O pastor Ed René Kivitz, teólogo, escritor e líder da Igreja Batista da Água Branca (IBAB) em São Paulo, publicou um artigo sobre a presença do machismo no cristianismo, defendendo uma revisão sobre os “equívocos hermenêuticos da visão bíblica e teológica” presentes nas igrejas.
O texto, publicado no portal da revista Veja, adota um tom de concordância com boa parte das alegações do movimento feminista, ainda incipiente no meio evangélico, mas já detentor de polêmicas.
“Os equívocos hermenêuticos da visão bíblica e teológica a respeito da mulher deveriam ter ficado na poeira da história, mas ressurgiram com força no Brasil contemporâneo — um reflexo de antigos ensinamentos fora de contexto propagados em igrejas lideradas por homens e da mentalidade de setores evangélicos que ocupam a cada dia mais espaço no noticiário. Intérpretes fundamentalistas defendem a ideia de que os textos bíblicos exigem a subordinação total da mulher ao homem ou, no mínimo, sendo a mulher casada, que ela deva ser submissa ao marido”, escreveu Kivitz.
Segundo o pastor, “as passagens mais utilizadas para sustentar essa desigual relação entre homem e mulher são extraídas dos escritos de São Paulo”, e essas interpretações estariam sendo tomadas “como mandamentos literais”. Isso, segundo Kivitz, seria prova da presença do machismo nas igrejas: “Tais textos perpetuam a estrutura patriarcal e machista das culturas que foram o berço da tradição bíblica”, argumentou, reproduzindo termos e rótulos comuns ao ativismo feminista.
“Os tempos bíblicos, tanto do Velho quanto do Novo Testamento, eram absolutamente masculinos. Dias difíceis para ser mulher. O mundo helênico onde viveu o apóstolo Paulo não guardava o menor apreço pelo gênero feminino. Aristóteles acreditava que a mulher era “um homem malfeito”. Seria destituída de alma racional e destinada apenas à procriação. Platão e Sócrates citam um dito popular que encorajava os homens a agradecer três bênçãos ao destino: ter nascido humano, e não animal; homem, e não mulher; grego, e não bárbaro. Talvez daí tenha vindo a oração comum aos judeus dos dias de Jesus, que agradeciam a Deus o fato de não terem nascido mulher, cachorro ou samaritano — isto é, miscigenado. Por isso, o bom entendimento da Bíblia nos dias atuais exige que se leve em conta o mundo em que ela foi escrita”, defendeu o pastor da IBAB.
Kivitz – simpático às ideologias de esquerda e apoiador de Marina Silva (Rede) nas eleições presidenciais de 2018 – diz ainda que o “apóstolo Paulo é, na verdade, um injustiçado nessa matéria”, já que há outros textos de sua autoria defendendo a honra feminina.
“Embora ainda limitado às tradições de seu tempo, ele foi responsável por grandes guinadas na maneira como a mulher passou a ser percebida e tratada. É de sua pena também a expressão que demanda que o marido ame a esposa como Cristo amou a Igreja (Efésios 5: 22-33), conceito subversivo e revolucionário para os ouvintes originais, de um período em que o cuidado com a mulher não se mostrava uma prioridade”, acrescentou Kivitz.
Uma compreensão que é unânime no meio evangélico foi usada pelo pastor em seu artigo como sendo fruto de uma nova reflexão sobre as Escrituras: “Homem e mulher foram criados à imagem de Deus — e em pé de igualdade. Na ordem da criação, portanto, a relação homem-mulher articula-se a partir de conceitos como a diversidade e a complementaridade. A imago Dei — ou seja, a imagem de Deus — não repousa exclusivamente no homem ou na mulher, mas na unidade humana; não foi somente o homem criado à imagem e semelhança de Deus, mas toda a raça humana, numa unidade indissociável entre masculino e feminino”.
Ecoando, mais uma vez, argumentos do movimento feminista contemporâneo, o pastor diz que “desde Eva, a mulher foi estigmatizada como causadora de males”, Kivitz citou Tertuliano, o primeiro autor cristão – atualmente pouco replicado pelos pregadores quando se fala sobre a relação entre os diferentes sexos no meio evangélico – para reforçar seu argumento. “Uma ideia perigosíssima que, perpetuada, faz com que até hoje mulheres sofram abusos e violências físicas”.
Por fim, o líder evangélico classifica como “imprescindível” que as lideranças religiosas “revejam a maneira como a mulher é tratada dentro dos templos — até pelo impacto que suas pregações possam ter sobre o destino delas fora das igrejas”.
“Machismo e misoginia são heranças históricas, sociais e culturais sustentadas por equivocadas tradições da interpretação bíblica e precisam ser urgentemente rechaçadas, inclusive com a autoridade da própria Bíblia. O texto sagrado aponta sempre na direção da superação de todas as injustiças e da afirmação de todos os seres humanos no mesmo patamar de dignidade, como seres criados à imagem e semelhança de Deus”, concluiu.