Às vésperas do feriado da Páscoa, o mais significativo para a cristandade, foi lançado no Brasil o livro de um escritor ateu, apóstata do Evangelho, que alega que Jesus Cristo nunca existiu e que a Bíblia mostra pistas disso.
David Fitzgerald, historiador e ativista ateu, é um norte-americano que foi cristão protestante mas perdeu a fé, e usou teorias de supostas contradições nos Evangelhos de Mateus, Marcos Lucas e João para criar uma lista de “mitos”.
O livro Nailed: Dez Mitos Cristãos Que Mostram Que Jesus Nunca Sequer Existiu foi lançado em formato e-book. O termo “nailed” é uma expressão em inglês que, na interpretação literal, significa “pregado”, mas é comumente usado como uma expressão para enigmas ou problemas solucionados.
De acordo com informações do jornal Folha de S. Paulo, Fitzgerald ignora o consenso entre os estudiosos atuais quando argumenta que nenhum historiador da época de Jesus obteve informações independentes sobre ele.
A explicação que se dá – e que o ateu desconsidera no livro – é que, no início, o cristianismo não tinha volume social que motivasse um historiador tradicional a documentá-lo.
Outro ponto que os pesquisadores modernos concordam é que as poucas menções a Cristo em textos não cristãos teriam sido forjadas ou derivadas dos próprios seguidores do cristianismo, o que colocaria sua confiabilidade em suspeita grave. E Fitzgerald também ignora isso para criar sua lista.
Flávio Josefo, considerado o mais importante historiador contemporâneo a Jesus, nascido em 37 d. C. e morto 43 anos depois, era judeu e deixou obras com duas citações a Jesus. Uma delas, mais abrangente, sofreu adulterações por copistas (espécie de bibliotecários que produziam cópias manuais dos textos).
As adulterações do trabalho de Josefo tinham como objetivo dar a entender que o historiador judeu via Jesus como o Messias, mas a maioria dos historiadores salienta que, por trás da passagem alterada, é possível restaurar uma versão original que também falava de Jesus.
No entanto, Fitzgerald alega que essa obra de Josefo não existiu e que seria completamente fictícia, inventada. Sobre a primeira, e menor, referência do historiador, ele sugere que os copistas cristãos também teriam inventado o trecho em que se fala de Tiago, “irmão de Jesus, chamado Cristo”.
Paulo
Em outro ponto, o escritor ateu diz que o relativo silêncio do apóstolo dos gentios, Paulo, em relação a Jesus em suas cartas escritas entre os anos 40 e 60 do primeiro século, é algo que seria prova da não existência de Jesus.
Em suas cartas, Paulo menciona pouquíssimas vezes a vida de Jesus e seus ensinamentos, e para Fitzgerald, essa é uma indicação de que o Cristo no qual ele cria seria uma figura cósmica, celestial, e que sua convicção havia surgido de sua experiência mística a caminho de Damasco e do estudo da Torá.
Sobre a afirmação de Paulo sobre o Jesus “nascido de mulher [e da] estirpe de Davi segundo a carne”, o escritor ateu lança uma tese conspiratória que se baseia em especulações.
“Por que Paulo precisa mencionar isso, afinal? Você só precisa dar esse tipo de detalhe se estiver falando de um semideus. Além do mais, nesses dois casos, ele usa a palavra grega ‘guenômenos’, que não quer dizer ‘nascido’, mas algo como ‘feito’. Em suas cartas, Paulo nunca usa essa palavra para se referir a um nascimento humano normal. O uso desse termo incomodou tanto os antigos cristãos que há manuscritos nos quais ele foi trocado pela palavra que normalmente significa ‘nascido'”, argumenta.
Constrangimento
No estudo da história há um critério chamado “constrangimento”, que propõe que ninguém em sã consciência inventaria informações potencialmente constrangedoras sobre a origem e trajetória de uma figura admirada. Quando há referências ou informações que se encaixam nesse perfil, os estudiosos consideram razoável admitir que aquilo realmente aconteceu.
Nesse contexto, há fatos “constrangedores” sobre Jesus, como seu nascimento em Nazaré, uma cidade insignificante à época; seu batismo por João Batista, alguém visto com reservas pela sociedade; e sua morte na cruz, uma punição que era reservada a criminosos e subversivos sem prestígio social nenhum. No critério do “constrangimento”, os historiadores acreditam que tais fatos são reais.
O ateu Fitzgerald, novamente, vai contra o consenso entre os maiores especialistas e afirma que tais dados foram sim inventados no Evangelho de Marcos.
“Ao contrário de nós, Marcos claramente não se sentia constrangido em relação aos elementos de sua história. Tal como Paulo, ele achou todos os elementos de que precisava nas Escrituras hebraicas, e partir deles criou a alegoria do homem fiel que foi adotado por Deus em seu batismo e foi ressuscitado e exaltado por Deus por sua obediência”, conclui.