Marco Feliciano (PODE-SP) está em modo de ataque ao vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB). O pastor, que é aliado de primeira hora do presidente Jair Bolsonaro (PSL), considera “estranha” a atuação do general da reserva e acredita que ele tem “sede de poder”.
“Está explícito para todo mundo que ele tem fome de poder, e a qualquer momento ele sabe que pode assumir. Ele está sentindo o cheiro do poder, o gosto do poder, e ele então começa a minar a autoridade presidencial”, afirmou Marco Feliciano, que atua como vice-líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados.
O pastor concedeu uma entrevista ao jornalista Eduardo Barreto, da revista Época, e comparou a situação aos momentos que antecederam a queda de Dilma Rousseff (PT), quando o então vice-presidente Michel Temer (MDB) passou a fazer articulações para que o processo de impeachment andasse no Congresso.
“Parece que eu vejo a história se repetir. Só mudam os nomes dos personagens. A coleira que os prende é a mesma”, declarou Feliciano, ao classificar Mourão como um “problema” que pode dar uma “rasteira” em Jair Bolsonaro.
“Até tu, Mourão?”, questionou o pastor, parafraseando a célebre frase do imperador romano Júlio César, traído por seus principais aliados.
Com a experiência de oito anos em Brasília, Feliciano disse que vem avisando Bolsonaro sobre a necessidade de conversar mais com Mourão, para manter as coisas sob controle.
Sobre mudança da embaixada em Israel para Jerusalém, conforme Bolsonaro prometeu na campanha, Feliciano foi enfático: “Não abrimos mão. O presidente não vai querer perder a base social dele. […] Nós, os cristãos, conservadores, demos ao presidente a faixa presidencial”, pontuou, logo após elogiar o “primeiro passo” dado, com a abertura do escritório comercial na capital israelense.
“Fogo amigo”
Feliciano também concedeu uma entrevista à seção “Palavra”, do portal da rádio Gaúcha, em que tratou de diferentes temas, como aborto e corrupção, assim como também falou da atuação espalhafatosa do vice-presidente.
Nessa entrevista, Feliciano ressaltou seu sonho de ser presidente da República um dia, e entende que o viés de crescimento da população evangélica no Brasil pode ser um de seus trunfos. “Quero um país mais justo _ isso não é só discurso de esquerda. Sou novo, tenho 46 anos. Sonho um dia poder governar o nosso país. O IBGE diz que, em 10 anos, o Brasil será um país majoritariamente evangélico. Dos evangélicos aqui da casa, eu não sou o maior, nem o melhor, mas acho que sou um dos mais atuantes. O povo tem respeito por mim. Quando o justo governa, o povo se alegra”, declarou.
Confira a íntegra:
Como o senhor vê o início dos trabalhos na Câmara, que teve grande renovação?
Aposto na melhora do nosso país. Nesse sentido, era preciso esse momento de renovação. Só que, dentro do parlamento, as questões legislativas são muito técnicas. A falta de experiência e a imaturidade podem não ser algo bom – e é exatamente isso que está acontecendo. Estamos com um nível muito baixo de debate na Câmara, todo mundo querendo seus cinco minutos de glória. Mas a gente vai se acertar.
E como juntar renovação e experiência?
Só a metade das cadeiras da Câmara foi renovada. A metade que ficou é aquela que a população entendeu como sendo de deputados que trabalham, que não estão metidos em falcatruas. Conosco está a experiência. Agora a gente converge essa experiência dos veteranos com a força dos mais jovens e, assim, vamos encontrar um caminho de paz.
Como o senhor avalia o início do governo do presidente Jair Bolsonaro?
A gente sabia que não ia ser fácil. Foi um período de mais de 20 anos de hegemonia da esquerda. O pêndulo bateu direto na trave da esquerda e voltou de uma vez para a direita. Agora precisamos trazê-lo para o centro. O governo tem tido um pouco de dificuldade, tentando reinventar a política democrática. A democracia é o governo de todos, com todos, para todos. Quando o presidente resolve montar um ministério no qual ele faz as indicações, está mandando um sinal para a Câmara de que não confia, em princípio, nos partidos. Isso não fica de bom tom. Então, nós temos uma dificuldade muito grande no parlamento. O governo está se estabelecendo, já temos problemas com alguns ministros, que estão na berlinda, mas isso já era esperado. A gente acredita que, em quatro ou cinco meses, tudo se encaixa.
O Planalto errou na indicação do Major Vitor Hugo (PSL-GO), um líder de governo sem experiência parlamentar?
Eu não diria que errou. O presidente Bolsonaro tem muito boa vontade, mas talvez tenha faltado diálogo. Quando você não conversa com as lideranças, é automático que os líderes queiram chamar a atenção do governo. Como? Isolando aquele que o governo mandou. Isso é só um recado subliminar mostrando que o presidente precisa manter o diálogo conosco. Para se ter uma ideia, sou um dos vice-líderes do governo no Congresso, e, se o líder do governo chegar aqui, eu não conheço ele. Não conheço o Major Vitor Hugo. Então, falta habilidade de conversação.
Há fogo amigo de pessoas próximas ao presidente?
Muito. Não há fogo amigo, não. Há um grande incêndio. Vejo o (vice-presidente da República) general Mourão sendo extremamente deselegante. Ele, na postura de vice, tinha de ficar na casinha dele, quietinho. Ele não pode fazer o que está fazendo, desdizer o presidente. Isso cria mal estar, inclusive com bancadas temáticas da Casa, como a bancada evangélica.
A influência de Olavo de Carvalho é positiva ao governo?
O nosso governo, hoje, é diferente de tudo o que já houve. Derrubamos a esquerda no voto. É natural que um governo de direita precise de novos pensadores. O professor Olavo de Carvalho foi de extrema importância para o deputado Jair Bolsonaro. Então, é legítimo o acesso que ele tem ao presidente, porque foi uma das principais referências para ele. Mas não foi a única. Bolsonaro foi eleito por pautas de costume. Isso é consenso. E essa pauta veio com o apoio de dois segmentos da sociedade. O primeiro, formado por evangélicos, cristãos, católicos e religiosos atuantes. O outro, formado pelos que seguem o professor Olavo. E ele tem influência muito grande sobre os católicos no país.
E a influência dos filhos do presidente?
Os filhos do presidente… São filhos, né? Eu sou pai, tenho filhos, e, às vezes, quando o filho vê uma coisa, acaba se deslumbrando. Mas são meninos que têm boa intenção. Eduardo Bolsonaro é novo na política, claro, mas é humilde para ouvir. Não tenho acesso aos outros dois (Carlos e Flávio Bolsonaro). Os filhos precisam aprender a construir pontes, e não muros. O presidente tem de governar para todo mundo. Quanto menos falar, quanto menos cair em cascas de banana deixadas pela grande imprensa, melhor.
O presidente se distanciou de promessas e valores defendidos durante a campanha?
Não. Bolsonaro permanece. É que ele começa a perceber que uma coisa é você estar em campanha e outra é estar dentro da máquina. Uma coisa é falar “nós temos de transferir a embaixada de Israel para Jerusalém”, que é um anseio da população cristã evangélica e católica, é um anseio do mundo livre hoje, quando você está fora da máquina. Outra coisa, completamente diferente, é dizer isso sendo o presidente da República. Você começa a entender que isso pode ter um custo comercial. O presidente não pode andar de salto alto.
A bancada evangélica reclamou de desprestígio junto ao governo. Por quê?
A bancada evangélica não se sentiu desprestigiada. Pelo contrário. O presidente, quando assumiu, mandou nos chamar. Ele pediu alguns nomes para ministérios. Apresentamos alguns, mas os que ele tinha eram melhores do que os nossos. Por isso nem fomos contra. O único problema que acontece com a nossa Frente é o mesmo de todo o parlamento: falta de diálogo. Não é nem com o presidente, mas com os ministros. Como muitos dos ministros não são políticos, não sabem como funciona a Casa, que é um lugar de diálogo. Então, se não criar essa ponte, fica inviável.
Onyx Lorenzoni, ministro chefe da casa civil, é um bom interlocutor?
Já foi melhor, mas eu acho que agora, por causa dos superpoderes dados a ele e pelo acúmulo de funções, não está conseguindo conversar com todo mundo. Mas ele é uma pessoa de diálogo.
Neste ano, o senhor prestou homenagem ao ex-deputado Clodovil. Qual foi a motivação?
Clodovil é um símbolo, ou deveria ser. Eu lutei aqui, dentro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, para incluir todas as minorias, inclusive as minorias das minorias, quando fui presidente, em 2013. Na comissão, fui acusado de ser homofóbico, e eu sempre questionei as pessoas que me acusaram sobre o que é a homofobia. Porque até hoje ninguém encontrou um consenso sobre a questão. Sou contra qualquer tipo de discriminação e violência, seja por sexo, cor, religião, o que for. Respondi mais de oito processos no Supremo Tribunal Federal (STF), e todos foram arquivados, porque esse crime não existe. Se existisse, possivelmente eu teria sido cassado simplesmente por dizer que eu não acho certo dois homens darem um beijo no meio da rua perto de crianças. Isso é ser preconceituoso, homofóbico? E a minha liberdade de consciência? Fiz a homenagem ao Clodovil porque foi o primeiro homossexual assumido a ter um cargo na Câmara dos Deputados. Foi deputado, um homem de bem, um homem de família, que sofreu preconceito porque era minoria da minoria. Ele era um homossexual que não tinha orgulho de ser. Ele dizia: “Eu tenho orgulho de ser humano, a minha orientação sexual é foro íntimo meu”.
Em 2013, o senhor foi acusado de incentivar a cura gay. Qual é sua opinião sobre a atuação de psicólogos nesse tema?
(Risos) Tenho que rir. Desculpa, não é deboche, não. É que nunca houve cura para aquilo que não é doença. E eu sempre deixei isso muito claro. Isso é um rótulo criado pelo próprio movimento LGBT, apadrinhado pela grande imprensa de esquerda. O que havia era um projeto do PSDB, um partido de esquerda, que sustava uma resolução do Conselho de Psicologia Federal, que é o único do mundo que cerceia o direito do profissional de saúde mental de tratar uma pessoa que busca ajuda por ter uma crise existencial, uma crise interior.
O senhor teve um soldado na Comissão, que foi o então deputado federal Jair Bolsonaro. De algum modo, o senhor se considera responsável pelo crescimento dele?
Responsável, não. Acho que foi uma questão de oportunidade. Bolsonaro sempre foi um parlamentar polêmico. Nunca foi de um grupo, era um político isolado na Casa. Só que, em questões de costumes e de moral, ele sempre foi muito incisivo. Quando me viu sofrendo na comissão, porque eu sofri muito, ele esteve do meu lado. Ele é muito inteligente. Talvez tenha percebido algo que eu não tinha percebido: que aquilo poderia ser um mote de mudança de conceitos da sociedade. Ele começou a falar, naquele momento, o que a população queria ouvir. Quando o povo começa a perceber que o Estado está interferindo na educação do seu filho, quem é inteligente fala: “Calma aí”. Foi nesse momento que ele de fato acabou crescendo. Acredito que ajudei nessa ascensão, naquele instante. Foi ali que nasceu o mito. Ele deixou de ser o bufão para se tornar o mito do parlamento.
Qual é a sua opinião sobre o aborto em casos já previstos em lei, como estupro e fetos anencéfalos?
Como brasileiro e legislador, eu sigo a lei. Só que minha consciência, como ser humano, como pastor e mais ainda como sobrevivente de um aborto… Eu sou contra o aborto em qualquer esfera, a não ser que a vida da mãe esteja em risco. É uma vida que não tem como se defender. Respeito o que está na lei, em caso de estupro. Todavia, se eu pudesse conversar com a moça estuprada, diria que o que está dentro dela é uma vida. A mulher foi estuprada hoje, ela sabe que, se for a um médico agora, procurar ajuda, tem a pílula do dia seguinte. Não há concepção. Então, evitaria um aborto.
Evangélicos costumam citar com frequência a expressão “família tradicional”. Qual, afinal, é esse conceito?
A família tradicional é a família civilizatória. Homem, mulher e filhos. Reconheço que, hoje, existem arranjos familiares. Fui criado a partir de um arranjo familiar, em uma casa na qual só havia a minha mãe. Há legitimidade nessas famílias. Mas a família tradicional tem de ser protegida. Se ela não for, não existe família no amanhã. A nossa briga é a seguinte: quando se faz um projeto de lei, um desses projetos polêmicos, você não pode criá-lo partindo da exceção para a regra. É o contrário disso. Você deve partir da regra para a exceção.
Qual é a influência das igrejas evangélicas nas eleições? É normal pedir votos em cultos?
Sou, talvez, um dos poucos deputados da ala evangélica que vem para o parlamento sem apoio institucional de nenhuma igreja. As instituições têm organizações próprias e acabam elegendo alguém do meio delas para que seja o representante. Por exemplo: a Assembleia de Deus Madureira se reúne na sua convenção e diz: “Nós vamos ter tantos candidatos, um em cada Estado, e esse é o candidato oficial da nossa igreja”. Assim fazem a Universal, a Assembleia de Deus Missão, a Quadrangular, o RR Soares (Igreja Internacional da Graça de Deus). Embora eu seja da Assembleia de Deus, a igreja não me apoia institucionalmente. Culto não pode ser usado para pedir voto. O altar é sagrado. Existe momento e hora para isso. Nunca falei sobre política no culto. O que é feito na rua é outra coisa. Da calçada para fora, se quiser distribuir um profetinha – eu não chamo de santinho, porque santo só Deus –, tudo bem. Feito lá fora, tudo bem.
O senhor com frequência demonstra insatisfação quanto à forma como os cidadãos evangélicos são representados na mídia. Por quê?
Sempre que aparece em programas de entretenimento ou em novelas, o evangélico é colocado como louco, lunático, maluco, desequilibrado, como um fanático religioso. E os evangélicos não são assim. Não todos. Você não pode generalizar. Parece que é feito de propósito para descaracterizar o evangélico ou nos colocar diante da sociedade como párias. É desonroso ver uma TV como a Globo, que é tão poderosa, tentar humilhar os evangélicos. Uma emissora, embora tenha autonomia, tem concessão pública. Não pode usar seu poder para atacar um povo que não faz nada de mais a não ser orar. Evangélico não fuma, não bebe, não mata, não rouba, e, quando isso acontece, é punido. Quero só respeito conosco.
O senhor já classificou o deputado cassado Eduardo Cunha como herói por ter “derrubado o PT”. Como o senhor vê o deputado cassado hoje?
Eduardo está pagando pelo crime que cometeu. Gosto dele como pessoa. Não volto atrás daquilo que falo. Eduardo deu ao Brasil um presente. No futuro, a história vai dizer. Foi Eduardo quem derrubou o PT, não foi o parlamento. Porque todo mundo sabe que não havia peito aqui dentro para derrubar o PT. Não vou entrar no mérito do porquê, mas foi ele quem fez. O aborto só não se tornou lei até a 12ª semana porque o Eduardo segurou aqui, como cristão que era. O Plano Nacional de Educação, que foi votado aqui, estava cheio do que nós chamamos de ideologia de gênero. Iriam transformar nossas escolas em pontos de reconstrução da sociedade. Então, não é porque você fez 99 coisas boas e uma errada que vou te crucificar para sempre. Oro pela vida do Eduardo, faço votos que pague pelos crimes e termine com isso. Vou ter por ele sempre essa visão. Para mim, o Brasil ainda não teve um político tão preparado intelectualmente como Eduardo Cunha.
Como está a atuação do STF atualmente e sua relação com o congresso nacional?
Muitas pessoas acabam espancando o Supremo, mas porque não conhecem a realidade política. A covardia da Câmara em alguns assuntos faz com que o STF cresça. Esse poder que ascende, no caso o Supremo, deveria ter a hombridade de não extrapolar sua esfera de atuação. Infelizmente, o Supremo tem atravessado as linhas imaginárias que separam os poderes. Um exemplo: o casamento homossexual. A Constituição diz uma coisa, o Supremo diz outra. Então, se você rasga um artigo, a Constituição inteira está sob risco. O que tinha de acontecer era desligar a TV Justiça. Copiar os países de primeiro mundo, democracias maduras. Os Estados Unidos não têm televisão em cima da Justiça. Não podemos ter o espetáculo do julgamento.
O senhor defende uma CPI para investigar o Judiciário, nos moldes da recém-arquivada “Lava-Toga”?
Defendo qualquer CPI. A maioria dos deputados tem dificuldade em assinar CPI por causa de acordos. Nunca retirei assinatura de uma CPI. Esta Casa existe para isso. Se há uma denúncia, vamos investigar. Quem não deve não teme.
Quais são seus planos futuros na política? Sonha com a Presidência da República?
Sou um parlamentar, fui eleito pelo povo. Estou aqui no meu terceiro mandato, participei de uma eleição atípica. Achei que não ia conseguir e vim ungido por quase 250 mil votos. Eu quero continuar servindo o povo, da melhor maneira possível. Quero um país mais justo _ isso não é só discurso de esquerda. Sou novo, tenho 46 anos. Sonho um dia poder governar o nosso país. O IBGE diz que, em 10 anos, o Brasil será um país majoritariamente evangélico. Dos evangélicos aqui da casa, eu não sou o maior, nem o melhor, mas acho que sou um dos mais atuantes. O povo tem respeito por mim. Quando o justo governa, o povo se alegra. Não que eu seja mais justo que os outros, mas essa justiça está atrelada àquele que tem uma fé viva em um Deus vivo. E tenho uma fé viva em um Deus vivo.