Homem de confiança do técnico Dunga, com quem conquistou o Mundial de 1994, nos EUA, Jorginho também foi alvo de polêmicas durante a Copa da África do Sul e teve sua imagem associada ao fracasso da seleção brasileira. Duas semanas após a eliminação do time nas quartas de final, o ex-auxiliar ainda não conseguiu digerir a derrota para a Holanda por 2 a 1 e o fim precoce de um projeto iniciado em agosto de 2006.
Nesta entrevista ao Estado, por telefone, ele declarou que vai levar tempo para se recuperar do baque. Firme em suas convicções, Jorginho pediu respeito à sua opção religiosa e fez um desabafo: “Eu sou cristão, não sou bandido. Eu quero que minha fé seja respeitada. Vivemos num País com liberdade religiosa. As pessoas têm de me respeitar.”
A sua contrariedade se deve, em parte, à reclamação do observador técnico Jairo dos Santos, duas vezes campeão mundial com o Brasil, ao blog do jornalista Juca Kfouri, de que foi substituído na seleção “por alguém com muita experiência evangélica” e membro da igreja de Jorginho. Ele se referia a Marcelo Cabo, olheiro da equipe no Mundial.
“Ele (Cabo) esteve lá, porque é competente e não porque é cristão. A escolha foi minha, mas a palavra final foi do Dunga. Não tomei nenhuma decisão sem a autorização do Dunga”, comentou o ex-lateral-direito da seleção tetracampeã mundial em 94. “Se a gente ganhasse, não haveria nada disso. O Jairo (dos Santos) não apareceria e não haveria tanta contestação.” Jorginho também não gostou nada de ser apontado por pessoas ligadas à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) como o mentor de quase tudo o que ocorreu de errado na concentração da seleção na África do Sul. “Nesse momento, sempre vão buscar um culpado. Eu ser o mentor de qualquer coisa é um desrespeito comigo e com o Dunga, que é um líder nato.”
Depois do desembarque tumultuado no Rio – vindo de Johannesburgo -, em que foi hostilizado e deixou o Aeroporto Internacional Tom Jobim escoltado por policiais militares, Jorginho descansa ao lado dos familiares e pretende, em breve, voltar a trabalhar como técnico. Ele exerceu a função com sucesso em 2006 pelo América-RJ – levou o time à final da Taça Guanabara (primeiro turno do Campeonato Carioca). “Ficamos tristes (com a eliminação da seleção na Copa), mas temos de superar isso.” A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como têm sido os últimos dias? Você procurou se desligar do futebol para descansar um pouco?
Está tudo tranquilo, estou levando a vida naturalmente. Ficamos tristes, mas temos de superar isso.
Já absorveu a eliminação para a Holanda na Copa?
Vai levar tempo. As lembranças ainda martelam a cabeça. Aquela derrota, logicamente, doeu. Não tem como esquecê-la tão rapidamente.
Antes de ser chamado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), você teve ótima passagem pelo América-RJ como técnico. Seu objetivo é retomar a carreira?
Sou treinador, mas aceitei ser auxiliar técnico, porque Copa do Mundo e a seleção brasileira são prioridades, e aí eu tive de dar uma pausa. Mas agora vou recomeçar. A experiência na seleção foi maravilhosa, muito boa, acrescentou muito na minha vida pessoal e profissional. Sem dúvida, aprendi bastante.
O que de mais positivo ficou desses quatro anos em que se dedicou à seleção?
O trabalho foi bem feito. Houve planejamento, tudo muito bem pensado. Toda a ação tem uma reação. Estou falando contigo, você vai escrever, vai editar e as pessoas vão interpretar de forma diferente. Ganhar uma Copa do Mundo não é tão simples. Acidentes acontecem. Tínhamos convicção de que estávamos no caminho certo, fizemos um excelente primeiro tempo contra a Holanda, mas perdemos. Um típico acidente de futebol.
O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, disse em entrevista, após a eliminação do Brasil, que não se pode mudar a rota de um avião no meio do Oceano Atlântico. Ele se referia à comissão técnica que formou em 2006. Como você interpreta essa declaração?
Só tenho de agradecer a ele a oportunidade. Não tenho nada a falar contra ele, nem um “ai”. Foram quatro anos de seleção, uma experiência incrível que me fez crescer como treinador e como homem. Nos momentos mais difíceis, o presidente esteve do nosso lado. Na época em que estávamos em quarto nas Eliminatórias e fomos bronze nos Jogos de Pequim, em 2008, a pressão era grande e ele poderia ter trocado a gente, mas nos manteve. Não guardo mágoa nenhuma. Aliás, ingratidão é uma coisa triste. Sou grato ao Dunga e ao Ricardo.
Mesmo sendo demitido por e-mail pelo site da CBF?
Não tenho do que reclamar. A nossa cultura é de mudar (o técnico). O presidente (Ricardo Teixeira) nunca repetiu (o treinador depois de uma Copa do Mundo).
O observador técnico Jairo dos Santos, duas vezes campeão mundial com a seleção, reclamou publicamente que você preferiu substituí-lo “por alguém com muita experiência evangélica e membro de sua igreja”. Ele se referia a Marcelo Cabo, olheiro do Brasil na Copa da África. Como você reagiu a isso?
Jairo é um grande profissional, tem as qualidades dele. Mas queríamos um relatório (dos jogos) mais simples. Não sou teórico, sou prático. Precisávamos de alguém para discutir as partidas, que tivesse uma excelente visão de jogo. O Jairo fazia relatório de 50 páginas. O Dunga me dizia: “Não aguento mais esse relatório enorme. Não dá.” Soube que antigos treinadores da seleção jogavam o relatório dele fora.
Marcelo Cabo só trabalhou em clubes de pouca expressão e atuou como auxiliar técnico de Marcelo Paquetá na seleção da Arábia Saudita, em 2002. O que o credenciou a trabalhar na seleção?
Ele esteve lá porque é competente e não porque é cristão. A escolha foi minha, mas a palavra final foi do Dunga. Não tomei nenhuma decisão sem a autorização do Dunga. Quando a gente perde, é fácil atacar as pessoas. Eu sou cristão, não sou bandido. Eu quero que minha fé seja respeitada. Vivemos num País com liberdade religiosa. As pessoas têm de me respeitar. Sou um homem de palavra, de caráter.
Como era sua participação nos encontros religiosos na concentração da seleção?
Não participei de nenhuma reunião cristã na África do Sul. Na época de atleta, era diferente. Eu fazia parte, mas como auxiliar técnico, não misturava as coisas.
Você foi apontado por pessoas ligadas à CBF como o mentor de quase tudo o que ocorreu de errado na concentração do time na África do Sul?
Nesse momento, sempre vão buscar um culpado. Quem me conhece, sabe do meu caráter. Eu ser mentor de qualquer coisa é um desrespeito comigo e com o Dunga, que é um líder nato. Sou apaziguador, não sou de tumultuar. Se a gente ganhasse, não haveria nada disso. O Jairo (dos Santos) não apareceria e não haveria tanta contestação. Auxiliar técnico ser mentor é complicado. Tem alguém que quer me prejudicar para soltar uma notícia dessa.
Apesar de defensor da proibição das visitas familiares, você foi um dos primeiros a levar esposa e filhos para o Mundial. Alguns jogadores teriam se sentido traídos. O que diz sobre isso?
Não proibimos ninguém de levar família para lá. A CBF não tinha condições de dar assistência aos parentes (de todos da delegação) e aconselhou, até pelas notícias de violência vindas de lá, que cada um cuidasse dos seus familiares. Não fui o único a agir assim. O Robinho, o médico José Luiz Runco, o chefe de imprensa Rodrigo Paiva, enfim, vários do grupo levaram parentes e tudo caiu só em mim. Sempre tem de ter um culpado.
QUEM É JORGINHO?
Estreou como profissional no América-RJ, em 1983, e no ano seguinte foi para o Flamengo, onde jogou até 1989. Atuou no futebol alemão e japonês antes de voltar para o Brasil e defender o São Paulo, o Vasco e o Fluminense. Como jogador, fez 68 partidas pela seleção, entre 1987 e 1995. Como treinador, só comandou o América-RJ, além de ter sido auxiliar de Dunga na seleção na Copa América de 2007, na Olimpíada de 2008, na Copa das Confederações e na Copa da África.
Fonte: Estadão / Gospel+