A noite da segunda-feira, 07 de dezembro, foi marcada por um acontecimento inédito na história política da República Federativa do Brasil: o rompimento do vice-presidente com a titular da presidência, através de carta, e de forma contundente. Entre os rompimentos anteriores que se tem notícia, como no caso do falecido Itamar Franco – que rompeu com Fernando Collor às vésperas do impeachment – nenhum foi feito de forma documental.
O vice-presidente Michel Temer (PMDB), reeleito em 2014 na chapa com Dilma Rousseff (PT), endereçou uma carta à mandatária expressando seu “desabafo” em relação à posição “figurativa” a que foi relegado ao longo dos quatro anos do mandato anterior, e ao desfeito em relação aos seus esforços para ajudá-la a contornar o “desprestígio” do governo ao longo do atual mandato.
Elegante, o texto de Temer não diz, de forma expressa, que ele rompeu politicamente com ela. Advogado, o vice-presidente é profundo conhecedor do sistema jurídico brasileiro – é tido como um dos mais brilhantes estudiosos da Constituição Federal de 1988, com títulos publicados – e, dessa forma, quis evitar qualquer acusação de descumprimento de funções atribuídas institucionalmente ao vice.
No entanto, as palavras de Temer não podem ser interpretadas de outra forma: o vice-presidente da República, e presidente do PMDB, rompeu politicamente com Dilma. E as implicações disso podem trazer mais convicção ao andamento do processo de impeachment da presidente.
A iniciativa de escrever uma carta à presidente teria sido motivada pelas recentes declarações de Dilma sobre “ter absoluta confiança” em Temer. Em certo trecho da carta, o vice-presidente demonstrou incômodo com essas declarações e frisou que “desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade”, e completa: “Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos”.
Temer disse ter “ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB”, mesmo tendo sido leal a ela no período em que ambos ocupam os atuais cargos. “Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo. Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% [dos dirigentes do PMDB] votaram pela aliança. E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à vice”, sustenta o vice.
Ao final da carta, Temer define sua postura: “Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção”.
De acordo com informações da rádio Jovem Pan, Temer escreveu a carta em São Paulo (SP), e pediu à sua chefe de gabinete que entregasse o documento pessoalmente à presidente Dilma Rousseff. No entanto, trechos da carta vazaram à imprensa, o que gerou ainda mais desconforto.
Em entrevista ao jornalista Jorge Bastos Moreno, de “O Globo”, Temer confirmou que havia enviado a carta, mas que se frustrou com o vazamento: “Escrevi uma carta confidencial e pessoal à presidente […] Mais uma vez avaliei mal. Desembarquei em Brasília agora à noite e me surpreendi com o fato gravíssimo de o Palácio ter divulgado”, afirmou, contrariado.
Ainda nessa entrevista, Temer voltou a desmentir declarações de ministros de Dilma sobre sua suposta posição contrária ao rito do impeachment: “Eu já tinha me decepcionado quando os ministros Edinho Silva [Comunicação Social] e Jaques Wagner [Casa Civil] divulgaram versões equivocadas do meu último encontro com a presidente […] Eu havia sido comunicado pelo Eduardo Cunha que ele acolheria o pedido de impeachment. Reconheci seu direito de fazê-lo e depois o ministro Jaques Wagner colocou na minha boca a afirmação de que a decisão não tinha lastro jurídico. Constrangido, tive que desmenti-lo. O acolhimento tem sim lastro jurídico”, cravou.
O processo de impeachment contra Dilma, se levado adiante e com decisão favorável, daria a Michel Temer o cargo de presidente até 31 de dezembro de 2018.
Confira a íntegra da carta de Michel Temer a Dilma:
São Paulo, 07 de Dezembro de 2.015.
Senhora Presidente,
“Verba volant, scripta manent”. [As palavras voam, os escritos se mantêm]
Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio.
Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo.
Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.
Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais são as funções do Vice. À minha natural discrição conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional.
Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.
Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança.
E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à Vice.
Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido.
Isso tudo não gerou confiança em mim, Gera desconfiança e menosprezo do governo.
Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.
- passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. a senhora sabe disso. perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. só era chamado para resolver as votações do pmdb e as crises políticas.
- Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários.
- A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.
- No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas “desfeitas”, culminando com o que o governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, Ministro da área, indicara para a ANAC.
Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta “conspiração”.
- Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no momento em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal.
Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários.
Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequencia no governo. Os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60 reuniões de lideres e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação.
- De qualquer forma, sou Presidente do PMDB e a senhora resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma comunicação ao seu Vice e Presidente do Partido.
Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o Deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.
- Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento.
Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio resolveu difundir e criticar.
- Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o Vice Presidente Joe Biden – com quem construí boa amizade – sem convidar-me o que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que numa reunião com o Vice Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio da “espionagem” americana, quando as conversar começaram a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça, para conversar com o Vice Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de confiança.
- Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma conexão com o teor da conversa.
- Até o programa “Uma Ponte para o Futuro”, aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a confiança foi tido como manobra desleal.
- PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso.
A senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo manter cauteloso silencio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade partidária.
Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o País terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais.
Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã.
Lamento, mas esta é a minha convicção.
Respeitosamente, \ L TEMER
A Sua Excelência a Senhora
Doutora DILMA ROUSSEFF
Presidente da República do Brasil
Palácio do Planalto
Brasília, D.F.