Grande parte das bandeiras do ativismo LGBT para justificar a criação de uma lei que combata crimes de “homofobia” são sustentadas por dados não-oficiais que descrevem o Brasil como um dos países em que mais homossexuais morrem de forma violenta. No entanto, um estudo independente checou dados da ONG que se dedica a produzir estatísticas sobre o tema e concluiu que boa parte das informações são falsas.
Durante a campanha eleitoral de 2018, a jornalista Renata Vasconcellos, apresentadora do Jornal Nacional, questionou o então candidato Jair Bolsonaro (PSL) sobre quais seriam as medidas que seu governo tomaria para conter o avanço dos chamados “crimes por homofobia”.
Na ocasião, ela pontuou que “a cada 19 horas, um gay, lésbica ou trans é assassinado ou se suicida por causa de homofobia no Brasil”. A apresentadora, assim como inúmeros outros veículos de imprensa, usaram dados de um relatório da ONG Grupo Gay da Bahia (GGB), fundada em 1980 pelo historiador Luiz Mott.
De acordo com a Liga Humanista Secular do Brasil (LIHS), “a estatística anual de mortes violentas por homofobia do GGB já apareceu em publicações como O Globo, Estadão, Folha de São Paulo, Gazeta do Povo, Reuters, BBC, NPR, The New York Times (que, com base nela, disse que o Brasil passa por uma epidemia de violência antigay), entre outras”.
No entanto, a maior parte dos dados apresentados pelo GGB contém equívocos e, por serem feitas de maneira rudimentar – a LIHS informa que “os números do GGB são baseados em clipagem de notícias” – sofrem de inconsistência.
O relatório da LIHS diz que os dados do GGB que apontam para 347 mortes violentas supostamente por “homofobia” em 2016, somente 258 casos foram realmente de homossexuais que foram assassinados. No entanto, nem todos esses casos tiveram o ódio como motivação.
“Dos 347 casos de 2016, excluímos 30 da análise por serem mortes no exterior, casos duplicados ou casos em que foi impossível recuperar as fontes. Dos que sobraram, 20 casos são suicídios. É discutível a decisão de somar suicídios a assassinatos. A estatística do GGB consiste em mortes violentas motivadas por homofobia, e, legalmente, morte violenta incluiria acidentes, suicídios e homicídios. Obviamente, acidentes não deveriam ser incluídos, pois não existe motivação alguma por trás deles, muito menos a homofóbica. Isso não impediu o GGB de incluir mortes acidentais a seus números”, pontua o relatório da LIHS.
A entidade que fez a checagem dos dados do GGB pontua em seu relatório que nos casos de suicídio, “é evidente que, nem sempre que um LGBT se mata, é possível afirmar que a causa primária de sua decisão é a homofobia”.
“Suicidas geralmente sofrem de depressão, que é em si a causa imediata de sua morte. Certamente é um tema importante descobrir com que frequência a homofobia causa depressão e suicídio, mas é quase sempre impossível separar suicídios motivados por homofobia de suicídios de LGBT motivados por outros problemas, ao menos que haja alguma evidência como uma carta de despedida em que o suicida o diz explicitamente”, acrescenta a LIHS.
O documento também explica os motivos que influenciaram na decisão de excluir o suicídio dos dados apresentados pelo GGB como evidência de que a sociedade brasileira vive um período de perseguição à comunidade LGBT: “Há uma questão moral. Um suicida fere a si mesmo, desistindo da própria vida, que lhe pertence. Um homicida fere a outrem, roubando-lhe a vida. Não parece que as duas decisões sejam comparáveis ao ponto de ser justo somá-las num número só. Uma egodistonia sexual que leva à depressão e ao suicídio é bem diferente de uma homofobia assassina aplicada sobre outrem. Não prendemos sobreviventes de tentativas de suicídio, mas prendemos homicidas”.
A LIHS apontou que casos de morte acidental, como o afogamento do diretor de teatro Glauber Teixeira, ou um morto em incêndio sem evidências de crime, foram usados para inflar a estatística. Os desvios, porém, não se resumem a isso: até morte de heterossexuais foi usada como associada à “homofobia”.
“Em março de 2016, Jorge Luiz Lima Farias, 20 anos, foi preso em Cratéus, Ceará, em um bar. Ele tinha as roupas sujas de sangue no momento da prisão. “Não me arrependo”, disse o assassino à polícia. Suas vítimas foram Alexandre Martins da Silva, 28, morto por ter divulgado um vídeo em que Jorge Luiz beijava um homem, e José Wilson Messias Coelho, 50, morto por ter tentado salvar a vida de Alexandre. Não há relato nenhum de que alguma das vítimas era gay. Neste caso, confirmamos as duas mortes como motivadas por homofobia, afinal, é preconceituoso esse temor tão forte da divulgação de sua própria atração por pessoas do mesmo sexo que dá em assassinato, ainda que o autor do crime seja um possível gay e as vítimas sejam provavelmente héteros”, destaca o relatório.
A checagem, entretanto, desvendou casos como o de Fabiana Braz Conceição e Daniella Silva Gomes, que formavam um casal, mas foram mortas a tiros numa moto “porque eram traficantes e disputavam com outros traficantes o controle do tráfico em sua região em Goiânia”.
Ao final, das 347 mortes alegadas como “homofobia”, apenas 31 casos foram mortes motivadas por ódio a homossexuais. “Isso significa que o relatório errou em 88% dos casos de homicídio, e que somente 9% dos dados totais para o ano de 2016 servem para fazer as conclusões que o grupo e a imprensa que o cita fazem”, alertou a LIHS.
“Por que casos como suicídios sem motivos esclarecidos, acidentes e até um casal de lésbicas traficantes mortas pela concorrência do crime foram inclusos? Aqui entra uma decisão teórica das pessoas por trás do GGB: por acreditarem que a homofobia no Brasil é ‘estrutural’, termo que cria um inimigo fantasmagórico impossível de refutar, toda morte de LGBT no Brasil é presumida como resultado da homofobia. O que o GGB cita para justificar a crença de que a homofobia no Brasil é ‘estrutural’ (seja lá o que isso for)? Os próprios dados, como diz na conclusão de um relatório oficial do Ministério dos Direitos Humanos publicado em 2018: ‘De acordo com os dados apresentados é possível concluir que a LGBTfobia no Brasil é estrutural’. Repetindo: quando o GGB é pressionado sobre os casos duvidosos, ele cita a ‘homofobia estrutural’ como justificação para incluir toda e qualquer morte de LGBT nos dados. E quando tem de comunicar ao governo a razão de a homofobia ser ‘estrutural’, o GGB cita os mesmos dados. Parece circular. Curiosamente, o ministério se isenta de responsabilidade pelo conteúdo do relatório oficial, que traz também números do Disque 100 de vítimas de discriminação, ofensa verbal e agressão”, conclui o relatório da LIHS.