As circunstâncias em que a Bíblia Sagrada permite o divórcio são delineadas objetivamente, mas para um influente teólogo norte-americano, os casos de abuso e violência também justificam o rompimento da união.
Wayne Grudem, um líder calvinista respeitado nos Estados Unidos, mudou sua posição para afirmar uma base bíblica para o divórcio em casos de abuso e partilhou a sua nova postura em um grande encontro de estudiosos evangélicos recentemente.
Depois de ouvir exemplos de casais crenças cristãs os levaram a sofrer abuso ao invés de se separarem, Grudem disse que olhou mais de perto as Escrituras para concluir que o abuso pode ser motivo de divórcio, desde que pastores e líderes busquem discernimento de Deus ao aconselhar um casal a essa alternativa.
Essa mudança é uma novidade na postura do teólogo, que em 2018 publicou um livro intitulado Christian Ethics: An Introduction to Bible Moral Reasoning (“Ética Cristã: Uma Introdução ao Raciocínio Moral da Bíblia”, em tradução livre), em que reiterava a visão histórica da maioria dos evangélicos para as duas razões aceitáveis para o divórcio: adultério (Mt 19: 9) ou deserção de um cônjuge incrédulo (I Coríntios 7:15).
“Minha esposa Margaret e eu tomamos conhecimento de alguns exemplos comoventes de coisas como humilhação e degradação sexual severa que continuaram por décadas e outro caso de agressão física que durou décadas”, disse Grudem à revista Christianity Today.
“Em todas essas situações, o cônjuge abusado ficou em silêncio, acreditando que o dever de um cristão era preservar o casamento, a menos que houvesse adultério ou deserção, o que não havia acontecido”, pontuou.
Ele apresentou seu novo trabalho sobre o tema na reunião anual da Sociedade Teológica Evangélica (ETS, na sigla em inglês) em uma palestra intitulada “Fundamentos do divórcio: por que agora acredito que existem mais de dois”.
Divórcio na visão de Paulo
A ideia de apontar o abuso como fundamento do divórcio surge do uso do verbo por Paulo em I Coríntios 7:15, argumentando que o versículo se aplica a um cônjuge que foge de casa para proteção. Mas Grudem anteriormente não estava convencido.
O versículo diz: “Mas se o parceiro incrédulo se separar, que assim seja. Nesses casos, o irmão ou irmã não é escravizado. Deus chamou você para a paz”.
“A maioria dos comentários assume que ‘nesses casos’ se refere apenas a casos de deserção de um incrédulo”, disse Grudem. Mas, após um exame mais aprofundado, o teólogo notou que a frase não aparece em nenhum outro lugar da Bíblia. Grudem analisou 52 usos da frase na literatura grega antiga e descobriu que “nesses casos” geralmente não se refere apenas ao cenário que o escritor já mencionou (isto é, um parceiro incrédulo), mas a cenários semelhantes a esse.
“Esses exemplos me levaram a concluir que em I Coríntios. 7:15, a frase “nesses casos” deve ser entendida como incluindo todos os casos que destroem um casamento da mesma forma”, disse Grudem. Portanto, ele concluiu que o abuso é um desses casos.
No entanto, ele esclareceu que a restauração ainda é o primeiro objetivo quando surge a questão do divórcio. Se o cônjuge abusador é cristão, deve-se buscar aconselhamento e disciplina na igreja, mas se o abuso não parar, um líder da igreja deve considerar que esse pode ser um caso em que a vítima está livre para pedir o divórcio.
Pouco mais da metade dos pastores evangélicos (55%) acredita que o divórcio pode ser a melhor opção em casos de violência doméstica, enquanto apenas 4% dizem que um casal nunca deve se divorciar, mesmo quando a violência está presente, de acordo com uma pesquisa da LifeWay Reseach.
A resposta do público do ETS foi “extremamente positiva e apreciativa”, disse Grudem, que considerou ter recebido poucas objeções. “Uma mulher depois me disse que aconselha mulheres abusadas e chorou de lágrimas ao ler meu esboço. Mais de uma pessoa me disse depois: ‘Eu vim preparado para discordar de você, mas você me convenceu’”, relatou o teólogo.