O período eleitoral é marcado por frequentes manchetes na grande mídia associando o eleitor evangélico a alguém manipulável, que segue os conselhos políticos de seus líderes cegamente. De certa forma, há um tom preconceituoso nessas alegações. No entanto, uma pesquisa recente mostra que a postura do evangélico diante da urna não é ditada por nenhum pastor.
O levantamento, realizado durante a última edição da Marcha Para Jesus, em São Paulo, mostrou o que a revista Carta Capital resumiu como “não existe o voto evangélico”. O segmento religioso que mais cresce no país é uma amostra da sociedade brasileira, com indicadores socioeconômicos tão diversos quanto os que o Censo do IBGE costuma mostrar.
Nesse contexto, a pesquisadora e jornalista Magali do Nascimento Cunha – ligada a um dos institutos que realizou a pesquisa – usou seu espaço de opinião no portal da revista de esquerda para tecer considerações sobre os relatório do levantamento, que provou que os evangélicos não são influenciáveis por suas lideranças.
“Não existe voto evangélico assim como não existe um apoio único de evangélicos a algum político ou partido ou um representante que fale pelos evangélicos. São cidadãos autônomos que decidem por identificação com propostas e a partir de sua própria condição social”, constata a pesquisadora.
Segundo Magali, “mesmo diante do apelo de lideranças evangélicas por um candidato evangélico e frente a estratégias de presidenciáveis que trabalham para ‘parecerem’ evangélicos, como Jair Bolsonaro, um número significativo de entrevistados não prefere ou não faz questão que o próximo presidente seja do mesmo grupo religioso”.
Os números realmente apontam nessa direção, apesar da construção de um discurso midiático de que os fiéis são guiados por uma espécie de cajado eleitoral. Mas, ainda assim, Magali do Nascimento Cunha usa uma linha interpretativa que vê bancada evangélica no Congresso com baixa representatividade no segmento, apesar do crescimento numérico nas duas últimas eleições.
“Estes elementos são reforçados pelo fato de a pesquisa indicar que a Bancada Evangélica no Congresso Nacional tem baixo nível de representatividade. Entre os entrevistados, 18,2% dizem não conhecer a bancada e 27,66% afirmam que não se sentem representados por ela. Ou seja, 45,86% não se veem relacionados aos políticos evangélicos eleitos deputados federais e senadores, frente a 28,84% que se declararam representados”, argumenta Magali, sem mencionar os 25,3% restantes que não foram enquadrados na oposição a esse grupo político.
Aprofundando sua análise sobre a independência intelectual do evangélico, a pesquisadora e jornalista pontua que apenas 4,5% declaram escolher candidatos a partir da indicação de pastor, pastora ou da igreja, enquanto 46,81% disseram que decidem o voto por identificação com o discurso ou as propostas de um candidato”.
“Isto significa que a religião não é determinante na escolha. Pode ocorrer de a religião se tornar importante no processo decisório quando candidatos assumem estrategicamente o discurso religioso, predominantemente o conservador, como tem acontecido, para alcançarem as graças de eleitores evangélicos que com eles se identificarem. Elemento importante para pesquisadores e candidatos”, admite.
Para a pesquisadora, a verdade é o oposto do que a grande mídia sugere: “É cada vez mais importante reafirmar que, ao nos referirmos a ‘evangélicos’, não estamos tratando de um grupo homogêneo, coeso. É um segmento muito plural, diverso, com teologias, práticas, costumes, visões de mundo, estruturas organizacionais as mais variadas”.
No entanto, a tendência à esquerda de Magali ressurge ao final de seu artigo, quando seu texto volta a negar alguns fatos do passado recente e das pesquisas de momento, que indicam uma tendência do eleitorado em geral – assim como entre evangélicos – de uma linha conservadora despontar como favorita.
Mesmo com todo contexto, que aponta independência intelectual do evangélico na decisão do voto, a pesquisadora considera “má fé” as avaliações feitas por Magno Malta e Silas Malafaia sobre a possibilidade – reforçada por pesquisas de intençãod e voto – de o eleitor evangélico ser o fiel da balança numa eventual vitória de Jair Bolsonaro nas próximas eleições.
“É um grande equívoco falar de ‘voto evangélico’. Há até casos de má-fé, como na condução de campanhas oportunistas, como a promessa feita por um senador evangélico e por um pastor midiático de que integrantes deste grupo elegerão Bolsonaro”, opina Magali do Nascimento Cunha, na conclusão de seu artigo na Carta Capital.