Um grupo de ativistas políticos que se identificam como “evangélicos de esquerda” procurou senadores para pedir o voto contrário à aprovação do nome do pastor André Mendonça como novo ministro do Supremo Tribunal Federal.
A principal queixa do grupo é, na verdade, uma demonstração de preconceito e intolerância contra o próprio segmento evangélico e suas diferentes ramificações, como pentecostais, neopentecostais e tradicionais.
A carta enviada aos senadores é assinada pela Frente de Evangélicos Pelo Estado de Direito, ABB (Aliança de Batistas do Brasil), Conic (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), Coalizão de Evangélicos Pelo Clima, (Movimento Negro Evangélico), Evangélicxs pela Diversidade e Cristãos contra o Fascismo.
O grupo acusa o fato de André Mendonça ter sido indicado por ser “terrivelmente evangélico” seria uma ameaça a princípios constitucionais, desconsiderando a laicidade do Estado que, justamente, garante a qualquer cidadão o livre exercício religioso, incluindo a liberdade de não praticar nenhuma religião.
De acordo com informações da jornalista Mônica Bergamo na Folha, os ativistas de esquerda dizem que a indicação de André Mendonça ocorreu “em circunstância absolutamente estranha aos requisitos da carta constitucional, vinculada a uma particularidade do presidente da República”.
“Desde o início do processo, o chefe do Executivo estabeleceu abertamente como requisito essencial ser ‘terrivelmente evangélico’. Fato que fica comprovado pela forma como lideranças evangélicas que representam as elites político-econômicas do segmento hegemônico do evangelicalismo vêm deixando claro através de lobby direto e indireto junto ao presidente da República e aos senadores e senadoras da República”, diz a manifestação dos “evangélicos de esquerda”.
A nomeação de um jurista para o STF é, segundo a Constituição Federal, uma prerrogativa do presidente da República. A livre escolha do presidente deve atender aos seguintes requisitos: ter idade acima de 35 anos e inferior a 65 anos, possuir notável saber jurídico e reputação ilibada.
A partir desses critérios, o chefe de governo tem liberdade para escolher com critérios subjetivos, que envolvem, inclusive, afinidade de pensamento político.
Em mandatos anteriores, Michel Temer (MDB) indicou Alexandre de Moraes, que era seu ministro da Justiça; Dilma Rousseff (PT) indicou Luiz Edson Fachin, acadêmico entusiasta do Movimento Sem-Terra e cabo eleitoral da ex-presidente em 2014; Lula (PT) indicou o antigo advogado do Partido dos Trabalhadores, José Antônio Dias Toffoli.
O grupo de “evangélicos de esquerda” ignora esses fatores e se coloca contra a liberdade religiosa ao reprovar as citações bíblicas feitas por André Mendonça “para defender a liberação de cultos religiosos, à revelia de sua própria tradição teológica que valoriza uma relação individual e subjetiva com Deus em detrimento da mediação ‘templos feitos por mãos humanas’, conforme confissão primeiro dos pais da igreja e mais tarde dos reformadores”.
O pastor, segundo os ativistas, “apresenta uma clara e inequívoca plataforma cujo tipo de engajamento religioso coloca em risco inúmeras conquistas da cidadania brasileira”.
Essa acusação velada de uma eventual ação inconstitucional futura se evidencia no trecho seguinte: “Não há dúvida de que as possíveis decisões institucionais do postulante, enviesadas por acordos confessionais, teológicos e morais escusos à razão democrática poderão suscitar um retrocesso importante aos direitos civis e aos valores laicos garantidos na Constituição”.
O principal argumento do presidente Jair Bolsonaro para escolher um jurista evangélico é que esse segmento da população ainda não possui representantes na Corte, que é formada por dois judeus e sete católicos. A ministra Rosa Weber não fala publicamente sobre sua crença.
A carta dos “evangélicos de esquerda”, sem ter como fazer objeção a essa constatação, recorre a um desvio de propósito, explicitando sua ótica de sociedade dividida por classes: “Mendonça representa tão somente uma pequena parcela do campo evangélico no Brasil. Uma parcela que não é representativa do ponto de vista da diversidade e pluralidade dos evangélicos e evangélicas de todo o Brasil que é em sua maioria, segundo dados do IBGE, negra, feminina e pobre – características bem distintas do candidato”.