A Coalizão pelo Evangelho reagiu às críticas de Ronilso Pacheco, conhecido no meio militante da esquerda como um especialista em “teologia negra” e divulgou um manifesto ressaltando valores que norteiam a atuação da entidade que reúne lideranças reformadas.
Pacheco usou como gancho em seu artigo, publicado no portal The Intercept Brasil – que ficou nacionalmente conhecido pelo vazamento ilegal de conversas privadas entre os integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato – a recente nomeação de Benedito Guimarães Aguiar Neto, ligado à Igreja Presbiteriana, para a função de presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
No texto, o pastor Ronilso Pacheco – que já subscreveu um manifesto em favor da descriminalização das drogas – faz ataques às lideranças cristãs e fiéis que seguem o legado do reformador francês João Calvino, que se dedicou ao ensino do Evangelho sem as influências da teologia católica.
A “teologia negra”, defendida por Pacheco, é mais uma faceta da influência do pensamento de esquerda no meio evangélico, e se traduz em uma abordagem histórica que coloca o povo negro na posição de oprimido e perseguido, rejeitando o que definem como “teologia europeia” – seja a interpretação católica ou protestante – e buscando uma leitura a partir da visão de mundo da militância racial.
Seu artigo, publicado no rescaldo da afirmação do PT sobre sua pretensão de ensinar os evangélicos a lerem e interpretarem a Bíblia, afirma que o governo Bolsonaro tem sido influenciado pelos calvinistas, silenciosamente.
“A nomeação do ex-reitor da Mackenzie marca a presença cada vez maior e influente no núcleo do governo de um grupo evangélico tão reacionário quanto discreto: os calvinistas. Neto se junta aos pastores Sergio Queiroz e Guilherme de Carvalho, que já integram o time de Bolsonaro. Fora do governo, o apoio dos calvinistas ao governo é maciço”, diz Pacheco.
“Os calvinistas são os evangélicos e igrejas que se orientam pelo legado do reformador francês João Calvino. Comumente, são mais associados com o calvinismo os membros das igrejas presbiterianas. No entanto, a teologia de Calvino está presente em diferentes denominações, espalhadas em várias igrejas batistas e pentecostais no Brasil”, contextualiza.
Em outro ponto, Pacheco afirma que “o grupo calvinista, por sua vez, chegou devagar e quase não foi notado” por não terem adotado postura semelhante aos pentecostais durante a campanha eleitoral. “Não subiram em palanque ou levaram Bolsonaro em suas igrejas. Alguns, inclusive, mostravam desconfiança com Bolsonaro, embora sempre deixassem claro que votariam nele para evitar uma vitória do PT”, acrescenta o artigo.
Na visão de Pacheco, os calvinistas se tornam inimigos da esquerda, incluindo aí os evangélicos que simpatizam com essa ideologia, por sua estratégia, associando a “cosmovisão cristã” a uma espécie de ação opressora: “É um grupo que manifesta, de maneira quase unânime, seu interesse no campo da cultura, dos direitos humanos e da educação […] Seu alvo é onde os valores morais são disputados. E é assim que eles estão pautando a esfera pública do país, ferindo a laicidade do estado e sendo raramente percebidos, enquanto os olhos estão voltados para a força dos pentecostais”, escreve.
A postura de confronto adotada contra as lideranças calvinistas fica evidenciada com a citação de nomes e referência à própria Coalizão pelo Evangelho. Pacheco faz críticas aos pastores Franklin Ferreira, Sérgio Queiroz – que também é procurador da Fazenda na Paraíba e chegou ao governo por indicação do deputado federal Julian Lemos (PSL-PB) -, Guilherme de Carvalho, Yago Martins e Augustus Nicodemus Lopes.
Até as ações de combate à perseguição religiosa foram criticadas no artigo, por conta de um estreitamento de relações nessa área com o governo norte-americano: “Uma aliança com os Estados Unidos de Trump, tomado por um núcleo evangélico, branco e reacionário, confunde as prioridades quanto ao combate à liberdade religiosa no Brasil, onde cristãos gozam de maioria”.
“A indicação de Benedito Neto para a Capes não é casualidade, mas um avanço reacionário muito mais organizado do que pensávamos”, finaliza Ronilso Pacheco.
Resposta
Diante das afirmações feitas por Ronilso Pacheco, os principais integrantes da Coalizão Pelo Evangelho publicaram no site da entidade um manifesto que trata o artigo como uma “difamação”.
“Pessoas revestidas de autoridade eclesiástica, as quais deveriam ser exemplos de boa conduta, esquecem-se da instrução de Paulo acerca de ‘como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade’ (1Tm 3.15). Não nos surpreende, contudo, que alguns desses teólogos que espalham mentiras e difamações contra pastores por conta de seus posicionamentos políticos são justamente aqueles que já romperam não apenas com temas importantes da ética cristã, mas também reinterpretaram doutrinas centrais da fé, tal qual a doutrina da expiação vicária”, enfatiza o documento.
O texto pondera que “a aparição de qualquer dos membros da Coalizão pelo Evangelho com autoridades públicas se dá no âmbito de respeito e suporte intelectual e espiritual, e jamais como apoio partidário e político”.
“Defendemos o direito de cidadãos de diverso viés filosófico e ideológico de se reunirem com a finalidade de propagar aquilo no qual acreditam. Lamentamos, todavia, a superficialidade com a qual temas sociais, teológicos e políticos têm sido tratados, não somente em páginas pessoais, mas também em mídias alternativas e até naquelas tradicionais formadoras de opinião. Repudiamos, ademais, o abandono do campo das ideias e o uso de ataque ad hominen através da plantação de mentiras e do assassinato de reputações, bem como a difusão de mentiras e difamações como meio de produzir conteúdo, vencer debates, ou atrair adeptos”, acrescenta.
Confira a íntegra do manifesto e seus subscritos:
Diante das difamações e ataques em determinadas mídias que tiveram como alvos diretos e indiretos membros desta Coalizão, bem como diante de um perceptível aumento das demonstrações de desprezo contra os cristãos nas redes sociais em nosso país, NÓS, abaixo-subscritos, vimos a público emitir o seguinte manifesto para o fim de esclarecimentos e recomendações.
Reconhecemos a importância dos debates relacionados aos temas de interesse público.
Cremos que religião e Estado são esferas distintas da sociedade que devem atuar com soberania nos limites do seu escopo sem se sobrepor uma à outra, e juntas cooperar para o bem comum e dos cidadãos. Por isso, não somos adeptos de qualquer forma de teonomismo, haja visto que compreendemos que a religião não deve ser imposta pelo Estado, e nem o Estado e sociedade serem subjugados pela religião. A fé cristã demanda mudança interna e associação voluntária, não sendo possível sua imposição por forças externas ou instituições.
Declaramo-nos, assim, apartidários, mas não apolíticos, pois sendo a polis parte da estrutura de vida do ser humano, devem os cristãos oferecer sua cooperação à sociedade em que estão inseridos, seja por meio de ações concretas ou através de debates que fomentem e multipliquem o conhecimento e a educação, sempre em respeito às convicções diversas, sem nunca fugir do campo das ideias, e jamais partindo para ataques pessoais.
Entendemos que o Estado laico não é sinônimo de laicismo ou Estado ateu e, portanto, ninguém deve ter opiniões diminuídas ou exercício político limitado por conta de sua religião. A neutralidade de pensamento é uma falácia argumentativa secularista que tem buscado marginalizar a influência dos cristãos e deve, portanto, ser desmascarada, sobretudo no Brasil, que possui um modelo de laicidade colaborativo com a fé, de acordo com o artigo 19, I da Constituição brasileira.
Esclarecemos que a aparição de qualquer dos membros da Coalizão pelo Evangelho com autoridades públicas se dá no âmbito de respeito e suporte intelectual e espiritual, e jamais como apoio partidário e político, sempre com o intuito de cumprir a recomendação bíblica: “Exorto, pois, antes de tudo que se façam súplicas, orações, intercessões, e ações de graças por todos os homens, pelos reis, e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e sossegada, em toda a piedade e honestidade” (1Tm 2.1-2).
Defendemos o direito de cidadãos de diverso viés filosófico e ideológico de se reunirem com a finalidade de propagar aquilo no qual acreditam.
Lamentamos, todavia, a superficialidade com a qual temas sociais, teológicos e políticos têm sido tratados, não somente em páginas pessoais, mas também em mídias alternativas e até naquelas tradicionais formadoras de opinião.
Repudiamos, ademais, o abandono do campo das ideias e o uso de ataque ad hominen através da plantação de mentiras e do assassinato de reputações, bem como a difusão de mentiras e difamações como meio de produzir conteúdo, vencer debates, ou atrair adeptos.
Lastimamos, sobretudo, quando pessoas revestidas de autoridade eclesiástica, as quais deveriam ser exemplos de boa conduta, esquecem-se da instrução de Paulo acerca de “como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade ” (1Tm 3.15). Não nos surpreende, contudo, que alguns desses teólogos que espalham mentiras e difamações contra pastores por conta de seus posicionamentos políticos são justamente aqueles que já romperam não apenas com temas importantes da ética cristã, mas também reinterpretaram doutrinas centrais da fé, tal qual a doutrina da expiação vicária.
Preocupa-nos, de igual modo, a percepção do aumento de expressões de desprezo contra cristãos nas redes sociais. Lembramo-nos, porém, das palavras de Cristo nas bem-aventuranças: “Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós” (Mt 5.11-12).
Recomendamos, por fim, a importância de mantermos a sobriedade e o bom trato na defesa de nossa fé e de sua aplicação no certame público, lembrando que nossa luta não é contra a carne e o sangue, e que esses que espalham difamação e desprezo devem ser alvos da mesma graça que nos livrou da escravidão daquele que é o pai da mentira.
Concluímos este manifesto com o ensino do Senhor Jesus acerca daqueles que decidiram se fazer nossos inimigos: “Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5.44-48).
06 de fevereiro de 2020.
Augustus Nicodemus é pastor auxiliar na Primeira Igreja Presbiteriana do Recife.
Cleyton Gadelha é pastor titular da Igreja Batista de Parquelândia e diretor executivo da Escola Teológica Charles Spurgeon (Fortaleza/CE).
Davi Charles é pastor da Igreja Presbiteriana Paulistana (São Paulo/SP).
Emílio Garofalo é pastor da Igreja Presbiteriana Semear (Brasília/DF).
Euder Faber é pastor da Igreja O Brasil para Cristo e presidente da Visão Nacional para a Consciência Cristã.
Franklin Ferreira é diretor-geral do Seminário Martin Bucer (São José dos Campos/SP) e presidente do Conselho da Coalizão pelo Evangelho.
Hélder Cardin é chanceler das escolas teológicas Palavra da Vida Brasil, e professor pesquisador no Seminário Bíblico Palavra da Vida.
Jonas Madureira é pastor da Igreja Batista da Palavra (São Paulo/SP), professor no Seminário Martin Bucer e vice-presidente da Coalizão pelo Evangelho.
Leonardo Sahium é pastor da Igreja Presbiteriana da Gávea (Rio de Janeiro/RJ), vice-presidente da Junta de Educação Teológica da Igreja Presbiteriana do Brasil e diretor do Centro de Treinamento para Plantadores de Igrejas (CTPI).
Luiz Sayão é pastor sênior da Igreja Batista Nações Unidas e professor no Seminário Martin Bucer.
Mauro Meister é pastor da Igreja Presbiteriana – Barra Funda (São Paulo/SP).
Renato Vargens é pastor sênior da Igreja Cristã da Aliança (Niterói/RJ), escritor e conferencista.
Sillas Campos é pastor da Igreja Batista Central de Campinas e presidente do Ministério Fiel.
Solano Portela é presbítero da Igreja Presbiteriana do Brasil, servindo na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro (São Paulo, SP), e docente no Centro Presbiteriano de Pós Graduação Andrew Jumper e no Seminário Teológico JMC.
Tiago Santos é um dos pastores da Igreja Batista da Graça (São José dos Campos/SP), co-fundador e diretor do programa de estudos avançados no Seminário Martin Bucer e editor-chefe na Editora Fiel.
Valter Reggiani é pastor da Igreja Batista Reformada de São Paulo e presidente da Convenção Batista Reformada do Brasil.
Wilson Porte Jr. é pastor da Igreja Batista Liberdade (Araraquara/SP) e presidente do conselho e professor do Seminário Martin Bucer.
[Com a colaboração de Warton Hertz, Pastoral Resident em Chicago na Addison Street Community Church em conjunto com Neopolis Network e Holy Trinity Church]