A decisão do Supremo Tribunal Federal que equiparou a “homofobia” aos crimes de racismo está no alvo de parlamentares conservadores. Uma mobilização em torno do assunto já vem sendo realizada tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado.
Desde que o STF encerrou a votação sobre o tema, já foram apresentadas duas propostas sobre o assunto no Congresso, uma em cada casa. Um dos que tem se movimentado é o senador Marcos Rogério (DEM-RO), que é parte da bancada evangélica.
“O Supremo não pode rasgar a Constituição e legislar em matéria penal”, afirmou o senador ao portal progressista HuffPost Brasil. Ele vem costurando um acordo para aprovar um projeto de decreto legislativo, apresentado por ele, que susta os efeitos da decisão do STF.
Parte da insatisfação dos parlamentares se deve à postura “legisladora” que o atual elenco de ministros do STF adotou. Muitos entendem que a Corte extrapolou sua competência. Outro ponto é a brecha para que a liberdade religiosa seja limitada, com imposição de limites de pregação contra as práticas sexuais que não se enquadram no que a Bíblia Sagrada estipula.
Esse segundo ponto de insatisfação constitui a maior preocupação em torno do tema, mesmo com uma salvaguarda estipulada pelo STF, que definiu que religiosos não poderão ser punidos por racismo ao manifestarem suas convicções doutrinárias sobre orientação sexual, desde que as manifestações não configurem discurso de ódio.
Esse “porém” na decisão do STF deixa aberta uma janela de infinitas possibilidades, pois as interpretações possíveis do que configura “discurso de ódio” seriam muito amplas. Até o presidente Jair Bolsonaro (PSL) observou que a decisão poderia ferir a liberdade religiosa.
Num café da manhã realizado com jornalistas no dia 14 de junho, o presidente declarou que a criminalização da homofobia “prejudica o próprio homossexual” pois gera insegurança em empreendedores e empresários, já que agora o temor de um processo em uma eventual demissão é ainda maior.
Pela legislação de crime de racismo – que por enquanto está sendo aplicada a casos de homofobia – negar emprego a um profissional por motivação preconceituosa pode render até 5 anos de prisão e multa, em alguns casos, sem chance de fiança e/ou prescrição.
Política
Nem só os parlamentares eleitos pela bandeira conservadora se incomodaram com a decisão do STF. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), criticou o que considerou uma interferência indevida.
No Twitter, ele afirmou que o Parlamento “não pode aceitar a interpretação de que é omisso” e apesar de reconhecer a necessidade de “defender as minorias”, “o cuidado do legislador também objetiva não provocar um movimento tal que resulte em ação contrária ao que se busca”.
O senador Marcos Rogério, em sintonia com Alcolumbre, segue a mesma linha e afirma que na justificativa de seu projeto de decreto legislativo está destacada que a ideia é “resguardar a competência legislativa do Congresso Nacional em face das atribuições normativas de outros Poderes da República”.
De acordo com o texto, o STF violou o inciso 29 do art. 5º da Constituição, de acordo com o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” e a previsão de que compete privativamente ao Congresso legislar sobre direito penal.
“A matéria constante das referidas ações é objeto de intensa controvérsia”, pontua o texto. ”[Isso] reforça ainda mais a necessidade da retomada da competência desta Casa Legislativa, a fim de aprofundar a discussão e endereçar as polêmicas que envolvem o assunto”, diz a proposta de Marcos Rogério.
O parlamentar faz parte do grupo contrário a equiparar a homofobia ao racismo, conteúdo também de um projeto de lei em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mesmo colegiado que precisaria votar a proposta que derruba a decisão do STF, antes que ela vá para o plenário do Senado.
Em 22 de maio, a comissão aprovou parecer do relator sobre o projeto de lei, Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que inclui discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero na Lei do Racismo. O texto exclui de punição “impedir ou restringir a manifestação razoável de afetividade de qualquer pessoa em local público ou privado aberto ao público” no caso de templos religiosos.
Esse texto não agrada os parlamentares conservadores, e após diálogos entre os parlamentares, Vieira admitiu acatar parte das sugestões apresentadas em emendas para que não fosse considerado crime manifestação de opinião contrária a pessoas LGBT, seja por questão religiosa, filosófica ou política.
Apesar das concessões feitas por Vieira, não houve acordo e não há previsão de quando a votação será concluída na CCJ. “Estamos trabalhando um acordo para um texto que ressalva o que tem que ressalvar num instrumento próprio e não na Lei do Racismo”, disse Marcos Rogério, falando de forma abrangente sobre o problema.
Caso o projeto de lei seja aprovado na CCJ, pode seguir direto para Câmara, se não houver pedido para análise no plenário do Senado.
Enquanto isso, na Câmara, tentativa é alterar Lei do Racismo, já que o deputado Márcio Labre (PSL-RJ) apresentou projeto de lei com essa finalidade. Em sua proposta, há uma observação de que “não se enquadra, nem de forma análoga, em qualquer hipótese e a qualquer tempo, nas tipificações de crime de preconceito de raça ou de cor, a homofobia ou outra forma de orientação sexual”.
Na justificativa da proposta, o deputado pontua que o julgamento no STF foi uma tentativa de reconhecimento de direitos “de um grupo social minoritário cuja prática sexual e modelo de vida desejam estes, seus adeptos, impor-se como nova categoria humana, como uma nova raça, distinta das demais”.
Apresentada em 4 de junho, a proposta está parada. De acordo com o regimento da Câmara, o caminho comum é ser analisada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e por comissões de mérito antes de ser votada em plenário.