A ciência fez novas descobertas sobre questões ligadas à transgeneridade e as conclusões sobre o assunto reforçaram a convicção existente até o momento de que não há como provar que pessoas que sofrem de disforia de gênero possuam qualquer diferença biológica inata em relação aos indíviduos que não têm problemas com seu gênero sexual.
A recente pesquisa revelou que algumas atividades cerebrais de indivíduos que acreditam serem do sexo oposto espelham o gênero que eles gostariam de ser. Especialistas que não participaram do estudo, no entanto, afirmam que não é possível definir se essas atividades são frutos de uma diferença inata ou se resultam de escolhas e experiências de vida.
De acordo com o portal britânico Telegraph, o relatório da pesquisa foi divulgado em maio, com informações sobre as análises feitas em aproximadamente 160 voluntários. Os pesquisadores afirmaram que as descobertas abrem possibilidades aos médicos para usarem uma nova ferramenta e assim, oferecerem melhores conselhos logo que a disforia de gênero é diagnosticada.
O método adotado pelos cientistas foi o uso de ressonância magnética para examinar a ativação cerebral ao ser exposto a um esteroide, além de medir a massa cinzenta e a microestrutura da substância branca usando uma técnica chamada “imageamento por tensores de difusão”. No estudo, pessoas de ambos os sexos sem disforia de gênero foram testadas como parte da amostragem de controle, com idades variando entre a infância e adolescência.
O portal The Christian Post ouviu especialistas a respeito das descobertas do estudo que pontuaram que muitas conclusões precipitadas podem ser feitas a partir de uma única pesquisa, mas que é possível afirmar que o estudo recente termina por contradizer pesquisas (usadas para defender a ideologia de gênero) que afirmam que não existem diferenças estruturais nos cérebros de homens e mulheres.
“Apesar das alegações deste estudo recente, um único exame de ressonância magnética não pode ser usado para diagnosticar ‘transgenerismo”, disse Michelle Cretella, presidente da Faculdade Americana de Pediatria. “O problema fundamental é que uma ‘diferença’ cerebral detectada em um único ponto no tempo não pode estabelecer causalidade porque o pensamento e o comportamento são conhecidos por alterar a anatomia, atividade e função do cérebro. Esse processo é conhecido como neuroplasticidade”, acrescentou.
Julie Bakker, a professora que liderou a pesquisa na Universidade de Liège, na Bélgica, comentou as descobertas: “Embora mais pesquisas sejam necessárias, agora temos evidências de que a diferenciação sexual do cérebro difere em jovens com disforia de gênero, como mostram cérebro funcional características que são típicas do gênero desejado”.
O resultado imediato, segundo Bakker, é que agora é possível adotar uma postura mais assertiva no tratamento de pessoas com disforia de gênero: “Estaremos, então, mais bem equipados para apoiar esses jovens, em vez de apenas enviá-los a um psiquiatra e esperar que seu sofrimento desapareça espontaneamente”.
Política
O estudo foi divulgado em meio à intensificação do debate sobre a Lei de Reconhecimento de Gênero no Reino Unido, que a primeira-ministra Theresa May prometeu alterar a fim de permitir que as pessoas mudem de gênero legalmente sem a necessidade de um diagnóstico médico. Segundo a chefe do Executivo britânico, “ser transgênero não é uma doença e não deve ser tratado como tal”.
No entanto, Cretella enfatizou que “todos os estudos sobre o cérebro de um transgênero até hoje, incluindo este, não conseguem refutar o que é mais provável: o fato do indivíduo acreditar que é um transgênero e se comportar como tal muda a aparência e o funcionamento do seu cérebro”.
“Para provar que há um ‘cérebro trans’, os cientistas precisariam fazer exames de ressonância magnética de milhares de bebês selecionados nacionalmente e selecionados aleatoriamente no nascimento e depois em série até a idade adulta, a fim de identificar uma diferença cerebral imutável ao longo da vida dos sujeitos, que está presente apenas na identificação de jovens adultos trans”, explicou, apontando os motivos de o novo estudo não poder ser usado para provar que a transgeneridade é um fator biológico.
Martin Bednar, neurocirurgião e neurocientista, compartilhou sua análise sobre o novo estudo apontando razões similares: “A partir da minha revisão do resumo e vários comunicados de imprensa, é claro que este é um estudo transversal MRI, ou seja, um ponto no tempo, em vez de um estudo longitudinal (múltiplas ressonâncias durante um período de tempo no mesmo indivíduo) para determinar se há ou não mudanças ao longo do tempo, por exemplo, desde o nascimento até o ponto em que a disforia de gênero foi claramente expressa por um indivíduo”, observou Bednar.
“Sem esse estudo longitudinal – e confirmação rigorosa dos dados – é completamente incerto se os resultados são precisos e se as diferenças regionais no cérebro podem ser confirmadas. São essas diferenças relacionadas a diferenças biológicas fundamentais inerentes e imutáveis, ou simplesmente uma consequência da plasticidade cerebral que está invariavelmente associada e é uma consequência de um modo particular de pensar ou agir, como foi publicado várias vezes?”, questionou.
Comportamento
Com um exemplo simplificado, ele aprofundou sua análise citando os motoristas de táxi em Londres que têm “o conhecimento” – uma compreensão do mapa da cidade. Estudos mostraram que os taxistas exibem uma forte relação entre o volume de seu hipocampo posterior (uma região crítica do cérebro para a memória) e a quantidade de tempo em que eles são taxistas.
“Devemos assumir que certos indivíduos nasceram para se tornar condutores de táxi ou é muito mais lógico concluir que seus cérebros continuam a mudar com o tempo, à medida que acumulam mais conhecimento e experiência do complicado mapa das ruas de Londres? Está claro que essas mudanças na estrutura e função do cérebro podem ocorrer de forma muito rápida e surpreendente”, elaborou Bednar.
“Há também o caso de dois grupos de jovens adultos, um dos quais praticava malabarismo com três bolas por 60 segundos e um segundo grupo que não praticava. Apesar de seus volumes cerebrais serem muito semelhantes antes dessa atividade, o grupo que praticou malabarismos por três meses demonstrou um aumento significativo no volume cerebral em duas áreas do cérebro que são importantes para o processamento de informações relacionadas a objetos em movimento”, explicou o neurocientista.
Na contextualização feita por Bednar, ele apontou que a literatura científica do caso dos malabaristas registra que, três meses após a conclusão desta atividade, o grupo que praticava a atividade viu uma redução de 50% no aumento do volume cerebral que estava associado ao malabarismo. Esses estudos e muitos outros destacam a extrema plasticidade do cérebro, particularmente nos jovens, onde os volumes e atividades cerebrais podem ser facilmente afetados por atividades ou comportamento.
“O estudo de ressonância magnética liderado por Bakker simplesmente adiciona confusão ao invés de clareza para o campo”, criticou Bednar. “Um estudo de ressonância magnética cerebral lançado em março pela Escola de Medicina da Universidade de São Paulo também foi citado em comunicados de imprensa recentes como apoiando as conclusões de Bakker. Além disso, é importante ressaltar que o estudo de São Paulo é apresentado como tendo descobertas semelhantes às de Bakker ao demonstrar diferenças na região da ínsula dos cérebros de pessoas trans e cis-gênero. Nenhuma das quatro regiões cerebrais anotadas no estudo de Bakker foi notada no estudo de São Paulo. Na leitura do resumo de Bakker, não há justificativa para o estudo das duas regiões cerebrais mencionadas (duas regiões cerebrais diferentes em meninos cis-gêneros e meninas cis-gênero) – essas áreas foram pré-selecionadas ou simplesmente consideradas diferentes em uma análise pós-estudo?”, questionou.
Bednar expressou mais preocupação com o estudo de Bakker – classificado pelo neurocientista como “falho” – e suas conclusões, apontando para um comunicado de imprensa inverso em que Bakker afirma que “quanto mais cedo se pode começar com o tratamento, incluindo a inibição da puberdade, seguidos por hormônios sexuais cruzados, melhor resultado”.
“Seria interessante conduzir um estudo de RM – estrutural e funcional, conduzido de maneira rigorosa – em que indivíduos com disforia de gênero recebiam psicoterapia e os resultados comparados com indivíduos que continuavam a exibir disforia de gênero e aqueles que não mais”, acrescentou.
“Infelizmente, o uso da psicoterapia tem sido proibido em muitas regiões para meninos e meninas com disforia de gênero, embora o uso de esteroides que tornam esses meninos e meninas estéreis e com grande risco de outras complicações médicas seja rotineiramente usado e incentivado pela sociedade”, concluiu, lamentando a postura de limitação de opções para pessoas com disforia de gênero.