A conclamação feita pelo presidente Jair Bolsonaro à comunidade internacional para combater a cristofobia ao redor do mundo, durante seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, repercutiu em solo brasileiro, com comentários de formadores de opinião criticando a postura do mandatário.
Uma das matérias que repercutiu a fala do presidente, produzida pelo jornalista Leandro Machado e veiculada pela BBC Brasil, tentou interpretar a declaração de Bolsonaro como se a menção a cristofobia se referisse única e exclusivamente ao território nacional, ignorando que a menção ao tema foi feita numa frase que se referia à humanidade como um todo.
“A liberdade é o bem maior da humanidade. Faço um apelo a toda comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia”, disse o presidente, indicando que estava apontando os casos de perseguição extrema enfrentados por cristãos em países onde esse grupo é minoria.
Em outros trechos de seu discurso, o presidente Bolsonaro já havia indicado a abordagem de temas que excedem as fronteiras, como por exemplo, a fala que posiciona o Brasil como responsável por apenas 3% da emissão de carbono, apesar de figurar entre as dez maiores economias do mundo. Uma comparação que rebate a ideia de que o país não tem política ambiental e que se comporta de maneira muito mais disciplinada que os demais.
O contexto
Cristofobia é um termo que se difundiu entre cristãos para se referir a casos recorrentes de perseguição em diversos países, como os relatos de supressão da liberdade religiosa ou mesmo violência aguda no Oriente Médio, Ásia e África.
A Missão Portas Abertas, que envia missionários e presta assistência a cristãos sob perseguição religiosa, anualmente divulga uma lista de 50 países onde os fiéis a Jesus Cristo mais sofrem. Esse ranking é elaborado a partir dos relatos de casos de censura e/ou violência. Os atuais líderes da lista são Coreia do Norte, Afeganistão, Somália, Líbia e Paquistão.
“Definimos perseguição quando o cristão experimenta, como resultado de sua identificação com Jesus Cristo, atitudes hostis, ações sistemáticas de cerceamento da liberdade, encarceramento, hostilidade verbal e violência do Estado e da família”, disse Marco Cruz, secretário-geral da Portas Abertas no Brasil.
Cruz foi entrevistado por Leandro Machado para interpretar a fala de Bolsonaro sobre cristofobia no contexto brasileiro, e afirmou que o país não enfrenta uma crise de perseguição como a registrada em outros países, o real foco da declaração do presidente no discurso. “Há casos isolados de preconceito, mas, no nosso contexto, não consideramos que exista no Brasil uma perseguição estruturada e sistemática contra cristãos, como em outros países. Nós podemos expressar nossa fé livremente, ninguém é expulso de algum local por ser cristão, nenhuma pessoa morre ou é presa no Brasil por ser cristã”, disse.
Outro ouvido pela reportagem foi o pastor batista Levi Araújo, defensor da ideologia de esquerda na política. Ele entende que não existe cristofobia no Brasil, mas que há certo grau de preconceito: “O que existe é ignorância, generalizações e preconceitos obtusos contra os evangélicos, e isso está custando caro para todos os brasileiros, evangélicos ou não, além de fortalecer os ‘terrivelmente evangélicos’, que são a maioria em nosso segmento”, afirmou.
Os fatos
Magno Paganelli, doutor em história social pela Universidade de São Paulo (USP), também foi ouvido na reportagem e cobrou coerência nos critérios para se definir se há ou não cristofobia no Brasil. Ele disse que se o rigor for o mesmo aplicado a casos de preconceito contra outros grupos, como no “conceito de islamofobia, LGBTfobia e afins”, pode-se afirmar que há cristofobia em território nacional.
Em sua avaliação, há cristofobia dentro dos setores acadêmicos, corporativos e de imprensa, como por exemplo, nos casos das nomeações dos ministros Milton Ribeiro (Educação) e André Mendonça (Justiça), além do presidente da Capes, Benedito Guimarães Aguiar Neto: “Todos eles têm forte e admirável formação acadêmica e trajetória reconhecida em seus setores de atividade, mas a comunidade científica e os especialistas de plantão destacaram crenças pessoais e filiação religiosa. Isso é cristofobia explícita que precisa ser reconhecida e combatida”, enfatizou Paganelli, desmontando a ideia de que a fala do presidente seja inadequada se apenas o cenário nacional for avaliado.
“Evangélicos, especialmente os pentecostais, sempre foram chamados de povinho ignorante e de ‘vômito de satanás’. O que fizeram? Foram para a universidade, preocuparam-se com suas carreiras até em detrimento do que a fé em suas igrejas previa. Mas hoje se deparam com preconceito cultural e religioso, porque o grupo X e Y é que devem ser pesquisados nas ciências sociais, uma vez entendido que ‘cristãos historicamente’ foram os responsáveis por tal e qual problema social e, portanto, não precisam ter voz”, acrescentou.
Ao final, o professor Renan Quinhalha, docente de Direito na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), terminou por dar razão ao sentido real que Bolsonaro imprimiu em seu discurso: ”É evidente que cristãos são perseguidos em outros países, mas isso não acontece no Brasil, onde eles são a esmagadora maioria”.