O espancamento de homossexuais por jovens de classe média alta na Avenida Paulista e a tentativa de homicídio contra um rapaz de 19 anos após a Parada Gay na orla de Copacabana, no Rio de Janeiro, ambos ocorridos no último fim de semana, são, na opinião do antropólogo e historiador Luiz Mott (foto), resultado da intolerância, reforçada por um discurso fundamentalista religioso.
“A maior visibilidade e a conquista de espaços públicos por parte de homossexuais provocam a ira dos mais intolerantes, que estavam acostumados a um complô do silêncio”, afirma, completando:
“As igrejas cristãs, em geral, têm as mãos sujas de sangue, pela intolerância que divulgam nos púlpitos e nas televisões. Elas fornecem munição ideológica para aqueles que têm ódio de homossexuais, fazendo com que esse ódio aumente. Vai chegar uma época em que o papa e essas igrejas vão pedir desculpas de joelhos aos homossexuais, como a igreja já pediu desculpas aos judeus, negros e índios”.
Para Mott, que é fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), o País trata a questão da homossexualidade de forma contraditória:
“O Brasil tem um lado cor de rosa, que é representado pelas paradas gays, tem mais de 200 paradas e a maior parada gay do mundo; tem a maior associação LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) da América Latina; tem o Programa Brasil Sem Homofobia, ou seja, conquistou muitos avanços, mas tem um lado vermelho sangue. O Brasil é o país líder em assassinatos de homossexuais. Não é o país mais homofóbico do mundo, porque não temos leis, como no Egito ou no Iraque, onde os homossexuais podem ser executados, mas, a cada dois dias, um gay, uma travesti ou, em número muito menor, uma lésbica é vítima de crimes de ódio. São crimes praticados com requintes de crueldade”.
Confira a entrevista.
Terra Magazine – No último fim de semana, houve episódios de violência contra homossexuais, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo…
Luiz Mott – E acrescente três travestis assassinadas no Paraná, também no último fim de semana. A bruxa está solta. A maior visibilidade e a conquista de espaços públicos por parte de homossexuais provocam a ira dos mais intolerantes, que estavam acostumados a um complô do silêncio. Os próprios homossexuais não se expunham para evitar situações de risco. Há anos, na Bahia, quando passavam um gay e os machistas percebiam, eles gritavam: ‘Tchibum’. Como dizendo: ‘Ali passa o veado, vamos caçar o veado’. Era uma forma de desmascarar.
Hoje, as pessoas partem para a agressão física, como aconteceu (em 2000) com o Edson Neri, na Praça da República (São Paulo), que foi o caso mais emblemático. Ele foi trucidado por um bando de carecas neonazistas. Acho que essa visibilidade incomoda. Há também a intolerância religiosa, que continua pregando como nunca, a ponto do (pastor Silas) Malafaia colocar cartazes na rua, dizendo que Deus criou o homem e a mulher, ou seja, a homossexualidade é uma aberração, um pecado.Tem essas duas coisas, a visibilidade que provoca a intolerância, que é reforçada por um discurso fundamentalista.
O Brasil tem um lado cor de rosa, que é representado pelas paradas gays, tem mais de 200 paradas e a maior parada gay do mundo; tem a maior associação LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) da América Latina; tem o Programa Brasil Sem Homofobia, ou seja, conquistou muitos avanços, mas tem um lado vermelho sangue. O Brasil é o país líder em assassinatos de homossexuais. Não é o país mais homofóbico do mundo, porque não temos leis, como no Egito ou no Iraque, onde os homossexuais podem ser executados, mas, a cada dois dias, um gay, uma travesti ou, em número muito menor, uma lésbica é vítima de crimes de ódio. São crimes praticados com requintes de crueldade.
A principal justificativa desses assassinatos é o preconceito, a aversão aos homossexuais?
Sim. São crimes em que a vulnerabilidade da vítima é fator fundamental. O assassino parte do pressuposto ou que o gay é frágil, efeminado, não vai reagir, é presa fácil ou que ele não vai ter o apoio dos vizinhos, do zelador do prédio, porque os gays são pessoas, muitas vezes, odiadas. Há casos em que o gay gritou pedindo socorro e a vizinha não foi porque teve medo ou porque não tinha nenhuma solidariedade.
Há ainda outro fator, que chamamos de homofobia cultural. Por que a travesti está fazendo pista (se prostituindo) e, muitas vezes, está envolvida no crack? Porque ela foi jogada, foi expulsa para a margem da sociedade. Então, mesmo nos crimes em que há envolvimento com droga ou nos casos de latrocínio praticado por rapazes de programa, que transam com o gay e depois matam e roubam a vítima, a homofobia cultural está presente. Partiu-se do princípio de que veado tem mais é que morrer.
Você apontou os paradoxos que há no Brasil (o cor de rosa e o vermelho sangue). Há uma falsa tolerância?
Na verdade, há essa contradição. Os estrangeiros costumam dizer que, na América Latina, não há lugar mais fácil para paquerar, transar com homens gays, bissexuais do que no Brasil. Ao mesmo tempo, é um País que tem esse componente de agressividade letal. Em 2009, foram 198 assassinatos documentados. Em 2010, até ontem, eram 175 assassinatos. A tendência é que feche o ano ou no mesmo número ou em número maior. A média (sobre vítimas) geralmente é de 70% de gays, 27% de travestis e 3% de lésbicas.
Como essa contradição pode ser explicada?
Considero que o machismo brasileiro e o latino-americano tem raiz histórica no escravismo. Os brancos machos, donos do poder, eram menos de 20% da população. Então, para manter os outros 80% da população submissos, explorados, o macho latino-americano tinha que ser super violento e viril. Qualquer efeminação, medo podiam representar uma possibilidade de os oprimidos tomarem conta. Então, acho que essa violência contra homossexual é uma forma de afirmação da masculinidade. A homofobia e os crimes de morte têm a ver com uma afirmação do machismo, da virilidade e com a ideia de, sobretudo quando o gay é assassinado por rapaz de programa, uma questão de classe.
Há pesquisas que mostram que as pessoas de classes sociais mais baixas são mais homofóbicas, mais intolerantes, mais conservadoras.
Mas o ataque, por exemplo, aos jovens gays na Avenida Paulista foi promovido por estudantes de classe média alta.
Primeiro, tem que ver se é mesmo classe média alta ou simplesmente de classe média. A homofobia está presente em todas as classes sociais, inclusive na classe alta, embora seja predominante nos extratos mais baixos.
A universidade Mackenzie publicou em seu site um manifesto contra a lei que crimiminaliza a homofobia. O que você achou da iniciativa?
Desde o tempo em que eu era estudante da Faculdade Maria Antônia (USP), em frente ao Mackenzie, havia guerras campais. A Maria Antônia era reduto dos comunistas. Eles (Mackenzie) sempre foram reacionários, extremamente conservadores. Eu me admiro porque a intolerância tem sido maior nas igrejas penteconstais, que não são as igrejas protestantes históricas. E eles são presbiterianos, que é uma igreja histórica que, nos Estados Unidos, tem um posicionamento muito mais favorável.
Há pastores gays assumidos no presbiterianismo, inclusive no Brasil. Foi muito chocante uma igreja mais aberta, como a presbiteriana, e pelo fato de ser em uma universidade, um lugar onde se deve ensinar a ciência, e não o criacionismo. É uma inversão. A universidade virou um púlpito, mais intolerante do que as próprias igrejas pentecostais, Universal, Assembleia de Deus, que têm como líderes Malafaia, (Marcelo) Crivella e Magno Malta, que são nossos maiores inimigos.
Para você, um posicionamento mais radical em relação à homossexualidade colabora para a ocorrência de crimes contra homossexuais?
Com certeza. As igrejas cristãs, em geral, têm as mãos sujas de sangue, pela intolerância que divulgam nos púlpitos e nas televisões. Elas fornecem munição ideológica para aqueles que têm ódio de homossexuais, fazendo com que esse ódio aumente. Vai chegar uma época em que o papa e essas igrejas vão pedir desculpas de joelhos aos homossexuais, como a igreja já pediu desculpas aos judeus, negros e índios.
Particularmente, esse papa Bento XVI se distinguiu, desde quando era assessor de João Paulo II, como sendo o mais intolerante dos papas dos últimos séculos. Ele disse: ‘O homossexualismo (usando o termo patológico) é intrinsecamente mau’. Então, a partir daí é que as igrejas protestantes, inclusive muçulmanos, impediram que na Organização das Nações Unidas seja incluída a orientação sexual como direito humano fundamental.
Há muita resistência para aprovação do PLC (Projeto de Lei da Câmara) 122. Você acredita que a lei que criminaliza a homofobia vai ser aprovada? Qual sua expectativa?
Faltou vontade política ao Lula. Ele poderia ter pressionado a bancada aliada para que votasse. Há mais de uma dezena de leis no Congresso Nacional dentro da agenda LGBT e nenhuma foi aprovada. Como a Dilma vai ter maioria nas duas Casas, vamos pressionar ao máximo para que ela mobilize seus aliados.
A senadora eleita Marta Suplicy disse textualmente que a situação dos homossexuais no Brasil piorou. O número de assassinatos aumentou, nenhuma lei foi aprovada e nossos vizinhos conquistaram mais direitos, como a Argentina, que tem o casamento gay. Até o Chile e o Uruguai tiveram legislações contra a homofobia aprovadas, de modo que, infelizmente, na última década, eu digo: Se ficar, a Aids pega, se correr o homófobo mata. Para os homens heterossexuais, a Aids representa 0,8% de infecção. Entre os gays é de 11%. Infelizmente, a esperança de vida para os homossexuais nos últimos anos piorou, diminuiu. É preciso políticas efetivas. Não há nenhum governo que tenha feito tanta mobilização, programas, conferências, coordernadorias, mas nada sai do papel.
Você acha que se o PLC 122 fosse aprovado inibiria de fato a violência contra homossexuais ou seria uma lei inócua?
Há mais de 20 anos que o Grupo Gay da Bahia pleiteia a equiparação da homofobia ao racismo. Bastava para nós que os mesmos insultos, agressões, discriminações que são categorizados, no caso do racismo, como crime inafiançável, que fossem na mesma extensão para os delitos em relação à orientação sexual. Porém, esse projeto de lei, da Iara Bernardi (PT), que é a autora original do projeto, foi muito detalhado. Inclusive, como aconteceu com a lei de Juiz de Fora (Lei Municipal nº 9791, conhecida por ‘Lei rosa’), permitindo afeto em público por homossexuais…
Não tinha necessidade de colocar isso no PLC 122, porque o que não é proibido é permitido. É isso que tem atraído a ira dos evangélicos. Eles acham que os gays vão se beijar e transar dentro da igreja. Acho que o projeto de lei é importante porque tipifica os delitos de homofobia e, sendo aprovado, vai inibir a prática da homofobia no dia-a-dia, mas não tem nada sobre a violência letal. Falta no projeto uma explicitação sobre isso.
A aprovação é fundamental, sobretudo, para marcar a presença de 10% da população brasileira constituída por LGBTs, que vão ter o mínimo de proteção legal. Na Constituição de 1988, não incluiu a proibição de discriminar por orientação sexual e isso permite que juizes, delegados, policiais digam que discriminar gay não é crime. Em outros países há leis severas contra a homofobia.
Fonte: Terra / Gospel+
Via: Creio