O município gaúcho de Arroio do Padre é, apesar do nome, a cidade mais evangélica do Brasil, com 85,8% dos habitantes seguindo a tradição protestante do cristianismo. E numa cidade em que a visão de Martinho Lutero influencia diretamente nas tradições, os partidos de esquerda não se criam.
O Brasil tem 5.570 municípios, e como trata-se de um país de maioria católica, são poucos os casos de cidades em que o catolicismo é minoria. Em Arroio do Padre, somente 7,7% dos habitantes seguem a Igreja romana, e nem sacerdote próprio a paróquia local tem. Dentre os 2.900 habitantes, somente 1% são espíritas ou Testemunhas de Jeová, e outros 4,7% sem religião.
O jornal Folha de S. Paulo produziu uma reportagem sobre a cidade e destacou que o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou, naquele ano, 22,2% de evangélicos na população brasileira, somando 42 milhões de pessoas. Em 2017, o Datafolha projeta que esse contingente seja de 32%, um crescimento próximo dos 10%.
Tradição
Embora Arroio do Padre seja a cidade mais evangélica do Brasil, os fiéis da tradição protestante estão distantes do neopentecostalismo da Igreja Universal do Reino de Deus e suas dissidências, como a Mundial do Poder de Deus, liderada por Valdemiro Santiago, e Plenitude do Trono de Deus, de Agenor Duque.
Localizada a 200 quilômetros de Porto Alegre, a cidade é reduto de imigrantes alemães no século 19, seguidores da tradição luterana, com influência direta da Reforma Protestante.
O pastor Michael Kuff, que lidera uma das congregações da cidade, tem 32 anos, também foge do estereótipo dos pastores evangélicos: é fã da banda Oficina G3, a quem reputa como um “exemplo de grupo que conseguiu aliar o propósito de divulgar o Evangelho por meio da música pesada”.
A reprovação de Lutero à venda de indulgências pela Igreja Católica há 500 anos é a mesma que Kuff nutre pelas denominações neoentecostais que usam a fé como “moeda de troca” para incentivar os fiéis a “exigirem” bençãos divinas.
Para o pastor, as distorções terminam por difamar os evangélicos: “Hoje é um problema falar no banco que você é pastor. O gerente acha que você é ladrão”, lamenta. No templo de sua congregação, que reúne 200 membros, uma placa lembra o movimento que deu origem à tradição protestante: “Igreja sempre em reforma: agora são outros 500”.
Outro pastor luterano da cidade, Aroldo Agner, 46, prefere destacar o ponto comum entre os diferentes segmentos evangélicos: a noção de família como “pai, mãe e filhos”. e diz que na cidade, é pouco provável que existam “casais alternativos”: “Se há [gays], não tenho conhecimento. Talvez em Pelotas tenha”, diz o pastor, referindo-se à cidade mais famosa da região.
A reportagem do jornal paulista destaca que não há muitos simpatizantes do PT em Arroio do Padre: na eleição de 2006, a cidade deu a Lula sua menor votação proporcional no país, com 11,5% dos votos, contra 81,5% de Geraldo Alckmin (PSDB).
“Esta situação com a esquerda se complicou bastante. Em função da religiosidade aqui, complica [o apoio] a essa ala”, admite o secretário de administração local, Loutar Prieb, que se locomove num carro com adesivos de crucifixo e peixe (antigo símbolo cristão). “Nosso primeiro prefeito era do PDT, mas teve origem na Arena [partido de suporte ao regime militar]”, acrescentou.
A demonstração de que o cenário continua igual a 2006 foi registrada em 2014, quando o então candidato Aécio Neves (PSDB) venceu Dilma Rousseff (PT) nas urnas de Arroio do Padre por 70,5% a 30,5%. “A ideia esquerdista não é muito bem-aceita pelos que são de origem [alemã]”, diz o pastor Agner.
Bebidas? Claro!
A chefe de gabinete do prefeito, Andiara Bonow, 27 anos, é um retrato fiel do pensamento dos evangélicos da cidade. Repudia a ideia de se converter ao Evangelho interessado em prosperidade material: “[A ideia de que] se tu entrar na igreja, vai ter carro, futuro promissor… Não é isso. Igreja é para ter paz de espírito”, comenta.
Andiara cresceu na cidade que tem, como densidade demográfica, um habitante por 21 Km², com ritmo tranquilo e habituada às tradições, e garante que levou um choque quando precisou se mudar para Pelotas para cursar a faculdade. “Lá não tem isso de acordar e ir a um culto. [O pessoal] prefere festa”, relembra.
Os moradores de Arroio do Padre, no entanto, zelam pelas tradições do país de seus antepassados. A própria Andiara conheceu o marido em um “bailão” regado a cerveja.
“Somos uma comunidade que consome muita cerveja”, admite o prefeito Leonir Baschi (DEM). Mas, o administrador da cidade destaca que “é muito difícil encontrar alguém bêbado, fazendo escândalo”, já que o consumo é uma tradição cultural e geralmente as pessoas estão habituadas com a bebida.
E o relato do prefeito é endossado pelo pastor Kuff: “Muitos acham que é pecado dançar, beber cerveja, vinho. Mas o pecado não está nas coisas, mas dentro de si”, resume.