O jornal Folha de S. Paulo publicou um editorial no sábado (13) em que criticou a postura do candidato à prefeitura de São Paulo, José Serra que estaria se aproximando do “conservadorismo evangélico”. O texto cita a criação de um “kit evangélico”, agenda que que representaria os interesses de igrejas, que, segundo a publicação, desejam tratamento diferenciado para os templos religiosos que ultrapassam os níveis de ruídos exigidos pelas normas urbanísticas.
A questão do kit anti-homofobia, conhecido como kit gay é citada como centro dos ataques mútuos entre os candidatos na atual fase da campanha. O material foi elaborado durante a gestão de Haddad no Ministério da Educação.
O conjunto de materiais audiovisuais gerou protestos de parlamentares religiosos na Câmara que pressionaram a presidente Dilma Rousseff. Dilma acabou por vetar sua distribuição em escolas da rede pública de todo o país. Na época, ela chegou a afirmar que não aceitava “propaganda de opções sexuais”.
O editorial opõe o conservadorismo a uma liderança “moderna e arejada”. Por fim, termina por enfatizar a “preocupante a atitude amistosa de Serra com esses lobbies [religiosos], bem como a disposição de Haddad de também acomodar-se a eles”.
Veja a íntegra do texto opinativo do jornal Folha de S. Paulo:
Editorial: Kit evangélico
A imagem do candidato tucano José Serra já foi mais associada a valores liberais, cultivados por grupos tanto à esquerda quanto à direita do espectro partidário.
Tais valores informam que preferências sexuais e religiosas são assuntos da órbita privada; ao homem público caberia manter equidistância de lobbies que, na defesa legítima de seus interesses, acabam por conferir relevo exagerado a temas da esfera íntima.
Na corrida presidencial de 2010, ao explorar contradição da petista Dilma Rousseff –que se dizia favorável à descriminalização do aborto, mas recuou na campanha de maneira oportunista–, Serra já havia selado uma aliança com o conservadorismo evangélico. Sua atual peregrinação por templos e a aceitação graciosa de apoiadores que flertam com a intolerância indicam um caminho sem volta.
Tal rota pode render-lhe resultado nas urnas, sem dúvida. Pesquisas, como a realizada pelo Datafolha em setembro, indicam que convicções conservadoras são partilhadas por amplos setores da sociedade paulistana. Mas não há como comer do bolo conservador e, ao mesmo tempo, passar-se por liderança moderna, arejada.
Daí um certo cansaço, misturado a frustração, que se nota nos círculos mais liberais. Tanto mais quando um pastor, Silas Malafaia, defende com o espírito de cruzados medievais a candidatura de Serra. “Vou arrebentar em cima do Haddad”, jactou-se o líder religioso.
O pretexto é o famigerado “kit gay”, tentativa desastrada do então ministro da Educação, Fernando Haddad (PT), de produzir um material –de formulação discutível– contra intolerância sexual nas escolas. Como já se tornou hábito no petismo, após o estrago e a grita dos religiosos, recuou-se completamente, e o próprio Haddad tentou desvencilhar-se da proposta.
O “kit gay”, por qualquer ângulo que se olhe, é assunto de somenos na política pública federal. Que dirá na municipal, em que os destinos da ocupação do solo, do transporte, da assistência à saúde e do ensino assumem peso avassalador na lista de prioridades.
Ocupação do solo, aliás, integra o “kit evangélico” real, a agenda de interesses que religiosos apresentam aos candidatos. Desejam tratamento diferenciado para os templos –a fim de que possam ultrapassar os níveis de ruído exigidos de outros estabelecimentos e fixar-se onde e como queiram, a despeito das normas urbanísticas.
É preocupante a atitude amistosa de Serra com esses lobbies, bem como a disposição de Haddad de também acomodar-se a eles.
Por Jussara Teixeira para o Gospel+