A existência de racismo no Brasil é uma das mazelas sociais mais disfarçadas e danosas, e segundo muitos especialistas no assunto, a possibilidade de reverter esse quadro está na educação.
O pastor Marco Davi, dirigente da Igreja Batista em Parque Dorotéia, São Paulo, é mestre em Ciências da Religião e coordenador-fundador da ANNEB (Aliança de Negras e Negros Evangélicos do Brasil), concedeu uma entrevista à revista Ultimato falando sobre o assunto, e para ele, há racismo no meio evangélico.
“Creio que, no Brasil, precisamos elaborar mais o assunto. Precisamos lutar pela reconciliação. Mas para que isto aconteça duas coisas são necessárias e importantes. Primeiro, os negros devem gostar de serem negros. Há uma autoestima baixa entre os negros do Brasil em geral. Muitos têm dificuldades até de discutir o assunto sobre raça. Outros procuram se juntar mais e mais com brancos, não porque acham natural, mas porque têm dificuldades com a sua cor da pele, sua raça […] Sabemos de alguns que nutrem esse sentimentos pecaminosos, o fazem talvez porque não se aceitam como são: imagem e semelhança de Deus”, afirmou Davi.
Segundo o pastor, é preciso que governo brasileiro adote políticas públicas de reparação dos danos causados à população negra durante os séculos de escravidão no país: “Não estou legitimando a postura de ‘coitados’ para os negros, mas sim mostrando que se os brancos não reconhecerem isso, que o Estado brasileiro deve à população negra, não conseguiremos muitas avanços. A reconciliação sem direitos é imposição da injustiça”, pontuou.
Marco Davi diz ainda que a imigração europeia, iniciada no fim do século 19 e impulsionada no século 20 devido às guerras mundiais, prejudicou os negros brasileiros: “Quando os negros estavam prontos e preparados para o trabalho e próprio ganho pessoal e não para seus senhores, o Estado do Brasil criou outras formas de prejudicar os negros, como a lei do ventre livre, o branqueamento que posteriormente se tornou uma política a partir da qual muitos brancos de outros países vieram para cá subsidiados pelo governo. Foi muita covardia. Se o Brasil não reparar isto continuará sob o juízo de Deus”, lamentou o pastor.
A violência é outro fator que atinge mais os negros que os brancos, segundo dados apontados pelo pastor durante a entrevista: “Em todo o país, sete jovens são mortos a cada duas horas. São 82 jovens mortos por dia, 30 mil por ano, todos com idades de 15 a 29 anos. E, entre os jovens assassinados, 77% são negros (somando aqui os pretos e pardos, pelos critérios do IBGE). Isso é muito grave, porque basta ser negro. Ninguém está preocupado se ele é evangélico, do candomblé, ou católico. É negro e ponto […] Isso é uma realidade, e a violência pode atingir também aos cristãos, como já tem acontecido”, frisou.
A preocupação do pastor o atinge também no âmbito pessoal: “Confesso que tenho medo, pois tenho um filho de 18 anos e uma filha de 16. Negros lindos por sinal, estudiosos, dedicados. Quando eles saem, eu fico com muito medo do que pode acontecer. Como cristão e pastor, coloco, é claro, nas mãos do Senhor. Mas digo a Ele que o medo existe, porque moro no Brasil onde os negros – como em outros lugares – são preteridos em muitas coisas. O negro é objeto de violência em primeiro lugar”.
Em sua conclusão, o pastor Marco Davi destaca que o sentimento racista, mesmo que não venha acompanhado de atos discriminatórios, é pecado, e essa verdade deve ser bradada fortemente.
“A igreja brasileira denominou alguns problemas no Brasil como coisas do diabo, tais como: homossexualismo, casamento gay, aborto, etc. Mas tantos jovens negros são assassinados no Brasil e isso nunca foi motivo para levante midiático, campanhas no Youtube, Facebook, televisão , etc. Ou seja, o genocídio aos negros pode continuar, desde que não atinja os dogmas religiosos das igrejas. Mas o que será o que o Senhor Jesus dirá à nossa igreja do Brasil? Racismo é pecado. E quando você que é racista e acha que os negros devem morrer mesmo, não devem nem falar sobre direitos, e devem continuar no seu lugar, estiver lendo este texto, peça perdão ao Senhor e peça a ele que tenha misericórdia de sua vida. Porque talvez você, no juízo final diante do Senhor, o encontre negro. E isso acontecendo, ele dirá “apartai de mim maldito para o fogo eterno”, pois racistas não entram no reino dos céus”, concluiu.