O jornalista mexicano Otoniel Martínez, que produziu um documentário sobre a situação de opressão vigente na Nicarágua, uma ditadura governada com mão de ferro por Daniel Ortega, um aliado de Lula (PT) na América latina, concedeu uma entrevista resumindo o que testemunhou no país.
A Nicarágua tem ocupado manchetes internacionais por sua perseguição a cristãos, com prisão de sacerdotes e expulsão de freiras, além do fechamento de emissoras de rádio católicas.
Na entrevista do jornalista mexicano ao programa Os Pingos nos Is, da Jovem Pan News, ele afirmou que “se tivesse que resumir essa viagem seria uma viagem entre a clandestinidade e a paranoia” devido ao clima de opressão que a ditadura impõe.
“Já faz alguns anos que a Nicarágua não permite o acesso de jornalistas internacionais, por isso que nós tivemos que planejar mentalmente [a viagem] como turistas, não como jornalistas”, introduziu Martínez.
A clandestinidade referida pelo jornalista foi detalhada na manobra necessária para entrar no país: “Não pudemos fazer uma viagem direto a Manágua, a capital da Nicarágua. O que nós fizemos foi viajar a São José, capital da Costa Rica, e de lá fomos a Manágua. A maior dificuldade foi atravessar a fronteira terrestre sem que eles descobrissem que éramos jornalistas”.
“Começamos essa viagem, chegamos à fronteira sul da Nicarágua e por duas horas fomos interrogados a respeito do que íamos fazer lá. Este documentário, que se chama Dói Respirar, Nicarágua, é o resultado de nosso trabalho jornalístico ao longo de duas semanas nesse país”, recapitulou.
A comentarista Ana Paula Henkel questionou qual a percepção da população sobre a postura silente do líder da Igreja Católica diante da perseguição declarada e ostensiva de Daniel Ortega a padres e bispos no país, e o jornalista relatou que os católicos locais estão atordoados:
“É curioso que o papa Francisco só se posicionou através do Twitter, onde em duas publicações ele pede que haja diálogo, mas não se pronunciou por outros meios. Chegamos à Nicarágua alguns dias antes de as 18 freiras da caridade serem expulsas, e saímos do país justo quando o segundo sacerdote foi detido. Durante o tempo que lá estivemos, nós visitamos igrejas para colher opiniões, e o que eles respondem é que estão justamente assustados que o papa Francisco não tenha manifestado nenhum apoio ou enviado representantes da Igreja Católica. Eles dizem textualmente que ‘se Daniel Ortega está fazendo isso com a Igreja, o que esperar em relação aos demais?’”, relatou.
O envolvimento de Lula com Daniel Ortega se tornou tema de campanha no Brasil, pontuou o jornalista José Maria Trindade, questionando a Martínez sobre a forma como o ditador conquistou esse poder absoluto:
“Acredito que Daniel Ortega usou duas ferramentas poderosas: uma é o controle absoluto e a outra é o medo. Bastou um dia para eu me dar conta de como a Polícia é a mão dura de Daniel Ortega. Nesta viagem, fomos detidos em duas ocasiões, e em ambas nos detiveram por estarmos gravando com um celular em via pública. Isso é assombroso, porque a ditadura de Daniel Ortega, em seu afã de controlar absolutamente tudo, utiliza a Polícia – que em número tem se multiplicado nos últimos anos – para ter o controle de tudo. Caminhando, nós vimos até sete policiais vigiando uma rotatória. Quando estes policiais nos detiveram, primeiro interrogam e depois tomam os celulares para borrar todo o material. Estou falando de vídeos, fotografias, muitos deles inofensivos, que mostravam praças, monumentos, e sem embargos, os policiais nos detém, interrogam e depois editam o material. É verdadeiramente assustador, me demonstrou como a ditadura de Daniel Ortega tem controlado absolutamente tudo, e daí o medo que a imprensa internacional chegue ao país, como fizemos, e conte uma história diferente da que eles querem contar”.
Guilherme Fiuza questionou a Martínez se há perspectiva aos nicaraguenses de se livrar da ditadura: “É bem curioso, porque o que vemos na Nicarágua é uma ditadura repetida. Daniel Ortega, há 43 anos, chegou a esse país com uma promessa de liberdade, democracia, derrotando [Anastasio] Somoza, uma das maiores ditaduras da Nicarágua, e depois de 43 anos o que Daniel Ortega e sua família estão fazendo é repetir a história”, respondeu.
“Quando eu analiso o material que consegui filmar na Nicarágua e comparo com outros materiais de 43 anos atrás, os discursos são os mesmos. O discurso que a oposição faz, quando você os entrevista, é o mesmo que Daniel Ortega fazia para, em teoria começar uma nova história baseada na democracia. Me parece que as figuras internacionais têm que ser mais contundentes, algo mais determinante em sua posição contra Daniel Ortega. Digo isso porque na última reunião da OEA [Organização dos Estados Americanos], de todos os representantes internacionais quatro se abstiveram de votar contra o regime. Estamos falando de quatro países, dentre eles o México, que não tomaram uma postura. Então, me parece que temos que passar primeiro uma resolução internacional, e segundo, o interesse da imprensa por contar o que esse país está vivendo, para só então vermos uma verdadeira mudança”, acrescentou.
Sobrou liberdade?
“Na Nicarágua não há qualquer tipo de liberdade. E digo porque estive lá por duas semanas retratando como a ditadura opera para manter presos mais de 6 milhões de habitantes. O que eu vivi durante duas semanas não se pode comparar com os milhões e milhões de nicaraguenses estão vivendo todos os dias. Basicamente têm me perguntado como se vive na Nicarágua, e minha resposta se resume a dizer que na Nicarágua não se vive, a oposição trata de sobreviver, porque se você se opõe à ditadura, restam três opções: o exílio, o cárcere ou a morte. E para eles, agora a oposição decidiu trabalhar do exílio ou do cárcere, ou do anonimato. A verdadeira oposição, para que possa dar um testemunho, tem que fazê-lo sob anonimato, em lugares com muitos cuidados de segurança, para que não sejam descobertos e não terminem nas famosas prisões onde ocorrem torturas, ou no exílio, já que são mais de 200 mil pessoas desde 2018 deixaram o país simplesmente porque vivem sob pressão direta do governo. O nicaraguense conta que ser oposição no país significa estar fichado e vigiado pelo governo o tempo todo, sem poder ter acesso a serviços básicos. Então, quando se fala de liberdade, na Nicarágua não se conhece isso”, disse Martínez, em resposta ao jornalista Diogo Schelp.