O Senado decidiu desarquivar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de autoria do ex-senador Magno Malta (PR-ES) que prevê o aprimoramento do texto que garante o direito à vida na Carta Magna. A decisão vem sendo vista como uma reação à decisão do Supremo Tribunal Federal em pautar a votação da ADO 26, que pode terminar censurando aspectos da liberdade de expressão e religiosa a título de criminalizar a homofobia e a transfobia.
O desarquivamento da chamada “PEC da Vida” (PEC 29/2015) é uma medida tomada com a justificativa de que se pretende evitar alterações na legislação que ampliem as situações em que o aborto é permitido.
Segundo informações do jornal O Globo, a “PEC da Vida” é de coautoria de vários senadores, com liderança de Malta. Sua proposta é alterar o artigo 5 da Constituição, que prevê que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito a vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, para acrescentar a frase “desde a concepção”.
A ideia em torno do projeto é impedir que as interpretações do STF incluam mais excludentes na proibição ao aborto. Atualmente, a legislação permite que a gravidez seja interrompida para situações de estupro e risco de morte para mulher, além dos casos em que o feto é anencéfalo, que passou a ter o aborto permitido através de uma decisão da Corte.
O desarquivamento é uma forma de se antecipar ao STF, já que atualmente algumas ações apresentadas na Corte pedem a ampliação das circunstâncias em que o aborto seja garantido. Um julgamento agendado para maio prevê que grávidas infectadas com o vírus zika possam interromper a gestação.
Há ainda a ADPF 442, sem data de julgamento definida, em que o STF analisa o pedido do PSOL para a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.
Revolta
No Senado, os parlamentares não fizeram questão de esconder a insatisfação com a decisão do STF em julgar a ADO 26. Os mais indignados são os ligados às bancadas evangélica e católica, que convergem nos temas relacionados ao aborto e à defesa da liberdade religiosa.
“Aqueles que desejamos o desarquivamento estamos preocupados que esta Casa cumpra fidedignamente seu papel e deixe cada vez mais claro que nós não queremos ir além dos casos previstos na Constituição no caso do aborto. Nós já temos casos em que a Constituição brasileira não ficou tão clara, e o Supremo Tribunal Federal, interpretando a lei, acabou mudando, como é o caso da legislação eleitoral, por exemplo”, comentou o senador Marcio Bittar (MDB-AC).
Rodrigo Pacheco (DEM-MG) também explicitou sua insatisfação com o cenário atual, em que o STF acaba por legislar: “Essa discussão precisa ser feita, quanto a essa alteração ou não da Constituição Federal, porque, se não o fizermos no Senado Federal, o Supremo Tribunal Federal o fará. Então, esse desarquivamento é absolutamente fundamental, para que possam ser ouvidas as diversas opiniões, respeitadas as diversas opiniões, para que cheguemos a um consenso aqui, pela maioria do Senado Federal”.
Seguro contra o retrocesso
A “PEC da Vida”, se prosperar, serviria como uma prevenção contra a possibilidade de ações como as que aguardam julgamento no STF prosperarem na Corte, ampliando os casos em que o aborto é permitido e custeado pelo governo.
“Que o Congresso Nacional possa discutir e analisar o que entende a sociedade, o que quer a sociedade em relação à legalização ou não do aborto. Lembrando que o senador Eduardo Girão (PODE-CE) foi categórico: nós não estamos aqui falando em retroceder e cancelar o que consta no Código Penal das exceções previstas para garantir à mulher o direito de abortar em situações excepcionais. Isso está preservado e continuará preservado”, afirmou a senadora Simone Tebet (MDB-MS), citando o colega autor do requerimento para o desarquivamento da PEC 29/2015.
O Partido dos Trabalhadores – que nas eleições de 2018 defendeu a legalização do aborto – se posicionou contra a reabertura das discussões sobre o tema. O senador Humberto Costa (PE), líder do partido, disse que “o Brasil tem hoje uma legislação que trata do tema do aborto” e que o país deveria discutir a questão a partir do “entendimento de que é um assunto de saúde pública mais do que de qualquer outra coisa”, repetindo o discurso adotado na ideologia progressista.