O Irã é uma teocracia que, em tese, permite a existência da fé cristã em seu território, mas com tantos obstáculos legais, na prática o que ocorre é uma feroz perseguição aos seguidores de Jesus. Por isso, a maioria das igrejas é tida como “clandestina”, mas isso não tem impedido seu crescimento.
Há um cenário de instabilidade no Irã causado por protestos após a morte da jovem Mahsa Amini, que morreu sob custódia da “polícia da moralidade” iraniana por não usar um hijab adequadamente. Nesse contexto, um pesquisador especialista em Oriente Médio afirmou que há um crescimento “surpreendente” da igreja clandestina no país.
Diante da oportunidade, tradutores da Bíblia estão a arriscar as suas vidas para levar o Evangelho aos dialetos locais, para que os seus amigos e vizinhos possam ter acesso à Palavra escrita de Deus pela primeira vez.
Segundo informações do portal The Christian Post, a agência de tradução unfoldingWord tem sido peça chave no trabalho dos cristãos no Irã para a tradução nos dialetos locais. Evan Thompson (pseudônimo por razões de segurança), um dos integrantes da agência, concedeu entrevista relatando a ação.
“Há 1,45 bilhão de pessoas no mundo que falam cerca de 5.500 línguas que não têm a Bíblia inteira em suas línguas maternas. […] A Igreja se expandiu exponencialmente nos últimos 20 anos. E o que essas pessoas aprenderam é que você pode levar alguém a Cristo, mas se não tiverem uma igreja, não sobreviverão por conta própria”, contextualizou Thompson.
“Você pode começar uma igreja, mas se essa igreja não tiver a Bíblia em sua linguagem central, ela normalmente durará apenas uma geração. O Irã, por exemplo, tem igrejas que operam clandestinamente. E há milhares de igrejas clandestinas em muitos outros países”, acrescentou.
A UnfoldingWord é uma agência missionária fundada há cerca de sete anos que, segundo Thompson, “trabalha com líderes da Igreja em todo o mundo que procuram estabelecer as suas igrejas na sã doutrina, mas não têm acesso a traduções da Bíblia nas línguas que o seu povo fala”.
Os tradutores iranianos
Um exemplo de ação ousada é o caso de duas mulheres iranianas que arriscaram suas vidas para ajudar a traduzir materiais bíblicos da agência do farsi para outros dialetos iranianos, com foco na evangelização.
Ambas as tradutoras da Bíblia optaram por usar pseudônimos para protegerem suas identidades e manter a segurança. Uma delas, identificada como Miriam, contou que entregou seu coração a Cristo depois de perceber que era “filha de Deus”.
Miriam faz parte de um grupo étnico iraniano composto por milhões de nativos. Ela diz que muitas vezes é tratada como uma cidadã de segunda classe e corre risco de morte caso o governo iraniano descubra que ela segue Jesus no país, o oitavo mais hostil a cristãos em todo o mundo de acordo com o estudo realizado anualmente pela Missão Portas Abertas.
“Deus é meu Pai. Sinto-me profundamente honrada por fazer parte deste trabalho de levar a Palavra de Deus ao meu povo”, disse Miriam, que tem filhos e sabe do risco que corre, mas está convicta de continuar a tradução do Evangelho para sua língua materna.
“Não consigo nem imaginar deixar este trabalho inacabado. Devo concluí-lo e ver o resultado. Quero ver meus entes queridos experimentarem a Salvação em Cristo. Este é o meu sonho: que meu povo possa falar sobre Deus e falar Seu nome livremente, sem qualquer hesitação; sem qualquer medo eles podem falar sobre Deus”, enfatizou.
Testemunho pessoal
Miriam foi apresentada ao cristianismo através de um amigo na faculdade que lhe deu um Novo Testamento em farsi. Ela teve que ler a Bíblia sozinha e em segredo, um ato que a deixou sem uma compreensão clara da fé cristã.
Após a faculdade, Miriam casou-se com um membro de uma família estritamente muçulmana. Mas, por mais que tentasse adaptar-se às rígidas práticas religiosas do islã, ela não conseguia encontrar Deus como muçulmana.
Miriam disse que só entregou a sua vida inteiramente a Jesus depois de ouvir falar do Transform, um curso online oferecido no Irã que apresentava os ensinamentos básicos do cristianismo.
Ela assistia às aulas secretamente por meio de diversas plataformas digitais. E durante uma das aulas, ela entregou sua vida a Cristo. Após sua conversão, o marido de Miriam a pegou um dia assistindo a um pastor do ministério Transform Iran na televisão, e não conseguiu esconder de seu marido a verdade sobre sua fé.
“Pela graça de Deus, ele não ficou zangado. Ele disse: ‘Sei que você é uma mulher séria e se isso é importante para você, está tudo bem'”, lembrou Miriam, acrescentando que ele começou a assistir as aulas com ela e muitos meses depois também se entregou a Cristo.
Antes da conversão de seu marido, o pastor da Transform Iran perguntou-lhe se ela se envolveria na tradução da Bíblia por causa de sua experiência em um dialeto local, e ela aceitou a missão mesmo com o risco inerente de morte:
“Não estamos autorizados a estudar nossas línguas maternas nas escolas públicas iranianas. Esta é uma limitação para o nosso povo. Tenho esta especialidade e experiência linguística, este conhecimento para poder ajudar o meu próprio povo. Pessoas como a minha mãe podem ler este livro”, explicou Míriam.
“Tenho uma Bíblia em farsi e posso lê-la. Mas não consigo entender os conceitos mais complicados dela porque o farsi não é minha língua materna. Não consegui estabelecer uma relação com a Bíblia em farsi. Sou muito fluente em farsi. Estudei muito e tive ótimos professores. Mesmo assim, não consigo estabelecer uma relação com a Bíblia em farsi”, reiterou.
“E quanto a outras pessoas que não têm minhas vantagens educacionais? Minha família e amigos? Ter o Evangelho na linguagem do meu coração torna muito mais fácil falar com minha família sobre Jesus. Eles podem entendê-Lo e aceitá-Lo facilmente”, concluiu.
‘Jesus me alimentou’
Outra tradutora da Bíblia iraniana que usa o pseudônimo Stella entregou-se a Jesus após perder o marido para um câncer. Ela ficou sozinha com o filho, e encontrou paz e esperança em Deus.
“Deus me ajudou. O nome de Jesus Cristo estava em minha vida. Eu não precisava de ninguém. Jesus me alimentou, me vestiu e me deu paz”, disse ela, que aprendeu sobre a fé cristã lendo a Bíblia traduzida para o persa, o que a permitiu compreender que o cristianismo é um relacionamento com Deus.
“Quando eu era uma nova convertida, pensava: ‘OK, vou simplesmente mudar de religião’. Mas, quando conheci o Espírito Santo, entendi que isso é um relacionamento, não uma religião”, disse ela, que atualmente trabalha para traduzir a Bíblia para sua língua materna.
Ao longo de cinco anos, ela trabalhou para traduzir e contou com a revisão de sua família. Agora ela integra um grupo maior de tradução, o que permite um grau de organização maior e resultados mais rápidos.
“Eu amo minha língua materna. Estou contando a poesia; escrevo o contexto. Eu escrevo a frase. Eu gravo. […] Eu sei que tudo isso é obra de Deus para nós. Deus quer que façamos isso. […] Eu fico pensando na minha mãe, no meu pai, na minha infância. E em todos que não têm isso agora. Quero muito levar Deus para minha cidade e para o meu povo”, concluiu.