A Igreja Universal do Reino de Deus vem enfrentando uma crise sem precedentes em São Tomé e Príncipe, na África. Desde que um adolescente morreu num dos protestos populares contra a denominação, a situação só se deteriorou, e políticos agora debatem a expulsão da instituição do país.
Todo o problema foi iniciado quando o pastor são-tomense Iudumilo da Costa Veloso foi preso na Costa do Marfim após usar um perfil falso nas redes sociais para denunciar práticas da denominação que entendia serem erradas. A Universal moveu um processo para que as autoridades encontrassem o proprietário do perfil falso, acusando-o de promover fake news, e o autor – pastor da própria igreja – foi descoberto e preso.
Veloso virou pastor da Universal em seu país natal, mas foi transferido há 14 anos para a Universal da Costa do Marfim. Em seus textos publicados no perfil falso, ele acusava a denominação de privilegiar pastores brasileiros e discriminar os sacerdotes africanos.
Além disso, apontava uma denúncia recorrente contra a Universal: a imposição da realização de vasectomia, para que os pastores não tivessem filhos e pudessem se dedicar integralmente à denominação fundada pelo bispo Edir Macedo.
Em algumas de suas publicações com a conta falsa, Veloso afirmava que os pastores e bispos brasileiros da Universal se apropriavam de dízimos, além de terem o hábito de “humilhar, insultar, esmagar e escravizar os [pastores] africanos”.
Expulsão
“Éramos muito pacientes, humildes demais, educados demais. Agora é hora de agir sem piedade!”, diz um dos textos de Veloso.
Diante disso, o Parlamento de São Tomé e Príncipe está discutindo a expulsão da Universal do país, segundo informações da BBC.
A parlamentar Alda Ramos, uma das principais líderes da oposição, disse que a Universal deveria repatriar o pastor preso em Costa do Marfim ou lidar com as consequências da revolta popular: “Acionaremos outros mecanismos para não existir mais esta igreja cá em São Tomé e Príncipe”, disse ela.
Estima-se que 2% da população são-tomense frequente a Universal. O país, ex-colônia portuguesa, tem no catolicismo a principal religião, com 55,7% da população adepta à denominação romana.
O embaixador brasileiro em São Tomé e Príncipe, Vilmar Júnior, estava em férias e retornou ao país para tentar apaziguar os ânimos e assim evitar a expulsão da Universal do país. A ameaça também mobilizou a cúpula da igreja no Brasil, que enviou o deputado federal Márcio Marinho (Republicanos-BA), bispo licenciado, ao país para se reunir com autoridades locais.
Marinho disse a jornalistas logo após visitar a Assembleia Nacional, em outubro, que a igreja tinha o interesse “em resolver o mais rápido possível a questão”, e que uma comissão formada por políticos são-tomenses e dirigentes da Universal viajaria à Costa do Marfim para visitar o pastor Veloso e oferecer-lhe suporte.
Imbróglio
A mobilização internacional pela soltura do pastor Veloso resultou em sua libertação, mas ele continua impedido de deixar a Costa do Marfim, segundo sua advogada, Celiza de Deus Lima.
Ela afirmou que o pastor pediu proteção à embaixada de Angola na capital marfinense, Abidjã, por se sentir sob risco e porque não há representação diplomática de seu país na Costa do Marfim. Após conseguir abrigo junto à representação angolana, aguarda a obtenção de autorização para deixar o país.
Na Justiça, Veloso admitiu ser o autor das publicações com perfil falso “porque lhe disseram que, se confessasse, a igreja retiraria a queixa”. Durante o processo, a Universal não respeitou o suposto acordo, manteve a acusação contra o pastor e ele terminou condenado.
Segundo Celiza, o ex-presidente são-tomense Miguel Trovoada teria telefonado ao presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, para tratar do tema e pedir a soltura de Veloso, que se queixa de ter sido condenado num “processo sumário”.
Em sua defesa, a Universal enviou nota à BBC alegando que não denunciou o pastor Iudumilo Veloso, “até porque não sabia quem era o autor” das mensagens críticas à igreja. “Mas foram, sim, praticados os crimes que a Universal denunciou às autoridades da Costa do Marfim, com graves ameaças e ataques sob o anonimato de perfis falsos no Facebook e em contas criadas em aplicativos de mensagens, como o Telegram, conforme comprovou a Justiça do país africano”, afirma a igreja.
Sobre a acusação de que obrigaria seus pastores a fazerem vasectomia, a nota argumenta que essa alegação é “facilmente desmentida pelo fato de que muitos bispos e pastores da Universal, em todos os níveis de hierarquia da igreja, têm filhos”, e acrescenta: “O que a Universal estimula é o planejamento familiar, debatido de forma responsável por cada casal”.