O plano de governo adotado por Fernando Haddad (PT) após substituir Lula na disputa das eleições é semelhante ao apresentado antes da definição do Tribunal Superior Eleitoral quanto à situação do ex-presidente, preso por corrupção e lavagem de dinheiro.
Com diferenças pontuais, o documento publicado pela coligação “O Brasil Feliz de Novo” faz troca dos nomes na disputa pela presidência. Na primeira versão, o PT repetia frases como “Lula vai fazer” e “Lula vai implementar”, e agora, o texto substitui o nome do ex-presidente pelo termo “o governo Haddad”.
No site da coligação há propostas contra o projeto Escola Sem Partido, descrito como “um jeito que acharam de impedir que a escola ensine senso crítico e estimule o livre pensamento aos alunos”, além de exaltações a medidas adotadas pelo PT na área de Direitos Humanos e a reafirmação de priorizar ações junto à militância LGBT: “Não são minorias, são novos direitos”, diz um dos artigos.
Autoritarismo
O autoritarismo embutido no plano de governo proposto pelo ex-presidente, e agora abraçado por Haddad, é demonstrando na declaração de que há intenção de combater oposições políticas, além de prever uma reforma no currículo educacional para excluir as aulas de História, importante ferramenta usada para expor o fracasso do socialismo e comunismo mundo afora.
A imprensa livre é um dos maiores incômodos de Lula desde sua passagem pelo Palácio do Planalto. À época, fez propostas para a criação de um “controle social da mídia”, que na prática, limitaria a atuação dos veículos de imprensa de pequeno, médio e grande porte.
O plano de governo do PT prevê a criação de “um órgão regulador com composição plural e supervisão da sociedade”, repetindo a mesma ideia de interferência estatal em uma atividade que, ainda, tem liberdade e respaldo legal, permitindo a existência de veículos com diferentes orientações ideológicas, à direita e à esquerda.
O documento diz ainda que “regulação e políticas para o setor devem garantir a soberania econômica, cultural e política nas comunicações”, reiterando a imposição do Estado sobre a atividade.
Nova Constituição
Ao propor uma nova constituição, com a assembleia constituinte sendo “unicameral”, Lula afirma na prática que pretende limitar o Poder Legislativo no que se refere ao debate sobre o tema na Câmara dos Deputados e Senado.
“Construiremos as condições de sustentação social para a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, livre, democrática, soberana e unicameral, eleita para este fim nos moldes da reforma política que preconizamos”, diz o texto.
A Constituição de 1988 foi debatida entre integrantes das duas Casas (Câmara dos Deputados e Senado), garantindo que o debate fosse amplo.
Com o histórico do PT de compra de votos no Poder Legislativo, como nos escândalos do mensalão e petrolão (este segundo investigado na Operação Lava-Jato), surge a desconfiança que uma eventual nova Constituição seria tão autoritária quanto às impostas pelos aliados petistas em países como Bolívia e Venezuela.
Essa desconfiança se confirma em uma afirmação do próprio plano de governo: “A refundação democrática liderada por Lula implicará mudanças estruturais do Estado e da sociedade para restabelecer o equilíbrio entre os Poderes da República”, diz o texto.
Ingerência no Poder Judiciário
O fim da independência da Justiça é pregado de forma aberta no documento, que afirma ser “necessário” um “controle social na administração da Justiça”, o que colocaria juízes e desembargadores à mercê das vontades políticas de quem tiver o poder de indicar os nomes para os comitês de controle administrativo do Poder Judiciário.
A visão autoritária é reiterada na ideia de ditar o limite da atuação de conselhos nacionais, mais uma vez sugerindo ingerência: “Repensar o papel e a composição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e instituir ouvidorias externas, ocupadas por pessoas que não integrem as carreiras, ampliando a participação da sociedade para além das corporações do Sistema de Justiça”.
Progressismo
A ditadura de pensamento se faz presente no plano de governo de Fernando Haddad, ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, com a proposta de fazer o Estado um inimigo de quem possui visão ideológica diferente dos partidos de esquerda. O documento fala abertamente em institucionalizar o combate ao pensamento conservador, ao propor ações estatais “contra o racismo, o machismo, a LGBTIfobia, a intolerância religiosa e o avanço do conservadorismo no Brasil”.
Há também a declaração da intenção de exercer uma espécie de tutela sobre o povo, com o texto sugerindo que o eventual futuro governo irá fazer a “qualificação da democracia” a partir de programas e ações sociais, que promoveriam “de maneira inequívoca a universalidade, integralidade e intersetorialidade dos direitos humanos […] a democratização do poder político e qualificação da democracia”, frisa o documento.
Ideologia de gênero
O conjunto de propostas petista sugere ainda maior imposição estatal nesse tema, ao apontar a criação de “um Sistema Nacional de Direitos Humanos, articulado […] sobretudo, com os movimentos sociais e sociedade civil organizada”.
As ações atuais de ONGs militantes que ditam temas sociais passariam a ser vindas do governo, com novos ministérios: “O governo Haddad recriará, com status de ministério, as pastas de Direitos Humanos, Políticas para as Mulheres e para Promoção da Igualdade Racial, reconhecendo que a igualdade de gêneros e a igualdade racial são traços estruturantes de nosso projeto de democratização da sociedade brasileira”.
A ideologia de gênero se faz presente, também no tópico ligado à educação, já que o PT propõe a retomada da discussão nas escolas: “No ensino fundamental, serão realizados fortes ajustes na Base Nacional Comum Curricular, em diálogo com a sociedade, para retirar as imposições obscurantistas”.
No pensamento progressista, o que se define como “obscurantista” é tudo que se opõe às liberdades sexuais, aborto, repressão às drogas e valorização de conceitos conservadores. Atualmente, a ideologia de gênero foi excluída da BNCC pelo governo Michel Temer (MDB) e confirmada pelo Conselho Nacional de Educação.
Além da imposição da ideologia de gênero, a reforma proposta pelo PT exclui a matéria de História das prioridades na educação: “A nova base garantirá aos estudantes educação integral, por meio de projetos pedagógicos que, a exemplo dos Institutos Federais, permitam o acesso ao estudo do português e da matemática, aos fundamentos das ciências, da filosofia, da sociologia e das artes, à educação física, à tecnologia, à pesquisa, em integração e articulação com a formação técnica e profissional”.
Essa exclusão da História não é uma proposta inédita da parte do PT. Em janeiro de 2016, quando Dilma Rousseff (PT) ainda era presidente, o professor e historiador Marco Antonio Villa denunciou que o projeto apresentado pelo Ministério da Educação queria excluir a história do cristianismo e outros pontos imprescindíveis da sociedade ocidental do currículo escolar.
Aborto
O plano de governo de Fernando Haddad mantém a radicalidade do documento apresentado inicialmente por Lula na questão do aborto. O texto troca a palavra que traduz de forma objetiva a interrupção da gravidez por “direitos sexuais e reprodutivos”.
O texto menciona o conceito de Estado laico para fazer alusão à objeção religiosa ao aborto, como se a oposição ao tema não tivesse fundamentações filosóficas e jurídicas: “Fundado no princípio constitucional da laicidade do Estado, promoveremos a saúde integral da mulher para o pleno exercício dos direitos sexuais e reprodutivos e fortalecerá uma perspectiva inclusiva, não-sexista, não-racista e sem discriminação e violência contra LGBTI+ na educação e demais políticas públicas”.
Ainda no campo da educação, o documento propõe ainda a criação de um programa chamado Transcidadania, para oferecer “bolsa de estudos a pessoas travestis e transexuais em situação de vulnerabilidade”.
Legalização das drogas
O plano de governo de Haddad e Manuela D’Ávila (PCdoB), candidata a vice, sugere a legalização das drogas sem rodeios, afirmando que a “repressão às drogas é equivocada, injusta e ineficaz”, e que por isso, o “país precisa olhar atentamente para as experiências internacionais que já colhem resultado positivos com a descriminalização e a regulação do comércio”.
Dois casos de países que legalizaram a maconha, por exemplo, são Uruguai e Holanda, mostram que essa medida não rende bons frutos. No vizinho sul-americano, a violência ligada ao tráfico não diminuiu, e no país europeu constatou-se a consolidação de um “narcoestado“, com discussões sobre medidas para reduzir tiroteios à luz do dia e disputas territoriais para o comércio da droga.
Confira a íntegra do plano de governo de Fernando Haddad (PT) neste link.