O médico cristão Denis Mukwege, conhecido como “Dr. Milagre” por conta de sua atuação em um projeto social no Congo voltado a vítimas de violência sexual, relatou parte de sua experiência durante a cerimônia em que recebeu o Prêmio Nobel da Paz na última segunda-feira, 10 de dezembro.
Mukwege recebeu a premiação em uma homenagem dos organizadores à luta contra a violência sexual como arma de guerra. Além do Dr. Milagre, a ativista yazidi Nadia Murad também foi contemplada. Ela foi uma das mulheres feitas como escravas sexuais pelo Estado Islâmico no Iraque.
Durante a entrega do prêmio, os ganhadores cobraram punição aos abusadores. Denis Mukwege , que atende vítimas de violência sexual há duas décadas no hospital de Panzi, região leste da República Democrática do Congo (RDC) e seriamente afetada pela violência crônica, disse que “a denúncia não é suficiente, é preciso agir”.
Em seu discurso, ele recapitulou alguns dos vários incidentes horríveis com os quais teve que lidar ao longo dos anos no hospital. Seu primeiro paciente em 1999 foi uma vítima de estupro de 18 meses de idade que havia sido baleada em seus genitais.
“Ela estava sangrando muito e foi levada imediatamente para a sala de cirurgia. Quando cheguei, todas as enfermeiras estavam soluçando. A bexiga, os genitais e o reto do bebê ficaram gravemente feridos pela penetração de um adulto”, detalhou o médico cristão, que terminou ficando conhecido como ‘Dr. Milagre’ por conta do sucesso de suas cirurgias reconstrutivas.
“Oramos em silêncio: ‘Meu Deus, diga-nos que o que estamos vendo não é verdade. Diga-nos que é um sonho ruim. Diga-nos quando acordarmos, tudo ficará bem. Mas não foi um sonho ruim. Foi a realidade. Tornou-se nossa nova realidade na RDC”, acrescentou Mukwege.
O hospital de Panzi continua operando há quase 20 anos, cuidando de mais de 3.500 mulheres por ano.
“O que aconteceu e ainda está acontecendo em muitos outros lugares no Congo, como os estupros e massacres em Béni e Kasaï, foi possível pela ausência do Estado de direito, o colapso dos valores tradicionais e o reinado de impunidade, particularmente para os que estão no poder”, disse o obstetra-ginecologista. “Estupro, massacres, tortura, insegurança generalizada e falta flagrante de educação criam uma espiral de violência sem precedentes”, relatou.
A guerra civil instaurada no país é uma situação que precisa ser abordada pela comunidade internacional, cobrou o vencedor do Nobel: “O custo humano desse caos pervertido e organizado foi centenas de milhares de mulheres estupradas, mais de 4 milhões de pessoas deslocadas dentro do país e a perda de 6 milhões de vidas humanas. Imagine o equivalente de toda a população da Dinamarca dizimada”.
“Agir é uma escolha. É uma escolha: interromper ou não a violência contra as mulheres, criar ou não uma masculinidade positiva que promova a igualdade de gênero, em tempos de paz e em tempos de guerra. Se há uma guerra a ser travada, é a guerra contra a indiferença que está corroendo nossas sociedades”, ´sublinhou o Dr. Milagre.
Punição
Já a ex-escrava sexual Nadia Murad cobrou ações práticas que sejam entendidas como justiça: “O único prêmio no mundo que pode restaurar nossa dignidade é a justiça e a punição aos criminosos”, disse Murad, que fugiu do Estado Islâmico mas perdeu a mãe e seis irmãos executados pelos extremistas muçulmanos.
“Nenhum membro do Estado Islâmico foi julgado. Já não estão no Iraque, mas vemos que os estupros continuam como arma de guerra”, lamentou Murad, de acordo com informações do portal G1.