Uma pregação publicada no Youtube do famoso pastor e escritor Ed René Kivitz, presidente da Igreja Batista de Água Branca, tem causado polêmica na internet e causado estranheza a muitos cristãos. Na ocasião, Kivitz citando a mulher samaritana, afirma: “Jesus esta falando de água mesmo ou Ele está falando da virilidade dEle e o sêmen dEle?”
A pregação foi baseada na passagem de João capítulo 4:3-41. Para que o leitor entenda o que diz a bíblia é imprescindível que acompanhe a leitura com a sua aberta. Por outro lado, para que entenda o que o Pastor Kivitz diz, poderá ver um trecho da sua pregação no vídeo abaixo, cujo título é responsabilidade do canal onde foi publicado:
Se o leitor quiser assistir a pregação completa, também poderá ver clicando AQUI. Mas o que chamou atenção de muitos internautas, e por isso republicamos aqui apenas o trecho acima, é que a parte onde o pastor Kivitz sugere uma interpretação sexual da mulher samaritana na abordagem de Jesus, parece não ter relação alguma com o restante da mensagem, enquanto outros acreditam ser apenas uma demonstração de como Jesus tinha uma postura atípica perante o que se esperava do Messias prometido.
Ed René Kivitz, próximo ao fim da mensagem, trás a lição de um Deus que não é exclusivo de povo algum. Um Deus que rompe com a separação entre o povo judeu e samaritano, enfatizando um Jesus que acolhe um povo julgado e desprezado, mas que passa a vê-lo como “salvador do mundo”, justamente devido a sua postura de inclusão.
Todavia, no início da mensagem, citando a fala da mulher samaritana, Kivitz não se detém ao texto bíblico, mas vai além e começa atribuir falas ao personagem da mulher samaritana, sugerindo até mesmo o que ela deveria estar pensando e, portanto, fazendo uma interpretação subjetiva do texto.
Com a bíblia na mão, Kivitz exemplifica o diálogo entre Jesus e a samaritana atribuindo suas falas. Segue a transcrição com alguns destaques:
Jesus __Eu tenho uma água divina pra te dar.
(Kivitz) A mulher olha pra Ele e fala:
Samaritana __ Que conversa é essa?
(Kivitz) E água viva é um eufemismo, porque, aqui, a bíblia tem trechos impróprios para menores. É, aqui, é… água viva é uma água que jorra! É um esguicho.
Jesus __Tenho esguicho pra te dar.
(Kivitz) É uma palavra de duplo sentido. Essa mulher “tá” querendo ver onde essa conversa vai chegar. Jesus está falando de água mesmo ou Ele está falando da virilidade dEle e do sêmen dEle? (teria pensado a mulher, ao que parece)
(…)
(Kivitz) E ela diz assim: bom, o Senhor não tem como pegar água do poço, então… dessa água ai é que o Senhor não está falando. Que água é essa que o Senhor “tá” falando? Que água viva é essa? Ai Jesus diz assim, versículo 13: quem beber dessa água (do poço) terá sede outra vez, mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede. Ao contrário, a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água a jorrar para a vida eterna.
Kivitz continua a leitura, porém, exemplificando o que seria o pensamento da mulher. No momento em que Jesus pede a mulher para chamar seu marido, por exemplo, Kivitz sugere que a mulher teria pensado “…que que tem a ver o meu marido com tudo que a gente falou até agora?”
Tal sugestão, ao que parece, seria para fundamentar a ideia de que a mulher interpretou, inicialmente, a fala de Jesus como uma espécie de “xaveco”, como se Jesus estivesse oferecendo a ela um relacionamento e não a água da vida no sentido espiritual, muito embora o texto no verso 13, como lido pelo próprio Kivitz, tenha deixado evidente a intenção de Cristo.
Ora, se o amigo leitor(a) fizer a leitura de João 4, 3-41 dificilmente conseguirá enxergar tal contexto, salvo após ter a sua visão influenciada pela pregação. Isso, porque, de fato, esse contexto não existe.
Não seria forçoso demais para um teólogo imaginar o que teria pensado o personagem com base em palavras que não estão no texto bíblico?
Não seria, no mínimo, arriscado sugerir que Jesus fez uso de conotação sexual, com duplo sentido, para revelar a mulher samaritana o verdadeiro propósito da sua presença naquele local? Ainda que o termo “água viva” pudesse ter outro sentido no contexto da época e o contato entre um homem e uma mulher fosse atípico em poços, não é forçar demais o texto ao querer extrair dele o que teria – pensado – o personagem, de forma tão subjetiva?
Em João 7:37-38, por exemplo, Jesus volta a usar o mesmo termo “ÁGUA VIVA”, para se referir ao real sentido da sua mensagem em referência a ele:
“Se alguém tem sede, venha a mim, e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do seu ventre.” (João 7:37,38)
Será que algum outro personagem na ocasião de João 7:37-38 poderia ter interpretado essa fala de Jesus como uma proposta indecente de relacionamento, e não como um chamado para a vida espiritual eterna? Bom, ao que parece, isso depende da imaginação.
Por outro lado, a lição que podemos retirar da passagem em questão, baseados na declaração do próprio texto, é a seguinte:
a) Jesus rompe com a ideia de um Deus separatista e não inclusivo.
Ao se apresentar como Messias aos samaritanos, Cristo leva a eles a sua mensagem de salvação, mostrando que não há mais diferença entre “judeus e gentios”, uma vez que debaixo da graça somos todos iguais! Não a toa Cristo é reconhecido por eles como o “Salvador do Mundo”, confirmando, assim, o propósito da sua ida naquela comunidade.
Neste sentido, Kivitz reforça o ensino bíblico.
b) Jesus rompe com a ideia equivocada de gênero privilegiado;
Quando Jesus vai a um local típico das mulheres (poço) e conversa com uma mulher, sendo ele homem e ainda por cima judeu, deixa claro a ruptura de estigmas sociais sem qualquer valor prático para a vida humana, relacionados a diferença entre homem e mulher.
Cristo não deixa de reconhecer as funções dos gêneros/sexos masculino e feminino, e por isso pede a mulher que lhe dê água, mas demonstra que a tradição não deve ser maior do que o valor da vida humana.
Por isso, ao ter sede, pediu água àquela mulher, porque não viu na ocasião nada que lhe impedisse de se aproximar, assim como nada que tornasse aquela mulher “indigna” para lhe dar de beber.
Ao transformar a ocasião numa oportunidade de alcançar os samaritanos, Cristo demonstra o valor da vida humana aos olhos de Deus, onde não há diferença de raça, cultura ou gênero, uma vez que todos nós carecemos de arrependimento e perdão.