A morte de três crianças em decorrência de castigo físico severo por parte de seus pais gerou um grande debate nos Estados Unidos, onde muitos evangélicos conservadores radicais são adeptos da prática.
Um livro que é considerado o manual das surras está no centro da polêmica. Escrito pelo pastor Michael Pearl e sua esposa, Debbie, o livro To Train Up a Child (“Treinando uma Criança”, em tradução livre) descreve castigos para cada situação e faixa etária.
Agora, um movimento contrário aos castigos físicos aproveita a polêmica em torno da morte das três crianças – os pais supostamente seriam leitores do livro – para pedir o banimento da publicação por causa das sugestões de castigos que vão desde o uso de uma régua até galhos de árvores específicas.
“Treinar é condicionar a mente da criança antes que surja uma crise; é uma preparação para obediência futura, instantânea e sem questionamentos”, sugere o primeiro capítulo do livro. Caso a criança seja muito malcomportada, o casal orienta o uso da força: “Se você precisar sentar em cima dela para bater nela, não hesite. E segure ele nessa posição até que ele se renda. Derrote-o completamente”.
O depoimento de uma jovem que passou a sofrer castigos constantes depois que seus pais leram o livro contribui para o crescimento do movimento contra os castigos físicos. Hannah, nome fictício, tinha por volta de 15 anos e brigou na escola. Quando chegou em casa, seus pais a castigaram severamente: “Eu nem sei exatamente do que estavam me acusando, mas meu pai simplesmente perdeu a cabeça”, conta a jovem, lembrando que durante a surra, seu pai chegou a quebrar cinco galhos nela. “Nas semanas seguintes, eu não conseguia sentar direito [devido à dor] e ele me dizia: ‘pare de fazer melodrama, o que há de errado com você?’ Minha mãe me examinou e [a região próxima ao meu cóccix] estava ferida e inchada”, relata Hannah.
Hoje aos 20 anos, a jovem afirma que seu pai ficou chocado com os efeitos do castigo, e nunca mais aplicou surras nela. Para ela, o problema do livro está na ênfase que os autores dão ao castigo: “O problema é que [Pearl] diz que você precisa ‘quebrar’ seus filhos. E para chegar nesse ponto é preciso ser completamente tirânico”, critica.
Com mais de 800 mil cópias vendidas, o livro é alvo de um abaixo-assinado que já recolheu 200 mil assinaturas pedindo o banimento das livrarias. Como resultado, duas grandes redes de livrarias na Grã-Bretanha – a Waterstones e a Foyles – já anunciaram que não vendem mais o exemplar.
Porém, nos Estados Unidos, a Amazon demonstrou que não vai parar de vender, segundo informações da BBC: “Este livro foi amplamente debatido na imprensa e na Amazon por anos, e qualquer um que queira expressar seus pontos de vista sobre este título está livre para fazê-lo na página do produto em nosso site”, disse a administração da empresa em um comunicado enviado à imprensa.
Por Tiago Chagas, para o Gospel+