expressão no rosto de Calvino é continuamente sombria, pelo menos quando comparada a Lutero.
06 – Justificativa ou Glória de Deus?
É verdade que os dois homens eram apaixonados pela recuperação do Evangelho bíblico. No entanto, o prisma pelo qual eles interpretaram o Evangelho não era exatamente idêntico. Lutero colocou a maior parte de sua ênfase na gloriosa verdade da justificação do crente. Sua abordagem soteriológica concentrou-se na necessidade subjetiva da fé salvadora e nas doces alegrias de confiar em Cristo.
Calvino certamente acreditava nisso tanto quanto Lutero; mas ele se esforçou para enfatizar que a justificação da fé só pode ficar em segundo lugar. Na primeira posição estava a glória de Deus. A verdadeira maravilha da justificação no pensamento de Calvino não era que um pecador se encontrava perdoado de toda iniquidade, mas sim que Deus estava sendo glorificado através da salvação de tal transgressor. Enquanto o ponto de partida de Lutero foi a fé; Calvino foi certamente a graça do Criador/Redentor.
07 – A Ceia do Senhor
Um dos temas-chave durante os primeiros anos da Reforma Protestante foi a Ceia do Senhor. Em 1529, Lutero e Zuínglio se dividiram sobre o assunto. Apesar de Lutero ter rompido com a interpretação romana da missa, ele tinha uma visão sacramental do pão e do vinho que estava inteiramente ausente no pensamento de Zuínglio. Onde Lutero viu Cristo milagrosamente e realmente presente “nas, com e sob” as formas dos elementos; Zuínglio disse que a Ceia do Senhor não era nada mais do que um sinal ou um símbolo para edificar os santos. De forma alguma Jesus estava fisicamente presente. Foi simplesmente um memorial.
Então, de quem Calvino ficaria do lado: Lutero ou Zuínglio? Resposta: com ambos e nenhum. Ele mediou entre os dois, aceitando que Cristo estava espiritualmente presente na Ceia do Senhor. O que Lutero interpretou como físico; Calvino viu como espiritual no coração dos crentes.
08 – Igreja e Estado
Há uma discordância importante entre Lutero e Calvino a respeito da relação entre Igreja e Estado. Sem dúvida, isso se devia a seus contextos sócio-políticos peculiares. Vivendo na Alemanha medieval, onde cada estado estava sob o poder de um determinado príncipe, Lutero – como regra geral – estava muito feliz em permitir que o governo supervisionasse a administração dos assuntos da Igreja.
João Calvino, entretanto, um ex-graduado em Direito estabelecido no sistema de cantões mais livre da Suíça, se opôs a qualquer interferência do Estado. É a igreja e somente a igreja que deve administrar seus assuntos internos e externos. Tanto a igreja quanto o Estado devem permanecer totalmente autônomos um do outro. Calvino também estava mais aberto à ideia de os crentes transformarem toda a sociedade com os valores das Escrituras, enquanto Lutero sempre se apegou a sua vocação espiritual inteiramente religiosa.
09 – Batismo
Embora seja verdade que Lutero e Calvino acreditavam no pedobatismo (batismo infantil), seus entendimentos quanto à sua eficácia eram ligeiramente diferentes. A visão de Lutero sobre o batismo é que é um evento, um sacramento, que verdadeiramente salva aquele que foi batizado – seja um adulto ou uma criança. O Espírito Santo é dado a tal pessoa no batismo para que possua a verdadeira fé em Cristo. O pecado é perdoado, a morte e o diabo são vencidos e a vida eterna é concedida (Catecismo Menor IV).
Calvino, apesar de apreciar os insights de Lutero, viu o batismo como um mero sinal externo pelo qual alguém era enxertado na igreja visível. Essa entrada na abençoada sociedade do povo de Deus foi um manifesto dom da graça. O batismo, para ele, não salvou ninguém de forma eficaz.
10 – Lei e Evangelho
O final de nossas dez diferenças entre Martinho Lutero e João Calvino tem a ver com os tópicos quentes da Lei e do Evangelho de Cristo. A discrepância não era tanto uma questão de conteúdo, mas de ênfase. Ambos acreditavam no uso civil, pedagógico e normativo do Direito; apesar de toda a abordagem de Lutero em relação à Lei ser muito mais negativa do que a de Calvino. Ele dividiu muito mais fortemente entre eles do que seu homólogo francês fez. Por quê? Porque Lutero colocou sua maior ênfase na Lei como meio de miséria, condenação e ministério de morte do qual a humanidade precisava da libertação do Evangelho.
Verdade seja dita, Calvino estava tão convencido quanto Lutero dessa verdade; no entanto, ele estava muito mais disposto a sublinhar o aspecto positivo da Lei com respeito à santificação do crente. Visto que a Lei é uma expressão perfeita da bendita vontade de Deus, é correto que os santos se regozijem na Lei do Senhor.