Pedro Bial recebeu em seu novo programa na TV Globo os cantores Priscilla Alcantara, Ton Carfi e o youtuber Vinícius Rodrigues, que interpreta o personagem pentecostal Jacinto Manto, além do ateu e professor de sociologia da USP, Ricardo Mariano.
Na conversa, Bial explorou as origens dos três artistas gospel, influência entre jovens evangélicos e termos que fazem parte do cotidiano, montando um glossário sobre “canela de fogo”, “manto” e “cheio de azeite”, por exemplo.
O professor Mariano, convidado a comentar a representatividade dos evangélicos no Brasil, afirmou que o crescimento deste segmento religioso é um fenômeno que está próximo de completar 30 anos, com fôlego para continuar em expansão.
“Os evangélicos somam quase 60 milhões de brasileiros, atualmente. Eles têm o perfil muito jovem, urbano. É uma religião concentrada no meio urbano. Se antigamente no meio pentecostal os espaços legítimos de atuação eram casas, a igreja e o trabalho, nas últimas décadas eles passaram a ocupar todas as mídias: rádio, TV e internet, diversos formatos”, disse.
O tom crítico surgiu ao comentar questões que surgiram desse crescimento como “a política partidária/eleitoral”: “Começaram a vender produtos gospel – inclusive produtos eróticos gospel – e por aí afora”, criticou.
Pedro Bial se apressou em inserir o casamento gay na conversa, e Priscilla Alcantara adotou uma postura defensiva, falando apenas da visão da denominação que frequenta: “Eu sou da Igreja Bola de Neve, e é uma igreja que recebe muitos gays, inclusive eu tenho muitos fãs que são gays”, disse, sem no entanto, ressaltar a visão bíblica sobre a prática homossexual.
“Não são discriminados na igreja?”, insistiu o apresentador. “Óbvio que não. É o lugar onde eles têm que estar, e a gente faz questão de recebê-los. Nos meus shows, nas minhas ministrações, vão muitos. E eu acho que, independente do que seja certo e errado, o amor de Deus precisa ser pregado porque uma coisa que muitas vezes os cristãos esquecem é que a única pessoa que é capaz de convencer alguém, se a pessoa está errada, é o próprio Espírito Santo. Então, o nosso dever é levar o Espírito Santo até essas pessoas, para que por elas [mesmas], sejam convencidas, assim como nós somos, todos os dias”, disse a cantora.
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A partir da resposta evasiva que recebeu sobre o casamento gay, Bial explorou um tema que envolve hierarquia nas denominações evangélicas, e ressaltou um ponto de vista que, embora peculiar, não é inverídico: “Está na origem protestante, que quando você não está satisfeito com um pastor, vira você pastor e faz a sua igreja”, provocou.
Mariano aproveitou a brecha e, mesmo ateu, demonstrou conhecimento histórico e compreensão do ambiente religioso protestante: “Exatamente. Lutero assegurou que o que salva é a fé. O crente é justificado pela fé. Então, não é o clero que salva, não é a instituição que salva, não são as boas obras, e nem a tradição. A referência central de Lutero é [o apóstolo] Paulo, e ele enfatizava a religião interior”, explicou.
O professor ateu usou a introdução ao assunto para explicar o motivo de existirem tantas denominações diferentes: “Outra coisa que aparece no discurso deles, claramente, é uma relação direta com Deus, sem a mediação institucional, clerical. Muita liberdade em relação à tentativa de controle institucional/pastoral”, frisou.
A conversa entre Bial e Mariano seguiu pelo lado sociológico, e o apresentador perguntou: “A disputa pelas almas, pessoas, pela fé, não se dá mais nas igrejas, é no espaço virtual, não é?”. E a resposta de Mariano foi conceituada em números, apontando para o possível surgimento de um movimento ecumênico entre católicos e evangélicos.
“Com a ocupação midiática feita pelos evangélicos, a partir dos anos 1980, há uma reação católica no Brasil. A Igreja passa a investir mais em televisão, passa a investir mais em outras mídias, sobretudo na internet. E o movimento de renovação católica carismática, que é a versão pentecostal no interior do catolicismo, compartilha músicas gospel. Em alguns países da América Latina, inclusive, há muitas reuniões conjuntas entre carismáticos católicos e pentecostais. No Brasil, isso ainda é muito incipiente”, ponderou.
Também ateu, Bial tentou encontrar um ponto de afinidade entre os dois grupos: “Têm Deus em comum, não é?”. A resposta de Mariano foi, novamente, crítica: “Eles fazem dobradinha também no Congresso Nacional em pautas morais”.
Futuro
“Quanto tempo até os protestantes serem maioria no Brasil? Dá pra dizer?”, questionou o apresentador ao professor de sociologia.
“Não dá para fazer uma estimativa, atualmente. Em 1980, segundo o Censo do IBGE, havia 90% de católicos no Brasil. Em 2010, havia 64%. Os evangélicos eram 6,6% em 1980, e 22,2% em 2010. Os sem-religião quintuplicaram nesse período, foram para 8%, e todos os demais grupos religiosos duplicaram de tamanho, foram para de 2,5% para 5% da população brasileira”, enumerou.
“A última pesquisa feita – e confiável – é do Datafolha, e estimava em 29% a proporção de evangélicos acima de 16 anos no Brasil. Isso significa entre 55 e 60 milhões de brasileiros no momento, porque eu acho [considerando os menores de 16 anos] que está entre 27% e 28% da população brasileira evangélica, no momento”, contextualizou Mariano.
De volta aos evangélicos, o apresentador quis saber “o que o jovem evangélico quer que todo jovem quer?”. Priscilla disse que é “respeito, alegria e dinheiro… brincadeira”. A reação da plateia foi de gargalhada.
“Liberdade está nisso?”, insistiu Bial. “Com certeza”, disseram os convidados.
“Prazer pode, também?”, provocou o apresentador. “A diferença, na verdade, entre um jovem cristão e não-cristão, talvez é a fonte de onde adquire o prazer, a alegria. Um jovem cristão sabe que pode encontrar a maior alegria do mundo num relacionamento com Deus. Então, eu acredito que seja isso”, resumiu Priscilla.
Assista a íntegra do programa: