A grande mídia tenta entender o segmento evangélico, que é o grupo social que mais cresce no país e poderá formar maioria em termos religiosos nas próximas décadas e busca essa compreensão a partir de duas visões opostas. Seria o rebanho conservador ou progressista?
Marcada por posturas controversas de seus membros, a bancada evangélica é descrita a partir de uma pecha pregada por quem se opõe ao conservadorismo, e assim, é sempre usada como ilustração do que seria uma tragédia nacional se os evangélicos alcançassem uma posição de ainda mais influência social.
O portal em português da emissora alemã Deutsche Welle (DW) publicou uma matéria sobre as visões opostas de duas lideranças evangélicas: o pastor Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC), defensor do conservadorismo e opositor de partidos de esquerda; e o pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), dada Igreja Batista do Caminho, é ligado a movimentos de esquerda como o #342Artes, colunista do Mídia Ninja e defensor do progressismo.
Henrique Vieira vem ficando conhecido por suas declarações politicamente corretas, participações em programas da TV Globo, manifestações de esquerda em geral e declarações controversas a respeito da visão conservadora, à qual se opõe.
“Do ponto de vista da representação institucional, prevalece um conservadorismo comportamental associado a movimentações muito fisiológicas. Em termos de base, é tudo mais difuso e complexo. Pela minha experiência e observação, vejo que há uma maioria conservadora em termos morais. Ainda assim, não colocaria como unanimidade de jeito nenhum”, comentou Vieira em entrevista à DW.
Já para Sóstenes Cavalcante, a ideia que Vieira vende sobre uma visão progressista no meio evangélico não é um retrato fiel do segmento: “Esse pastor não tem representatividade alguma, nem na política, nem no meio evangélico. Aliás, sequer tem fiéis”, criticou.
A DW destacou que Cavalcante é um dos 18 parlamentares que marcou 100% de presença nas votações da Câmara dos Deputados, defende o projeto Escola sem Partido e o “direito à vida”, contra o aborto, assim como a grande maioria dos parlamentares da bancada evangélica.
Confira o posicionamento dos dois líderes políticos de movimentos antagônicos presentes no meio evangélico, embora em proporções claramente distintas:
Segurança Pública
Sóstenes Cavalcante
“Há três pilares para voltarmos a ter uma segurança pública de qualidade, a começar pela valorização do núcleo familiar. Sua desestrutura está levando a sociedade a perder limites e disciplina. O segundo é o abandono do patriotismo. Boa parte da população tem vergonha de ser brasileira hoje, lamentavelmente. Deixamos esse valor de lado e só o reservamos para alguns períodos, como a Copa do Mundo. Por fim, a educação em tempo integral, que alguns colocam em primeiro lugar, embora eu prefira não hierarquizar. Seria outro reforço à prevenção na segurança pública”.
Henrique Vieira
“Costumo dizer que sempre existem respostas simples para perguntas complexas. Invariavelmente, estão erradas. Ante o medo, propostas como pena de morte, redução da maioridade penal e intervenção federal na segurança pública são simplórias e não atendem à complexidade da violência. Apenas trabalham no campo da sensação de segurança momentânea, que, muitas vezes, tem um jogo de poder por trás. Não aposto no caminho da repressão. Do ponto de vista estrutural, é preciso enfrentar a violência da desigualdade social com políticas públicas de garantia de direitos e distribuição de renda. Na própria segurança, defendo a legalização e regulamentação das drogas, a desmilitarização da polícia e um controle rígido, integrado e inteligente do comércio de armas e munições no Brasil”.
Drogas
Sóstenes Cavalcante
Se a legalização ou descriminalização resolvesse o problema das drogas, o Brasil não seria um país campeão em tráfico de tabaco. Esta é a maior prova de que não resolverá o problema. Historicamente, a legalização fez aumentar o consumo nos primeiros anos seguintes em países que legalizaram. Ou seja, iríamos agravar um problema de saúde pública.
Na gestão do José Serra no Ministério da Saúde, decidiu-se encarar o problema do tabaco. Era muito comum as pessoas fumarem em ambientes fechados. O Serra encerrou esse problema com conscientização, prevenção, campanhas publicitárias na televisão e projetos de lei que autorizaram a inserção de imagens educativas nos maços de cigarro. Assim, conseguiu reduzir drasticamente o consumo no Brasil e mudar o conceito cultural.
Para mim, a questão das drogas passa, justamente, pelos pilares da prevenção e conscientização, que mostraram resultado na questão do tabaco. Fazendo isso, poderemos reduzir fortemente o consumo de drogas ilícitas e a violência decorrente desse uso”.
Henrique Vieira
“Eu, como cristão, estou interessado em vida. Esta foi a proposta de Jesus. ‘Eu vim para que as pessoas tenham vida, e vida em abundância.’ Está registrado no evangelho de João. A política de criminalização só gera morte. Tem mais gente morrendo de tiro do que de overdose.
Legalizar e regulamentar significa, na verdade, desarticular o tráfico internacional de drogas ilícitas, tirar do campo do crime e trazer para o campo da saúde e da educação. Dessa forma, é possível interromper essa verdadeira guerra, que, no Brasil, significa massacre de negros e pobres todos os dias.
Cada pessoa vai ter seu discernimento para encontrar um limite e fazer suas escolhas. Eu não posso interditar, arbitrar – acho que o Estado não tem esse dever, até porque a lógica da interdição não reduz –, mas não romantizo o uso.
Reconheço que existe um uso abusivo e que isso precisa ser trabalhado com muita consciência, responsabilidade e exercício de autonomia, tendo a saúde física e emocional como critério. Tudo aquilo que gera vício tende a ser destrutivo. Sendo assim, evidentemente, não é saudável.”
LGBT
Sóstenes Cavalcante
“Tenho um posicionamento, primeiro, constitucional. Há outras minorias no Brasil que, lamentavelmente, são excluídas, por a militância do governo de esquerda ter sido muito intensa pró-LGBTI nos últimos anos. Gostaria que fossem tão lembradas quanto os LGBTI. Não se fala mais nos ciganos no Brasil, assim como nos judeus, que sofreram o Holocausto. Eles também merecem prioridade no debate. Às vezes, esse discurso das minorias acaba ganhando um tom exagerado e desnecessário. No caso do grupo LGBTI, essas lutas tão bem encampadas por eles estão aumentando o tom de agressividade, o que eu lamento muito. O exagero acaba produzindo uma cisão maior nos contrários. Isso não é salutar nem para eles e muito menos para aqueles que radicalizam o discurso por conta de sua luta”.
Henrique Vieira
“A cada 28 horas, um LGBTI é assassinado no Brasil por motivo de ódio. É o país que mais mata, em termos proporcionais e absolutos, trans e travestis: 50% dos assassinatos cometidos contra trans e travestis no mundo acontecem aqui.
Como discípulo de Jesus, que entende o amor como algo absolutamente central e essencial na experiência de Deus, tenho o dever de estar ao lado dessas pessoas, respeitando sua integridade física e emocional, sua liberdade de ser.
Algum fundamentalista vai dizer: ‘a Bíblia condena’. Depende de como você lê a Bíblia. É possível pegar um texto bíblico isolado e fazer doutrina, como já aconteceu, para justificar a escravidão ou naturalizar e defender o nazismo. Muitas vezes, o fundamentalismo fica tão preso ao dogma, à letra, que a pessoa perde sensibilidade. Não consegue mais sentir a dor do outro, ou sequer reconhecer que essa violência existe.
Eu leio a Bíblia a partir de alguns critérios: contextualizando o texto historicamente, tendo Jesus Cristo de Nazaré como filtro de interpretação e reconhecendo que a dignidade humana é fator fundamental para eu lê-la e buscar princípios eternos.”