Um debate promovido por entidades que reúnem pesquisadores de esquerda interpretou pesquisas feitas durante a edição mais recente da Marcha Para Jesus. O encontro, realizado na última sexta-feira, 21 de julho, concluiu que os evangélicos estão próximos do progressismo e não confiam nos representantes políticos evangélicos. Mas, os dados não corroboram essas afirmações.
O encontro foi organizado pela Fundação Perseu Abramo (entidade ligada oficialmente ao Partido dos Trabalhadores), a Fundação Friedrich Ebert Stiftung e o Instituto Pólis, e reuniu diversos formadores de opinião do ambiente filosófico de esquerda.
A professora Esther Solano – que conduziu uma pesquisa durante a Marcha Para Jesus deste ano – da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) interpretou dados das pesquisas como uma demonstração de que os fiéis não concordam com a postura dos parlamentares da bancada evangélica.
“A nossa hipótese de partida é de que existia um descolamento do campo evangélico religioso do campo evangélico político”, declarou a pesquisadora, ao comentar a reprovação dos fiéis às propostas de reforma feitas pelo governo Michel Temer (PMDB), segundo informações do portal Rede Brasil Atual.
Uma das pesquisas debatidas foi a realizada pelo Grupo de Pesquisa Mídia, Religião e Cultura (MIRE) do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. No total, dentre 527 entrevistados, 62,7%, afirmou não ter preferência de linha política (esquerda, centro ou direita); 16,4% não soube diferenciar ou responder essa questão; e 81,6% disse não possuir preferência partidária.
O trabalho de pesquisa exige, na interpretação dos dados, um conhecimento prévio da metodologia adotada em comparação com as perguntas feitas. No debate da última sexta, intitulado “Evangélicos, Igrejas Evangélicas e Política”, os pensadores concluíram que há um maior alinhamento dos fiéis com a esquerda.
Estas conclusões ficam evidentes na afirmação dos debatedores de que os evangélicos são “progressistas” porque 77% dos entrevistados concordaram com a proposta de ensinar “respeito aos gays nas escolas”; ou porque 70% dos entrevistados entendem que “cantar uma mulher na rua é ofensivo”.
Todavia, esses são princípios presentes na cosmovisão cristã, independentemente da linha de interpretação teológica. Perguntas como “você concorda que a homossexualidade é pecado” não foram feitas – ou não foram apresentadas no relatório – pelos pesquisadores. Diante disso, concluir que os evangélicos são “progressistas”, a partir de perguntas genéricas, é equivocado.
Esta falha – ou omissão – na interpretação fica evidente no comentário de Marcio Moretto, representante da Universidade de São Paulo (USP) no debate: “Nas pautas em relação ao direito das mulheres, com exceção do aborto, eles se mostraram mais progressistas do que se poderia imaginar”.
Rejeição
A prova de que os evangélicos rejeitam firmemente as pautas progressistas se evidencia quando o assunto é abordado de forma mais direta, como no caso do aborto, citado por Moretto. Porém, há outros pontos que trazem mais luz à discussão, como a rejeição a partidos como o PT e PSDB.
O primeiro, assumidamente de esquerda, possui simpatia de apenas 7,6% dos entrevistados na Marcha Para Jesus, enquanto o segundo – que transita entre o centro e a esquerda moderada, goza da aprovação de apenas 4,9%.
Ambos os partidos são defensores, em graus diferentes, de pautas progressistas. O PT possui histórico de defesa dessas propostas, enquanto o PSDB tem ensaiado uma aproximação com a ideologia de gênero, como por exemplo, a recente instituição dos banheiros transgêneros nas escolas administradas pelo governo do estado de São Paulo, gerido por Geraldo Alckmin.
“Há uma apatia dos entrevistados em relação às ideologias políticas e organizações partidárias. Os entrevistadores também relataram o tom de desconfiança e desprezo dos entrevistados diante destas questões. No entanto, esse tom se alterava quando se tocava em pautas morais e de representatividade”, comentou o professor Leandro Ortunes, coordenador da pesquisa do MIRE, em entrevista ao portal da Universidade Metodista no mês de junho.
Figuras
Ao mesmo tempo que os pensadores de esquerda que debateram a postura dos evangélicos que foram à Marcha Para Jesus acreditam que exista um distanciamento dos fiéis em relação à bancada evangélica, a mesma pesquisa do MIRE mostra que pastores como Silas Malafaia e Marco Feliciano ainda são figuras com grande prestígio entre eles.
O relatório dos pesquisadores do MIRE foi mais sóbrio em sua análise dos dados, afirmando que existe uma “heterogeneidade” entre os evangélicos sobre o pensamento político, paralela ao “ceticismo” em relação ao tema.
Silas Malafaia é, segundo a pesquisa, o líder evangélico com maior representatividade entre os fiéis que foram à Marcha para Jesus, citado por 58,6%. Quando a pergunta foi feita a respeito da representatividade exclusivamente política, o pastor Marco Feliciano alcançou 40,8% das citações.
A oposição ao “progressismo” se evidencia, novamente, nos números que mostram a rejeição dos evangélicos presentes na Marcha Para Jesus à figura do deputado Jean Wyllys (PSOL): 42,5% disse ter antipatia pelo ex-BBB.
“Somente neste comparativo, entre estrutura política e a representatividade, percebemos que o público entrevistado está muito mais voltado à figura do líder do que a uma ideologia política ou partido. Fato que nos remete aos três tipos [de] dominação legítima, de acordo com Max Weber”, concluiu Ortunes.
A desconfiança dos evangélicos com as figuras políticas tradicionais – e acentuadas à esquerda – desmente de forma ainda mais severa a propaganda dos pensadores participantes do debate “Evangélicos, Igrejas Evangélicas e Política”.
Uma pesquisa feita por professores de Ciências Sociais das universidades Federal de São Paulo (Unifesp), e de São Paulo (USP), com apoio da Fundação Friederich Ebert, na mesma edição da Marcha Para Jesus, mostrou rejeição maciça a figuras como Lula (PT), Geraldo Alckmin (PSDB), Jair Bolsonaro (PSC) e Marina Silva (REDE).
Esther Solano foi uma das coordenadoras da pesquisa, ao lado do próprio Márcio Moretto. O levantamento mostrou que 83,7% dos entrevistados disseram não confiar em Lula; 61,4% não confia em Alckmin; 57,4% desconfia de Jair Bolsonaro; 57% têm desconfianças em relação a Marina Silva, que é uma política assumidamente evangélica.
Por fim, essa mesma pesquisa mostra que a maior parte dos entrevistados se considera “muito conservadora” (45,5%), o que contraria a afirmação de aproximação do “progressismo”; 39,9% disseram considerarem-se “nada antipetista”, diante de 36,8% que se declararam abertamente serem “muito antipetistas”.
A maioria dos evangélicos que participaram da pesquisa era de mulheres (55,6%), com ensino médio completo e superior completo (respectivamente, 39,3% e 30,8%), e renda familiar de três a cinco salários mínimos (28,7%).